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Digital 98 • Ano 52º Fevereiro - 2023

A QUEM PERTENCE O MAR?


NOTA DE ABERTURA

SUMÁRIO Digital 98 • Ano 52º Fevereiro - 2023

O A QUEM PERTENCE O MAR?

AMBIENTE 04 Clima, natureza e as pessoas: Um futuro partilhado para o nosso planeta 06 Quais são os aspectos sociais da transição verde? GESTÃO/EMPREENDEDORISMO 07 Duas engenheiras da FEUP desenvolveram uma tecnologia que permite extrair magnésio da salmoura resultante da dessalinização

SOMOS PALHINHA DE TRIGO ARRASTADA PELO VENTO SUÃO

planeta está a reagir, tem vindo a reagir, ainda agora, nos últimos dias tem sido uma dor d’alma o que se tem vindo a passar tanto na Turquia como na Síria. Na Turquia, que temos seguido mais de perto, a devastação tem sido por demais, cidades quase por completo arrasadas e mortos são aos milhares. Na Síria, como se não bastasse a guerra civil, que desde 2011 se trava no país e que já terá matado cerca de 500.000 pessoas e deslocado mais de 5 milhões de sírios, sofreu agora uma destruição tal que alguns testemunhos locais consideram mais muito mais violenta e devastadora do que a guerra. Já antes, a Europa e muitas outras partes do planeta tinham sido atingidas pelas secas e os incêndios como também pelas cheias, alternadamente como aconteceu aqui em Portugal. Bem nos lembramos como se passou da seca intensa e severa de parte do ano, para de seguida sentirmos os efeitos da chuva e das cheias dos últimos meses. E antes foi a pandemia do Covid19 que afectou praticamente todo o planeta e provocou, até agora, quase sete milhões de mortes. Isto devia levar-nos a perceber que somos quase nada, não temos qualquer poder, quando comparados com as forças que se movimentam no planeta, somos zeros à esquerda da vírgula, somos palhinha de trigo arrastada pelo vento suão.

INOVAÇÃO/TECNOLOGIAS 10 Novas tecnologias que podem mudar o mundo MAR 16 A quem pertence o mar? TÉCNICO/CIENTÍFICO 16 Chatbot da openAI (ChatGPT) até compõe música

FICHA TÉCNICA

PROPRIEDADE: Centro Cultural dos Oficiais e Engenheiros Maquinistas da Marinha Mercante - NIPC: 501081240 FUNDADOR: José dos Reis Quaresma DIRECTOR: Rogério Pinto EDITORES: Jorge Rocha e Jorge de Almeida REDACÇÃO E ADMIN.: Av. D. Carlos I, 101-1º Esq., 1200-648 Lisboa Portugal Telefs 213 961 775 / 967 693 236 E-MAIL opropulsor@soemmm.pt COLABORADORES: Artur Simões, Eduardo Alves, José Bento, J. Trindade Pinto, Chincho Macedo e J.C. Lobato Ferreira. PAGINAÇÃO E DESIGN: Altodesign, Design Gráfico e Webdesign, lda Tel 218 035 747 / 912812834 E-MAIL geral@altodesign.pt Todos os artigos não assinados, publicados nesta edição, são da responsabilidade do Director e dos Editores. Imagens: Optidas na web

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Nesta perspectiva as guerras, como a que decorre nesta altura na Ucrânia ou na Síria ou na Palestina/Israel ou no Afeganistão e outras de diferente envergadura, mas também terríveis, não deviam estar a acontecer. As crianças, que mal fizeram elas que justifique o grande sofrimento a que são diariamente sujeitas. Se dos terramotos não conseguimos esquivar-nos, da guerra devíamos esforçar-nos para a impedir, porque nada de bom nos pode trazer. De todas as desgraças a que temos assistido há algumas, poucas, que afectam positivamente a nossa sensibilidade como é o caso da cena marcante do recém-nascido salvo ainda com o cordão umbilical ligado à mãe, que havia falecido na tragédia. A criança é a única sobrevivente de uma família em que todos os integrantes morreram quando seu prédio de quatro andares desabou. O Director Revista Técnica de Engenharia



AMBIENTE

Foto: © Luciano Casagranda, Bem com a Natureza /EEA

CLIMA, NATUREZA E AS PESSOAS: UM FUTURO PARTILHADO PARA O NOSSO PLANETA

As apostas nunca foram tão altas. O nosso planeta está a aquecer e a perder espécies a um ritmo alarmante. Duas conferências globais nos últimos dois meses trouxeram pessoas de todo o mundo à volta de um tema comum - clima e biodiversidade. Os desafios em ambas as áreas são sintomas do mesmo problema: a nossa produção e consumo insustentáveis. Apesar da complexidade das negociações, estas conferências são cruciais para a consciência global, o consenso e a acção urgente.

