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Regime Jurídico do Maior Acompanhado - Uma Avaliação Multidimensional

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8cm

Livros cujos temas se inserem nos tópicos jurídicos interdisciplinares. Guias práticos com explicação jurídica para aplicação prática pelos vários profissionais envolvidos. Destinados a profissionais de Direito, Serviço Social, Psicologia, Ciências da Saúde e Ciências Sociais.

9,4mm

REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO “A Lei n.º 49/2018 de 14 de agosto cria o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil.” O Regime do Maior Acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018 de 14 de agosto, permite a qualquer pessoa, que por razões de saúde, deficiência ou pelo seu comportamento não consiga exercer pessoal, plena e conscientemente os seus direitos ou cumprir os seus deveres, escolher por quem quer ser acompanhado (pessoa ou pessoas incumbidas de a ajudar ou representar na tomada de decisões de natureza pessoal ou patrimonial). As medidas de acompanhamento podem também ser requeridas pelo Ministério Público ou por qualquer parente sucessível da pessoa que carece destas medidas. O livro que aqui é apresentado surge como uma proposta de análise à presente Lei numa perspetiva do indivíduo, que deve ser considerada na avaliação diagnóstica, mostrando que uma implementação eficaz do Estatuto de Maior Acompanhado com uma avaliação multidimensional é o compromisso com a promoção da dignidade e dos direitos humanos de todos e um passo importante em direção a uma sociedade mais inclusiva, que valoriza e respeita a diversidade de quem a constitui.

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Uma obra destinada a profissionais do Direito, atores judiciários nacionais, interventores sociais e interventores na área da saúde.

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REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO

SÉRIE SOCIOJURÍDICA

15,7cm x 23,5 cm

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Andreia Ribeiro I Sara Melo I Adriana Neves

Envelhecimento da População O Regime Jurídico do Maior Acompanhado A importância da Avaliação Multidisciplinar O indivíduo nas suas várias funções/funcionalidades Escalas de Avaliação Multidisciplinar

ISBN 978-989-693-170-4

w w w . p a c t o r. p t

9 789896 931704

www.pactor.pt

A avaliação das (in)capacidades do indivíduo

15,7cm x 23,5 cm

8cm

SÉRIE SOCIOJURÍDICA

REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO Uma Avaliação Multidimensional

Andreia Ribeiro Sara Melo Adriana Neves


EDIÇÃO

PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 LISBOA Tel: +351 213 511 448 pactor@pactor.pt www.pactor.pt

DISTRIBUIÇÃO

Lidel – Edições Técnicas, Lda. R. D. Estefânia, 183, R/C Dto. – 1049-057 LISBOA Tel: +351 213 511 448 lidel@lidel.pt www.lidel.pt

LIVRARIA

Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 LISBOA Tel: +351 213 541 418 livraria@lidel.pt Copyright © 2023, PACTOR ® Marca registada da FCA PACTOR Editores, Lda. ISBN edição impressa: 978-989-693-170-4 1ª edição impressa: janeiro de 2024 Paginação: Carlos Mendes Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã Depósito Legal n.º 526104/24 Capa: José Manuel Reis 1

Todos os nossos livros passam por um rigoroso controlo de qualidade, no entanto, aconselhamos a consulta periódica do nosso site (www.pactor.pt) para fazer o download de eventuais correções. Não nos responsabilizamos por desatualizações das hiperligações presentes nesta obra, que foram verificadas à data de publicação da mesma. Os nomes comerciais referenciados neste livro têm patente registada.

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Índice Introdução

1 O Envelhecimento e a Consagração do Regime Jurídico do Maior Acompanhado

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1.1 O envelhecimento das populações 1.1.1 O fenómeno do envelhecimento demográfico 1.1.2 Envelhecimento normal e envelhecimento patológico 1.2 O regime jurídico do maior acompanhado 1.2.1 Evolução histórica do regime da interdição e da inabilitação 1.2.2 Alterações legislativas de regimes jurídicos de proteção de maiores na Europa 1.2.3 O que é o regime jurídico do maior acompanhado? 1.2.4 O papel do interventor social no regime jurídico do maior acompanhado

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2 A Pertinência de uma Avaliação Multidimensional no Regime Jurídico do Maior Acompanhado

