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O eterno Natal de Bruno Aleixo

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O eterno Natal de Bruno Aleixo ★ ★ ★ ★ ★ observador.pt/2022/12/22/o-eterno-natal-de-bruno-aleixo

Em meados dos 2000s, Bruno Aleixo apareceu na internet em vídeos curtíssimos, com uma curta piada – por vezes duas no mesma segmento – sobre um detalhe qualquer de Coimbra. O elemento estranho resultava: na altura, Bruno Aleixo não era um cão, mas um Ewok. Por razões de direitos de autor, ocorreu a mudança e deu-se uma evolução, os vídeos passaram a ter elementos biográficos da personagem, deu o inevitável salto para a televisão – “O Programa do Aleixo”, na SIC Radical –, introduziram-se novas personagens ao universo e a coisa ganhou asas: mais programas do Aleixo, outros em volta de bola, segmentos para rádio e uma longa-metragem, “O Filme do Bruno Aleixo”. Agora o segundo: “O Natal do Bruno Aleixo” chega esta semana às salas. Voltando ao elemento estranho, há algo no humor de Aleixo, personagem e universo criado por João Moreira, Pedro Santo e João Pombeiro (que há muitos anos saiu do grupo, deixando os dois primeiros no comando) que tem um vigor raro no contexto português. Seja por conseguir tanto com tão pouco ou por manter-se durante anos com uma linguagem localizada e centrada. O humor de Aleixo é egocêntrico, gira à volta de si mesmo, tanto que até cansa. Mas até no cansar vence, os autores dominam cada piada e acreditam que o espectador (ou ouvinte) vive tão inteirado de tudo quanto eles. Por pouco, entenda-se tudo: tempo, personagens e até meios. Por mais orçamento que tenha, o look tosco vence, com um carácter dominante. Esse labor, essa atitude, permite-lhes muita coisa. Gozam com tudo, gozam com ninguém e no meio percebe-se que há piada no que somos, na forma como agimos e que é possível gozar com o português sem explicar, apenas mostrando algumas das suas atitudes. Por

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isso, João Moreira e Pedro Santo podem permitir-se a fazer um filme de Natal com Bruno Aleixo, seguindo a lógica de “Um Conto de Natal”, de Charles Dickens, onde o cão português mais famoso dá ares de Scrooge. [o trailer de “O Natal do Bruno Aleixo”:]

Watch Video At: https://youtu.be/AXEP6-Q9P2s

Eis o que acontece, Aleixo e Bussaco vão na estrada. Começam a ter uma das suas típicas conversas, onde uma coisinha escala para uma intensa discussão de amigos, onde se sente o peso de anos, memória, presente e a eterna sensação de que nada muda. Mesmo sem conhecer Aleixo, isto sente-se em meia dúzia de linhas. Sem explicar, com uma fluidez monumental. Goste-se ou não, é admirável. Conversa puxa conversa e pouco vagar na estrada: têm um acidente. Aleixo fica em coma, Bussaco com umas mazelas. A poucos dias do Natal, Aleixo está no hospital. O filme assume Bruno como uma figura do meio, ou seja, uma personalidade pública que tem um programa de rádio. A elevação a “notável” tem piada, mais do que uma criatura de imaginário, Aleixo é uma personagem que saiu do seu universo e que agora está entre nós — e, às tantas, pensa-se, “não foi sempre assim?”. Adiante, em poucas palavras – outra vez, poucas linhas de texto – chega-se à conclusão que o coma de Aleixo pode dever-se a um trauma de Natal. Vai daí, chama-se o psicoterapeuta que o tratou em “Aleixo Psi” para iniciar um tratamento para encontrar que passado natalício o deixou tão traumatizado. Chama-se a família, o irmão, para andar a vasculhar os natais passados (cinco, para ser exato, para percebermos porque é que odeia tanto o Natal). Neste momento, nas memórias, nota-se maior investimento no novo filme de Aleixo, as animações são ótimas e distanciam-se do imaginário já conhecido. O que acontece são viagens ao passado do

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protagonista que nada ficam a dever ao universo em si. Mais do mesmo, mas noutro contexto. Ou seja, há pouco de refrescante em “O Natal do Aleixo”, mas há pouco de novo em Aleixo há muito tempo. Em parte porque não precisa, a honestidade brutal com que transmite isso continua genuína. Ou seja, é o que é, um cão de Coimbra, atualmente com 65 anos, com antepassados brasileiros e um mau feitio (será mau feitio?) que existe desde que é garoto — perdão, cachorro. Como se a antipatia fosse uma qualidade inultrapassável. E é esse cão (que não é um cão, apenas calhou ser um cão) que conduz tudo o que se passa em “O Natal do Aleixo”. E quanto mais se souber de Aleixo, melhor a coisa cai no goito. Filme para fãs? Sim, sem dúvida. Até porque no cinema Aleixo faz uma coisa admirável, que é dar continuidade a tudo o que existe nos outros meios em que existe ou já existiu. Assume-se que o espectador conhece o universo. Sem concessões nesse nível, ou seja, sem explicações, porque afinal a personagem só pode existir nessa continuidade, sem fazer uma paragem para se explicar. Não, Aleixo existe e tudo o que acontece na sua galáxia importa. Como se fosse um reality show há anos no ar. Que, para o bem e para o mal, não cansa. Afinal, quem não quer saber mais sobre a avó de Aleixo ou o primo Victor Hugo, de treze anos, que anda a fumar às escondidas?

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