À

medida que 2022 se aproximava do fim, a atenção do mundo centrou-se num apelo à ação - precisamos de enfrentar urgentemente as alterações climáticas e de travar e reverter a perda de biodiversidade. As conversações globais sobre o clima, vulgarmente designadas por COPs climáticas (Conferência das Partes), reúnem representantes de países de todo o mundo para abordar e chegar a acordo sobre uma série de questões relacionadas com as alterações climáticas, incluindo a mitigação - como reduzir as emissões globais, a adaptação - ajudando os países a prepararem-se para um número crescente de impactos adversos

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das alterações climáticas, e finanças — quem paga o quê. No terreno, as COPs climáticas são frequentadas por cerca de trinta a quarenta mil participantes registados, incluindo líderes de mais de 100 países, dezenas de milhares de delegados, dezenas de milhares de observadores (tais como representantes da sociedade civil e da juventude) e milhares de jornalistas. O resultado das intensas negociações nas COPs é sempre um compromisso. No entanto, estas conversações ajudam a delinear uma visão e uma trajectória globais, onde todos os países e diferentes partes interessadas, incluindo os jovens e as comunidades indígenas, têm voz e podem alcançar públicos globais.

Da COP26 à COP27: um passo em frente? A COP do clima que se realizou em Glasgow (COP26), em 2021, tinha como objetivo colocar o mundo num caminho zero líquido até 2050 e manter os 1,5 graus de aquecimento ao alcance — primeiramente identificado pelo Acordo de Paris, no contexto da COP21 em 2015. Para atingir estes objetivos, os países concordaram, entre outros, numa série de decisões e ações que se baseiam no Acordo de Paris. Com o Pacto de Glasgow, a COP26 destacou a emergência, apelou à aceleração da ação, à eliminação progressiva da energia do carvão e à eliminação progressiva dos “ineficientes” subsídios Revista Técnica de Engenharia


AMBIENTE

aos combustíveis fósseis. O Pacto também apelou a um reforço do apoio à adaptação e à promessa de se centrar nas perdas e nos danos na conferência seguinte. Outros acordos e anúncios na COP26 foram feitos sobre florestas, metano, carros e finanças privadas. Apesar das suas insuficiências e compromissos, os progressos nas negociações foram tangíveis e mantiveram vivo o objectivo de 1,5 graus. Um ano depois, em Novembro, realizou-se a COP27 em Sharm el-Sheikh, Egipto, num contexto e realidade global completamente diferentes. Foi realizada no pano de fundo da guerra na Ucrânia, preços elevados da energia, com questões de segurança no aprovisionamento energético, elevadas taxas de inflação, impactos nos europeus no pós-pandemia, frágil economia e impactos catastróficos das alterações climáticas. O optimismo global de última hora de Glasgow não se verificou em Sharm el-Sheikh. Muitos, incluindo o Vice-Presidente da Comissão Europeia Franz Timmermans, concluíram que a necessidade de reduções urgentes e drásticas das emissões de gases com efeito de estufa não é acompanhada de medidas concretas e de compromissos expressos pelos países da COP27. Nas suas palavras, “nós estamos confrontados com um dilema moral. Porque este acordo não é suficiente para a mitigação”. Ao mesmo tempo, os países concordaram em criar um novo fundo para ajudar os países mais vulneráveis, afetados por perdas e danos devido aos impactos das alterações climáticas. As perguntas sobre quem vai pagar e quanto, quem beneficia e quem decide, permanecem abertas. Apesar do contexto atual, Timmermans reconfirmou a posição e o compromisso da UE em alcançar os seus objetivos em matéria de clima e ambiente, bem como o apoio continuado da UE aos mais vulneráveis. A nossa realidade actual torna ainda mais necessária a uma acção climática urgente e decisiva.