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2.1 A avaliação multidimensional tendo em vista a avaliação da (in)capacidade do indivíduo 2.2 O funcionamento cognitivo e socioemocional e as funcionalidades nas atividades de vida diária 2.2.1 Funcionamento cognitivo 2.2.2 Recursos sociais 2.2.3 Recursos económicos 2.2.4 Atividades de vida diária 2.2.5 Utilização de serviços 2.3 As escalas/instrumentos de avaliação mais adequados a cada área ou domínio de avaliação biopsicossocial 2.3.1 Escalas de avaliação cognitiva Mini Mental State Examination (MMSE)

6 12 12 19 22 30 35 35 40 40 41 43 44 45 47 49 49


VI Regime Jurídico do Maior Acompanhado

Teste do Desenho do Relógio Montreal Cognitive Assessment (MoCA) Escala de Deterioração Global (EDG) Escala de Avaliação Clínica da Demência (CDR) Escala de Depressão Geriátrica (GDS) Escala de Cornell de Depressão na Demência (CSDD) Escala de Avaliação da Doença de Alzheimer (ADAS) 2.3.2 Escalas de Avaliação da Rede Social Escala Breve de Redes Sociais de Lubben (LSNS) Older Americans Resources and Services – Multidimensional Functional Assessement Questionnaire (OARS) 2.3.3 Escalas de Avaliação das Atividades de Vida Diária Índice de Barthel Índice de Katz Escala de Lawton-Brody 2.4 Avaliar as (in)capacidades do indivíduo nas suas várias dimensões Esquema síntese

3 Um Estudo de Caso - Distrito Judicial do Porto 3.1 Contextualização do estudo de caso 3.2 Avaliação multidimensional do idoso: da incógnita à necessidade 3.2.1 Da experiência à tomada de decisão Experiência profissional Experiência prévia em casos de incapacidade Conhecimento prévio do regime jurídico do maior acompanhado Processo de tomada de decisão face ao grau de (in)capacidade do indivíduo Fatores que se constituem obstáculos num processo de tomada de decisão A avaliação multidimensional do idoso: conhecimento prévio e importância A constituição de uma equipa multidisciplinar

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Índice VII

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A avaliação multidimensional para a construção do relatório pericial 90 3.2.2 Desafios da implementação 92 A lei do estatuto jurídico do maior acompanhado 92 Mudança de paradigma na lei do estatuto jurídico do maior acompanhado 95 A prova pericial 97 Medida cautelar: o acompanhamento 99 Avaliação da (in)capacidade de um indivíduo 102 Importância de equipas multidisciplinares 104 Implementação da avaliação multidimensional no processo jurídico do maior acompanhado 106 Considerações Finais

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Referências Bibliográficas

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Índice Remissivo

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Anexos Anexo 1 – Guião de Entrevista Anexo 2 – Categorias dos dados

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Introdução O presente livro incide sobre a lei do regime jurídico do maior acompanhado e, em particular, de que forma a avaliação multidimensional é importante para complementar as avaliações desenvolvidas nos relatórios periciais. Como ponto de partida, é de salientar a relevância de associar o direito, uma ciência jurídica, à gerontologia social, uma ciência social. Articular ambas as ciências é um trabalho emergente, uma vez que o Homem é um ser social, e que só é possível o seu desenvolvimento e da sociedade com a existência de regras, ou normas necessárias, nas relações sociais. Este conjunto, constitui, assim, a ordem jurídica. Refletindo o crescente número de idosos aludindo no fenómeno do envelhecimento, o mesmo carateriza-se por um processo heterogéneo e diferenciado. Cada pessoa vive em contextos físicos, sociais e humanos diferentes e tem vivências e projetos de vida idiossincráticos. Por sua vez, com o avanço da idade existem alterações às funcionalidades de alguns indivíduos que poderão comprometer a sua total autonomia.

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Neste seguimento, o direito tem vindo a acompanhar as necessidades que lhe são impostas pela sociedade, devido às funções que lhe são exigidas nesta área. Ora, se outrora o direito dispunha de institutos para tutelar e regular estas incapacidades, designadamente o instituto da interdição e da inabilitação, o certo é que as exigências sociais em torno do envelhecimento culminaram numa transformação destes regimes. Assim, com a entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto criou-se o regime jurídico do maior acompanhado. Dada a imperatividade da preservação da autonomia da pessoa e da sua vontade, o direito pretende com este regime dar resposta às sobreditas exigências que emergem da mudança de paradigma da sociedade. Esmiuçando os anteriores regimes tutelares das incapacidades, previstos na lei, estes assentavam na substituição da pessoa retirando-lhes a parca autonomia que lhes restava. Ao invés do antigo regime, o novo afasta a


X Regime Jurídico do Maior Acompanhado

figura da “substituição”, trazendo para mote um modelo de acompanhamento. Neste sentido, a Gerontologia Social deve fomentar meios para que as pessoas idosas sejam capacitadas e se adaptem ao novo conceito de um envelhecimento orientado, numa perspetiva macro e micro da envolvência na sociedade, para o seu próprio bem-estar. Percecionando o indivíduo, este é sustentado numa vertente biológica e social. Numa perspetiva integral, o Homem está em relação constante consigo mesmo, com a natureza e com os outros. Ao mesmo tempo que é um ser singular, é também um ser de relações, compreendendo diversas dimensões na sua vida. Daí que, ao considerar os desafios da socialização de um indivíduo, enquanto ser biopsicossocial, é relevante analisar todas as dimensões da sua vida de modo a perceber de que incapacidades padece. Recorrer a um instrumento que tenha a pessoa como o centro, não se focando apenas nas suas doenças e nos seus défices, mas também nas capacidades funcionais que ainda detém e nas suas relações positivas. A avaliação multidimensional foi concebida para isso. O direito não previu, nem prevê, um mecanismo, dentro do regime jurídico do maior acompanhado, que assegure a perspetiva holística do indivíduo. Isto numa certeza de elucidação do legislador, considerando o idoso como um ser integral e integrado, este livro procura mostrar a necessidade da avaliação multidimensional neste regime. Assim sendo, recorrendo ao instrumento da avaliação multidimensional do idoso, pretende-se alcançar informações que estruturarão uma assistência muito mais precisa e rigorosa. A avaliação multidimensional incide nas necessidades evidentes da pessoa que é avaliada, permitindo a reorganização da sua vida. Do ponto de vista estrutural, o Capítulo 1 incide numa abordagem teórica ao envelhecimento das populações, incidindo no fenómeno do envelhecimento demográfico e na diferença entre o envelhecimento normal e o envelhecimento patológico. Neste capítulo apresenta-se, também, o regime jurídico do maior acompanhado, desde a evolução histórica dos anteriores regimes aos exemplos de regimes jurídicos de proteção de maiores na Europa. Culmina com uma breve reflexão do papel do interventor social no atual regime jurídico do maior acompanhado.


Introdução XI

Seguidamente, no Capítulo 2, é apresentado, num quadro teórico, a avaliação multidimensional enquanto instrumento de avaliação da (in)capacidade de um indivíduo. Incidimos a leitura deste capítulo em determinadas dimensões da vida social, terminando com a exemplificação de vários instrumentos de avaliação a aplicar no quotidiano. O Capítulo 3 assenta na apresentação e análise dos resultados de um estudo de caso, abrindo o mote para posteriores reflexões. Procurou-se, junto dos intervenientes, compreender a importância da adoção da avaliação multidimensional, implementada por uma equipa multidisciplinar, no atual regime jurídico do maior acompanhado.

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Finalmente, surgem as considerações finais elucidando o importante trabalho que ainda tem de ocorrer para melhor servir e proteger a sociedade em que vivemos.


O Envelhecimento e a Consagração do Regime Jurídico do Maior Acompanhado

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1.1 O envelhecimento das populações O envelhecimento, segundo Zimerman (2000), é um fenómeno biológico que pressupõe alterações físicas, psicológicas e sociais no in-

divíduo. As transformações são naturais e progressivas, podendo-se verificar em idades prematuras ou mais avançadas, em maior ou em

menor intensidade, considerando as caraterísticas genéticas de cada um, assim como o seu estilo de vida.

Do mesmo modo, o termo envelhecimento, apresentado por Spirdu-

so (2005), é aplicado ao processo natural que ocorre nos seres vivos e com o passar do tempo leva a uma perda de adaptabilidade, deficiên-

cia funcional e, consequentemente, à morte. O mesmo autor refere ainda que o envelhecimento é uma experiência individual, uma vez que as pessoas diferem não só nas suas caraterísticas e nos seus comportamentos, mas também na maneira como mudam e se adaptam

com o avançar do tempo. Fernández-Ballesteros (2000) acrescenta, em sintonia com o último autor, que num processo de envelhecimento são analisados os problemas funcionais dos idosos relativamente

às suas incapacidades e dificuldades, que os leva a deixar de ter uma vida independente e autónoma.