Biodiversidade COP15: O que está em jogo? Representantes de todo o mundo reuniram-se novamente em Dezembro, desta vez em Montreal, no Canadá, para Revista Técnica de Engenharia

chegar a acordo sobre a ação global para proteger a natureza. O mundo tem vindo a perder a sua diversidade biológica a um ritmo alarmante e o declínio está a acelerar. Cerca de um milhão de espécies enfrentam actualmente o perigo de extinção e muitos ecossistemas, vitais para o nosso planeta e o nosso bem-estar, estão à beira de danos irreversíveis. Para as gerações actuais e futuras, precisamos urgentemente de travar e reverter a perda de biodiversidade e restaurar as áreas naturais em todo o mundo e na Europa. A actual COP da biodiversidade, vulgarmente designada por COP15 (na sua 15ª reunião da Conferência das Partes na Convenção sobre a Diversidade Biológica), tem como objetivo a concretização de um quadro global de biodiversidade pós-2020. O quadro estabelece 21 metas, incluindo a meta de proteger 30% do nosso planeta até 2030. Reconhece também a necessidade de uma ação global urgente, mas também salienta a necessidade de transformar os nossos modelos económicos, sociais e financeiros, a fim de travar e inverter as tendências actuais. Concretamente, a acção passa por proteger e restaurar mais áreas terrestres e marinhas e abordar atividades insustentáveis em sectores-chave como a agricultura, a silvicultura e as pescas. Conseguir inverter as tendências dependerá do que fizermos no terreno. Por exemplo, os 30% a serem colocados sob proteção precisam de incluir os hotspots globais da biodiversidade. A forma como protegemos estas áreas também importa. Os sistemas de proteção devem permitir que a natureza recupere. Estas áreas também podem ser o nosso maior aliado na redução dos gases com efeito de estufa na atmosfera, servindo como sumidouros de carbono e para fazer face aos impactos negativos das alterações climáticas.

Combater o nosso uso de recursos Seja na COP climática ou na COP da biodiversidade, estamos a discutir o mesmo problema e a mesma solução. As alterações climáticas e a perda de

biodiversidade são dois sintomas da mesma doença. Nós, na Europa e no mundo, estamos a consumir mais recursos do que o nosso planeta pode fornecer. A forma como produzimos os bens e os serviços que consumimos estão a causar as alterações climáticas e a degradar o mundo natural. As recentes crises também lançaram luz sobre as desigualdades existentes e, infelizmente, crescentes, em termos de benefícios, por um lado, e os impactos para a saúde, as vulnerabilidades climáticas e os meios de subsistência em risco, por outro. Hoje, os custos das alterações climáticas e da degradação ambiental podem estar a afetar mais alguns de nós do que outros. Mas todos nós somos impactados e a longo prazo estes impactos irão crescer se não usarmos esta década fundamental que temos pela frente para inverter as tendências atuais. Estas COPs exortam-nos a tomar medidas ousadas e a mostrar solidariedade com toda a vida na Terra. Outro futuro é possível. Podemos ajustar e adoptar novos hábitos, construir novos sistemas. Juntos, podemos escrever outra história para o nosso planeta onde todos beneficiemos de uma natureza mais saudável e de um clima estável e onde consigamos minimizar os riscos e impactos. Em 2030, podemos estar um passo mais perto desse futuro. Hans Bruyninckx - Director Executivo da EEA Fevereiro 2023 - Digital 98

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AMBIENTE

QUAIS SÃO OS ASPECTOS SOCIAIS DA TRANSIÇÃO VERDE?

O

contributo dos intervenientes locais e da sociedade civil para a transição energética verde é de grande importância, tal como partilhado pelos membros do Comité Europeu das Regiões. Nesta nota, realizou-se no dia 13 de outubro, no Edifício Jacques Delors, o workshop “O contributo do ator local para a transição para a energia verde”. Discutindo por mais de hora e meia, os oradores sugeriram as formas de acelerar a transição, exortando a acções ousadas. Walburga Hemetsberger, CEO da SolarPower Europe, introduziu como os painéis solares são uma parte crucial da transição. “Os painéis solares podem ser instalados em dias, talvez algumas semanas”, disse, sublinhando que a União Europeia só precisa de tomar uma decisão ousada para que a transição seja rápida. Segundo Hemetsberger, a crise climática e energética é um tema muito sério que tem de ser abordado com urgência. Aprova também o mandato solar proposto pela Comissão Europeia, que já está em funções em algumas regiões. Esses painéis solares, mas também outros projetos poderiam ser financiados pelo Fundo de Transição Jus-

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ta. Apoiará as regiões europeias que dependem de combustíveis fósseis e indústrias de emissões elevadas na sua transição verde – como a região de Hornonitriansky, na Eslováquia, que se concentra principalmente na produção de colunas de fumos negros. Os projectos apoiados pelo Fundo de Transição Justa receberão investimentos – geralmente para pequenas e médias empresas, investigação e inovação, energias renováveis, redução de emissões, economia circular e requalificação dos trabalhadores. Joaquín Nieto, especialista na dimensão social das alterações climáticas e na transição justa, salientou que as ações necessárias, como o encerramento das minas de carvão, podem desencadear um conflito nas regiões locais, pelo que a transição deve ser feita com cuidado e com os olhos na dimensão social do problema. Acredita que as empresas que produzem energias renováveis podem ser úteis para mitigar as consequências da crise energética e climática: cerca de 500 000 novos postos de trabalho poderão ser criados até 2025. No entanto, é necessário investir para melhorar as competências dos trabalhadores.