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É, ainda, pertinente referir que “ser velho” significa, na maioria das vezes, estar excluído de vários lugares sociais. Um destes lugares, fortemente valorizado, é relativo ao mundo laboral.


12 Regime Jurídico do Maior Acompanhado

Para salvaguardar os indivíduos que não possuíssem a capacidade de exercício das suas faculdades físicas e psíquicas e que fossem impedidos de reger a sua vida e os seus bens, o Código Civil, de 1966, contemplou os institutos da interdição e inabilitação, que serão abordados seguidamente e que deram origem ao atualmente designado regime do maior acompanhado.

1.2 O regime jurídico do maior acompanhado 1.2.1  Evolução histórica do regime da interdição e da inabilitação A conjugação de diversos fenómenos levou a que vários especialistas refletissem no anterior regime jurídico da interdição e da inabilitação, nitidamente, desajustados pelo contexto social atual e pelos novos paradigmas quanto à conceção da doença mental e da deficiência bastante afastados da realidade. Na Exposição de Motivos6 é possível verificar múltiplas razões que afetam o regime da interdição e da inabilitação, sobretudo as que tornam esta medida desajustada face à realidade da sociedade portuguesa. Primeiramente, considera a evolução socioeconómica e alteração das famílias, apontando para uma elevação considerável do nível de vida da população e uma diminuição da capacidade agregadora das famílias. Seguidamente, a evolução demográfica do país, que interligado ao fenómeno do envelhecimento, verificou um aumento expressivo da esperança de vida e uma descida da natalidade, existindo a necessidade em incluir, no regime jurídico, as pessoas idosas. Como menciona Trabuco (2008), o aspeto com mais urgência a ser revisto é o facto de as doenças degenerativas, associadas à idade e às perdas de capacidade provocadas pelas mesmas, não estarem explanadas no anterior regime de interdição e inabilitação. Do mesmo 6

Proposta de Lei n.º 110/XIII.


O Envelhecimento e a Consagração do Regime Jurídico do Maior Acompanhado 19

Em conformidade com a Resolução do Parlamento Europeu (2017) considerou-se também que: “(…) um adulto vulnerável é uma pessoa que atingiu os 18 anos de idade e que, devido a uma alteração ou insuficiência das suas faculdades pessoais, não está em condições de zelar pelos seus próprios interesses (assuntos pessoais e/ou prioridade pessoal) de forma temporária ou permanente.”

Desta forma, a reforma legislativa passará pela aplicabilidade de medidas de proteção a pessoas adultas com fragilidades, que se encontram desprotegidas pela lei, em função das limitações associadas à idade independentemente da sua natureza, desde que comprometa a sua capacidade de discernimento, ou seja, impeça a pessoa de autodeterminar os seus interesses e de os salvaguardar. Em suma, entendeu-se que era basilar repensar o sistema jurídico no qual se promovesse uma reforma para um futuro modelo de acompanhamento baseado na tomada de decisão apoiada.

1.2.2  Alterações legislativas de regimes jurídicos de proteção de maiores na Europa

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No seguimento das razões que levaram ao melhoramento dos institutos jurídicos, segundo Cordeiro (2019), acresce ainda a experiência de ordenamentos europeus próximos ao nosso que realizaram alterações de fundo. Do mesmo modo, Sampaio (2016) refere o caso de França, Bélgica e Espanha que abarcaram novas medidas de proteção. No regime francês, por exemplo, foi identificado expressamente que o envelhecimento é uma das causas de diminuição de capacidades que pode justificar a aplicação de medidas de proteção. Muitos países já realizaram alterações profundas aos seus regimes jurídicos de proteção dos maiores, respeitando o exercício dos direitos civis sobretudo para o cidadão idoso. O regime francês foi inovador nesta alteração dos institutos jurídicos, merecendo a nossa atenção.