A necessidade de transição energética verde foi mesmo salientada na sessão de encerramento da Semana Europeia das Regiões pela comissária para a Coesão e Reformas, Elisa Ferreira: “A crise climática é mais urgente do que nunca – vimos este verão os grandes incêndios que estavam a afetar a saúde e o bem-estar dos cidadãos europeus”. No entanto, alguns críticos dizem que os Fundos de Coesão não são suficientes. “Embora eu pense que os fundos de coesão da UE podem ajudar, eles certamente não são a solução por si só. A UE tem finalmente de parar o greenwashing, não só para cumprir os seus próprios objetivos climáticos, mas também para garantir que o financiamento ambiental e a proteção do clima seja efetivamente utilizado como deveria ser. Estou a pensar, por exemplo, na taxonomia em que o gás e a energia nuclear foram rotulados como ‘verdes’”, argumentou Juliane Gerbel, estudante de Estudos Ambientais e activista local da Eslováquia. “A nossa sociedade não pode continuar a ter o crescimento económico como o principal objetivo se quisermos alcançar a justiça climática. A proteção do clima não tem apenas a ver com a transição energética, tem de acompanhar a proteção da biodiversidade, a redução do consumismo, bem como outras medidas, como o combate a vários tipos de discriminação ou a retirada de produtos animais e a uma alimentação mais baseada em plantas”, acrescenta. A transição energética verde é uma das prioridades da UE para o período 2019-2024 e tem sido salientada no programa Green Deal. Deverá tornar as políticas de clima, energia, transportes e fiscalidade da UE adequadas para reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa em pelo menos 55% até 2030, em comparação com os níveis de 1990.

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GESTÃO/EMPREENDEDORISMO

DUAS ENGENHEIRAS DA FEUP DESENVOLVERAM UMA TECNOLOGIA QUE PERMITE EXTRAIR MAGNÉSIO DA SALMOURA RESULTANTE DA DESSALINIZAÇÃO

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sabido que um dos problemas da dessalinização da água do mar é a salmoura que resulta dessa operação. Mesmo conhecendo esse inconveniente há diversas situações em que dessalinizar é necessário mesmo, tendo-se de assumir o indesejado resultado. Muito se tem tentado para a resolução deste problema sem grandes avanços, até que, agora, duas engenheiras químicas da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) dizem ter desenvolvido uma nova tecnologia que permite retirar da salmoura vários minerais nela contidos, nomeadamente o magnésio. Eva Sousa e Sofia afirmam ter criado um método de valorização dos materiais presentes na salmoura –

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uma água extremamente salgada, e muitas vezes tóxica, que resulta de processos de dessalinização da água do mar. Por outras palavras, Eva e Sofia garantem ter transformado um problema numa solução. Através de uma “tecnologia inovadora”, as duas engenheiras químicas querem transformar um subproduto indesejado – a salmoura – numa fonte de minerais com valor económico. O magnésio é o primeiro no qual a dupla está a trabalhar, mas o processo também promete a valorização de hidróxido de cálcio e cloreto de sódio (sal de cozinha). O projecto destas cientistas nasceu nos laboratórios da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) e, há dois anos, deu ori-

gem a uma spin-off chamada SeaMoreTech. “Foi um desafio que nos foi lançado pelo professor Adélio Mendes”, explica ao PÚBLICO Eva Sousa, referindo-se ao investigador da FEUP muito conhecido por apoiar a transição de novas tecnologias para o tecido industrial. Numa altura em que Portugal continental pondera acolher uma (ou mais) unidades de dessalinização, a proposta de Eva e Sofia pode ser promissora. Isto, porque a salmoura é um resíduo do qual todos se querem ver livres, sendo visto como um mal necessário para quem precisa de transformar água salgada em potável. A salmoura é, aliás, uma das razões pelas quais a localização de uma nova central pode ser tão polémica.