20 Regime Jurídico do Maior Acompanhado

O Código Civil francês prevê três regimes de proteção: a tutela, a curatela e a salvaguarda de justiça. Esta figura de salvaguarda de justiça foi pensada para as pessoas que não estivessem capazes de agir sobre si próprias e, portanto, precisassem de proteção para os atos da vida civil. Presume-se para esta figura, as alterações ou deficiências mentais pouco graves, que permitem às pessoas um relacionamento com a sociedade praticamente normal, ou casos de alteração das faculdades mentais de curta duração, mas que expõem as pessoas ao risco de serem abusadas para benefício de outras. Trata-se de uma medida muito flexível, dado que é restringida a situações transitórias e pouco graves, e é praticada em grande escala sobretudo na proteção das pessoas idosas. A medida não afeta a capacidade de exercício do indivíduo, uma vez que não está representado por ninguém. Uma outra alteração muito significativa nos regimes de proteção dos maiores deu-se na lei alemã, a lei do acompanhamento (Betreuungsgesetz), que aboliu a tutela de maiores, dando lugar ao novo instituto designado Betreuung ou acompanhamento. Apesar de a lei não fazer referência, manifesta a situação em que os idosos se encontram, demonstrando que este modelo tem abertura e flexibilidade para aplicar nestes casos. O acompanhamento aplica-se, assim, à pessoa maior que, por motivo de doença mental, deficiência física, mental ou psicológica, não pode tratar na totalidade ou parcialmente das suas questões pessoais. E, neste sentido, é enumerado um conjunto de pessoas (acompanhantes) que ficam com a responsabilidade, pela prática dos atos necessários, de cuidar dos assuntos da pessoa acompanhada. Esta medida procura reforçar a posição jurídica das pessoas idosas e deficientes com debilidades, possibilitando a sua reintegração. A medida é decretada pela tutela jurídica quando pedido pelo próprio interessado ou, oficiosamente, no caso de sofrer de uma doença mental ou não puder manifestar a sua vontade. A nomeação do acompanhado deve ter em consideração a sugestão feita pelo mesmo, salvo apenas se não for de encontro ao interesse do


A Pertinência de uma Avaliação Multidimensional

no Regime Jurídico do Maior Acompanhado

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2.1 A avaliação multidimensional tendo em vista a avaliação da (in)capacidade do indivíduo A correta determinação do nível adequado de cuidados nas pessoas pode ter consequências muito positivas. Se se determinarem cuidados muito veementes, estes podem causar um estado de maior dependência. No entanto, se esses cuidados forem menores do que os necessários, por sua vez, a pessoa pode ser lesada e afetar a sua qualidade de vida.

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Por isso, os serviços, assim como os recursos que estão disponíveis, carecem de bons sistemas de avaliação que possibilitem descobrir aspetos da pessoa e da sua família com os quais irá intervir. Oferecer uma resposta à medida das exigências pessoais, com a colaboração de diferentes profissionais, enriquece consideravelmente o enfoque integral que a avaliação implica e, dessa forma, desenvolver planos individualizados de apoio. De acordo com Ribeirinho (2013), torna-se fundamental que o método de avaliação do indivíduo seja o centro do processo. Para tal, a avaliação é direcionada a um objetivo centrado na pessoa, especialmente nas suas capacidades, funções e relações positivas, e não somente nas suas doenças ou défices. Deste modo, a avaliação torna-se uma parte complementar da intervenção, como sendo um passo prévio e indispensável para a inclusão da pessoa, em qualquer programa ou serviço disponível.


60 Regime Jurídico do Maior Acompanhado

uma maior satisfação. Assim, a utilização de instrumentos de medida é fundamental para um diagnóstico rigoroso. Percebendo as várias dimensões que caraterizam a condição de uma pessoa e que devem constar numa avaliação multidimensional, espera-se adquirir uma grande quantidade de informação. Desta forma, a informação armazenada deve ser estudada e agrupada, de modo a justificar as intervenções clínicas, tendo em conta que é essencial que exista um bom controlo dos dados para que o profissional consiga relacioná-los entre si. Trabalhar os dados, associando-os, procura reduzir as incertezas que surgem num processo de avaliação de um indivíduo. Clarificar os raciocínios quer pela comparação das informações, quer pelos registos de outros profissionais, leva a que as decisões sejam mais ponderadas e conscientes. No entanto, o profissional é igualmente um ser biopsicossocial e como tal tem experiências de vida, problemas, crenças e especializações profissionais que influenciam certamente as suas decisões, ainda que de forma inconsciente. Concluindo, associar um relatório social, como referia a autora (Sampaio, 2016), com a construção da história de vida do indivíduo a uma avaliação multidimensional, e, posteriormente, ao relatório pericial/ /médico, a perceção da capacidade jurídica do indivíduo tornar-se-ia mais holística.

2.4 Avaliar as (in)capacidades do indivíduo nas suas várias dimensões Será que a nova lei do estatuto jurídico do maior acompanhado avalia as (in)capacidades do indivíduo nas suas várias dimensões? A mudança de paradigma existente, face a esta lei, é suficiente para dar resposta às novas situações de litígio? Será importante adotar um instrumento de avaliação, como a avaliação multidimensional, ao regime jurídico do maior acompanhado? A avaliação da (in)capacidade do indivíduo deve ser efetuada por equipas multidisciplinares?


Um Estudo de Caso - Distrito Judicial do Porto

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3.1 Contextualização do estudo de caso Com o presente estudo de caso, procura-se compreender a pertinência da avaliação multidimensional para a elaboração dos relatórios periciais quando solicitados no regime jurídico do maior acompanhado.

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Deste modo, apresentam-se os seguintes objetivos específicos: Compreender se os profissionais conhecem o regime jurídico do maior acompanhado; Medir a dificuldade na tomada de decisão, face ao grau de capacidade ou incapacidade de um indivíduo, para os vários atos quotidianos no regime jurídico do maior acompanhado; Enumerar fatores que se constituem obstáculos no processo de tomada de decisão face ao grau de (in)capacidade; Identificar se os profissionais conhecem a avaliação multidimensional do idoso; Compreender a importância que os profissionais atribuem à avaliação multidimensional no regime jurídico do maior acompanhado; Compreender se os profissionais consideram importante a implementação de equipas multidisciplinares; Compreender a avaliação multidimensional do idoso na construção do relatório pericial.


78 Regime Jurídico do Maior Acompanhado

“… desde… que seja provado que… exagerava no gasto relativamente às raspadinhas e que… poderia pôr em jogo… a sobrevivência económico-financeira a nível familiar… não seria difícil… seria extraordinariamente fácil…” O, Médico Legal, 86 anos, Masculino, Porto

No entanto, os que responderam no grau de dificuldade “relativamente difícil”, “bastante difícil” ou “extremamente difícil” tiveram em consideração os dados apresentados no caso prático, sem assumir uma possível comprovação do estado de saúde do João. “Eu penso que seria relativamente difícil, porque embora ele tenha consultado um médico…não é um caso comprovado.” G, Enfermeiro, 25 anos, Feminino, Santo Tirso

“Considero muito difícil, porque requer uma avaliação completa… perceber as doenças, as rotinas, os comportamentos…” J, Gerontólogo, 29 anos, Feminino, Vila Nova de Famalicão

Fatores que se constituem obstáculos num processo de tomada de decisão Por conseguinte, os profissionais enumeraram diversos fatores que criam alguma resistência num processo do maior acompanhado, na categoria ‘Sobre os fatores que se constituem obstáculos num processo de tomada de decisão’. O obstáculo que surge com maior evidência é o facto da avaliação pericial, quando desenvolvida, acontecer especificamente por profissionais da área da saúde, seja por neurologistas ou por psiquiatras, o que por vezes induz numa medida cautelar mais severa, como o caso da institucionalização da pessoa, como exemplifica a assistente social C, não compreendendo em termos práticos se a decisão judicial pronunciada será a mais adequada ao caso concreto.


Considerações Finais A constante expansão da longevidade obriga a repensar o modo como tratamos e pensamos nas medidas para os mais velhos. De acordo com os dados do INE (2022), a proporção de população com menos de 15 anos (os jovens) diminuiu de 15% para 12,9% da população residente total. E a proporção de população com 65 ou mais anos (os idosos) aumentou dos 19,2% para os 24%, de acordo com o período entre 2011 e 2022. Emerge nesta mudança demográfica da sociedade a ciência da gerontologia, procurando estudar a velhice de forma a integrar a pessoa idosa nas suas conjunturas e atuação. De acordo com o Manual de Gerontologia (2012), esta ciência procura as melhores condições de vida para as pessoas, trabalhando para desenvolver planos políticos e serviços adaptados às circunstâncias individuais e geracionais. Refletir no estatuto do maior acompanhado, torna-se, assim, necessário face ao crescimento gradual da população idosa. Através deste regime pretende-se suprir as incapacidades próprias da idade que inviabilizam o exercício dos direitos e deveres de determinada pessoa.

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Aliar o regime de acompanhamento à gerontologia social transfigura-se numa inevitabilidade pelo facto de proporcionar, às pessoas maiores, uma medida ajustada e capaz de enfrentar as suas necessidades. Por isso, a temática investigada alusiva à importância da adoção da avaliação multidimensional, constituindo uma vertente da gerontologia social, para o regime do maior acompanhado apresentou resultados muito significativos. Importa demonstrar, antes de mais, que o presente estudo se deparou com algumas limitações, nomeadamente o facto de não existir muita sustentação teórica sobre o tema, por se tratar de um instrumento legislativo recente. Acresce também a situação pandémica, provocada pela Covid19, que determinou limitações por se tratar de uma realidade de saúde


110 Regime Jurídico do Maior Acompanhado

pública e restringiu o contacto pessoal na abordagem ao terreno. No entanto, tendo em vista a minimização deste impedimento, socorremo-nos dos meios eletrónicos disponíveis que possibilitaram a realização das entrevistas para o estudo. Em vista disso, reflete-se a prática sustentada pela interdisciplina de intervenção. Em conformidade com a Teoria Prática da Gerontologia (2012), “esta perspetiva deverá substituir os conteúdos separados, que longe de si conferem aos saberes a imagem de uma ciência fragmentada” (p. 50), permitindo que aconteça a implementação de uma equipa multidisciplinar e trabalhando para se dar sentido à transversalidade das várias áreas científicas reunificadas. Uma população pode realmente estar a envelhecer, mas a sociedade não, e isto impele-nos a uma mudança na forma como reagimos às alterações dos factos. O processo de envelhecimento não retira a liberdade individual, pelo que a lei e a sociedade devem-se ajustar na promoção de instrumentos capazes de servir e capacitar a liberdade. A avaliação multidimensional, aplicada por uma equipa multidisciplinar, é um instrumento basilar para a compreensão das dinâmicas pessoais do requerido ao salvaguardar e respeitar a sua autonomia. Consagrado no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, a dignidade humana constitui o macro princípio orientador de todo o comportamento dos indivíduos em sociedade e de toda a legislação que os regula. Subjacente à dignidade da pessoa está a concretização da autonomia da vontade. Epilogada por estes dois princípios basilares, o regime jurídico do maior acompanhado concentra a sua génese. A insuficiência do aludido normativo prende-se precisamente pela carência de uma ferramenta que apresente elementos concretos de uma visão holística do indivíduo beneficiário. Porém, cabe sempre equacionar que a letra da lei não refletiu integralmente o espírito do legislador, isto porque e fica presente neste estudo a necessidade de uma equipa técnica de apoio que auxilie o julgador no decorrer do processo judicial. Mais uma vez, a avaliação multidimensional seria importante para o regime pela sua flexibilidade excecional, em contraponto com a situação clínica apresentada no relatório médico. Assim sendo, reveste-se de grande importância o caso concreto de cada sujeito e, ao mesmo tempo, dotar


Considerações Finais 111

um julgador com uma amplitude de elementos capazes de lhe fornecer uma perspetiva multidimensional do indivíduo para a aplicação correta das medidas cautelares respeitadoras dos princípios subjacentes ao regime. Assim sendo, a aplicação deste instrumento permitirá salvaguardar o direito de autonomia (embora limitado) do requerido, instruindo o processo, bem como o julgador, de todos os elementos capazes e fulcrais para a determinação da medida cautelar. Só assim é minimizado o risco de uma aplicação generalizada da medida, contrariando a exclusão social que a sobredita generalização poderia implicar. A necessidade de uma compreensão, deste caso concreto, prende-se precisamente com o respeito da dignidade da pessoa humana (do indivíduo) e com a avaliação multidimensional constituir um elemento essencial para essa salvaguarda. A par da assessoria prestada nos Juízos de Família e Menores, parece-nos mais do que evidente (e aqui deixamos como sugestão) que a criação de uma equipa multidisciplinar vem satisfazer as necessidades que decorrem da aplicação deste regime do maior acompanhado nos Juízos Cíveis. Vejamos o artigo 145.º do Código Civil que estipula na alínea número 1 que: “O acompanhamento limita-se ao necessário.”, pelo que impera uma aplicação precisa e específica da medida de acompanhamento por parte da autoridade judiciária, do juiz quando a aplica, do Ministério Público quando a promove, bem como das partes que a requerem. Com isto quer-se dizer que todos os intervenientes processuais necessitam de conhecimentos técnicos para, nos termos supra, melhor decidir sobre a medida mais exata e ajustada à realidade concreta de cada indivíduo.

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Ora, esta assessoria prestada por uma equipa multidisciplinar, como aqui se sugere, permite conhecer na íntegra todo o contexto endógeno e exógeno da pessoa e, com base nessa factualidade, decidir uma medida que se limita ao necessário e em respeito às suas relações sociais, que visam ser necessárias e fundamentais a qualquer ser humano.


Esquema síntese

Regime Jurídico do Maior Acompanhado

Avaliação Multidimensional

Equipa Multidisciplinar Incita ao respeito pela dignidade da pessoa humana e à preservação da autonomia da vontade da pessoa acompanhada

Funcionamento Cognitivo Recursos Sociais Recursos Económicos Atividades de Vida Diária Utilização de Serviços

Visão holística do acompanhado

Relatório Pericial

Dotar o julgador de uma amplitude de elementos numa perspetiva multidimensional do indivíduo

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Determinação da medida cautelar: Precisa e específica da medida de acompanhamento Respeitando os princípios subjacentes ao regime

Promover a Inclusão Social



8cm

15,7cm x 23,5 cm

9,4mm

Livr tópic jur vár D C

“A Lei n.º 49/2018 de 14 de agosto cria o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil.” O Regime do Maior Acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018 de 14 de agosto, permite a qualquer pessoa, que por razões de saúde, deficiência ou pelo seu comportamento não consiga exercer pessoal, plena e conscientemente os seus direitos ou cumprir os seus deveres, escolher por quem quer ser acompanhado (pessoa ou pessoas incumbidas de a ajudar ou representar na tomada de decisões de natureza pessoal ou patrimonial). As medidas de acompanhamento podem também ser requeridas pelo Ministério Público ou por qualquer parente sucessível da pessoa que carece destas medidas. O livro que aqui é apresentado surge como uma proposta de análise à presente Lei numa perspetiva do indivíduo, que deve ser considerada na avaliação diagnóstica, mostrando que uma implementação eficaz do Estatuto de Maior Acompanhado com uma avaliação multidimensional é o compromisso com a promoção da dignidade e dos direitos humanos de todos e um passo importante em direção a uma sociedade mais inclusiva, que valoriza e respeita a diversidade de quem a constitui.

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Uma obra destinada a profissionais do Direito, atores judiciários nacionais, interventores sociais e interventores na área da saúde.

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REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO

REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO

K

Andreia Ribeiro I Sara Melo I Adriana Neves

ISBN 978-989-693-170-4

9 789896 931704

www.pactor.pt

A

15,7cm x 23,5 cm

8cm

SÉRIE SOCIOJURÍDICA

REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO Uma Avaliação Multidimensional

Andreia Ribeiro Sara Melo Adriana Neves

AUTORAS

Andreia Ribeiro

Assistente Social, trabalha no Departamento Municipal de Coesão Social da Câmara Municipal do Porto. Licenciada em Serviço Social e Mestre em Gerontologia Social. Recebeu o Prémio Companheiro Dr. Tavares Pinto, atribuído pelo Rotary Club Porto Antas. Tem trabalhado em contexto institucional na área do envelhecimento e da deficiência em diversas respostas sociais, tendo também prestado serviços de consultoria na área social.

Sara Melo

Professora Auxiliar do Instituto Superior de Serviço Social do Porto. Licenciada em Sociologia, Mestre em Desenvolvimento e Inserção Social e Doutorada em Sociologia. Investigadora Integrada no Instituto de Sociologia da Universidade do Porto, colabora também com várias instituições públicas e privadas em atividades de formação académica e investigação na área da Sociologia, do Serviço Social e da Gerontologia Social..

Adriana Neves

Advogada e Docente no Instituto Superior de Serviço Social do Porto. Licenciada, Mestre e Doutorada em Direito. Membro da Ordem dos Advogados, presta serviços jurídicos a particulares e a empresas de diversos setores. Membro de diversas associações nacionais e internacionais na área do Direito da Família, já participou em diversos congressos nacionais e internacionais na área, sendo autora de diversos artigos e coordenadora de publicações na área do Direito e da Intervenção Social.


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