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GESTÃO/EMPREENDEDORISMO

Um estudo das Nações Unidas, divulgado em 2019, indicava que as cerca de 16 mil unidades de dessalinização em funcionamento no planeta geram fluxos maiores do que o esperado de águas residuais com níveis de sal demasiado altos, isto sem falar nos agentes poluentes. O documento refere ainda que as unidades geram todos os dias cerca de 142 milhões de metros cúbicos de salmoura (50% a mais do que se pensava inicialmente).

Impacte na vida marinha Além de possuir uma altíssima concentração de sal (7%), a salmoura pode conter resíduos tóxicos resultantes da adição de desincrustantes e outros produtos químicos que ajudam a melhorar a eficiência do processo de dessalinização. Daí que o descarte destes efluentes, já diluídos, deva ser feito longe da costa, por forma a mitigar o impacto nos ecossistemas marinhos. “A salmoura também coloca problemas graves para a cadeia alimentar da fauna marinha”, observa Eva Sousa. Segundo as investigadoras, 10% a 15% dos custos de operação

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das dessalinizadoras estão ligados ao cumprimento de normas para a deposição desses resíduos. Se, no futuro, for possível dotar as unidades ibéricas desta tecnologia, a dupla acredita que haverá ganhos económicos e ambientais. Graças a um pequeno reactor – um cilindro do tamanho de uma embalagem de batatas fritas –, o processo de purificação da salmoura promove uma reorganização dos materiais. “Aquilo que entra não é aquilo que sai”, conta Eva Sousa. Uma mangueira fininha leva um líquido muito salgado, e rico em minerais, para o interior do cilindro. Após a passagem por uma membrana, sai uma água tão limpa que até se poderia beber. O segredo do sucesso gravita à volta do controlo do PH durante a operação. “A alcalinidade garante que seja possível uma diferença de concentrações à superfície das membranas. Esta condição é a força motriz para a separação do precursor de magnésio”, esclarece Eva Sousa. As investigadoras evitam dar mais pormenores, uma vez que a tecnologia ainda não está patenteada e a

negociação com um investidor está em curso.

Passar à fase semi-industrial A dupla de cientistas afirma que a fase de desenvolvimento da tecnologia já está concluída, faltando agora passar à fase semi-industrial. “Em fase laboratorial, o nosso objectivo tem sido testar 200 mililitros por minuto, o que equivale a 12 litros por hora de salmoura, o que nos dá um quilo de magnésio por dia”, esclarece Eva Sousa. Já na fase seguinte, a SeaMoreTech almeja uma produção de 30 quilos de sais de magnésio por hora. Para já, ficam separados apenas os precursores do magnésio. Se a salmoura também pode oferecer cálcio e sal, por que razão apostar só nas pedrinhas brancas? “Porque o magnésio é o mais fácil de separar”, esclarecem as investigadoras. No futuro, ponderam fazer a separação do hidróxido de cálcio e do cloreto de sódio (neste caso, teriam de alcançar um grau de pureza até 98%). “Seria uma vantagem em termos de processos, sobretudo se pensarmos que, nas salinas, são ne-

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cessários cerca de seis meses para a obtenção do sal”, refere Eva Sousa. Eva Sousa explica que a purificação da salmoura tem uma relevância não só económica e ambiental, mas também na área dos direitos humanos. “A extracção do magnésio é muito marcada por um trabalho altamente intensivo, sobretudo na China”, acrescenta Sofia Delgado. As duas referem que Pequim detém actualmente 90% da produção mundial deste elemento, recorrendo a um processo “muito ineficiente” denominado “Pidgeon”. As investigadoras explicam que seria “uma grande vantagem criar uma economia descentralizada”, na qual cada país pudesse obter em solo nacional o magnésio necessário à indústria. O uso do magnésio tem um peso importante no sector automóvel, sendo muito usado numa liga com alumínio. É este material que permite tornar os carros mais leves,

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uma característica especialmente importante nos carros eléctricos, por exemplo.

Integrar na produção de hidrogénio verde Tanto Eva como Sofia estão a trabalhar também na área do hidrogénio verde, estudando tecnologias para uma produção mais eficiente a partir da água do mar. Como a produção de hidrogénio verde exige grandes quantidades de água, a dupla considera a hipótese de a própria água resultante do processo de purificação da salmoura ser integrada na produção de hidrogénio verde. Isto é particularmente importante num país como Portugal, que enfrenta episódios frequentes de seca hidrológica. “O objectivo é que a nossa tecnologia seja uma integradora de processos. Numa unidade de dessalinização, cerca de 50% a 60% do total de água do mar captada é transformada

em salmoura (o restante em água potável). Isto quer dizer que, com a nossa tecnologia, podemos aumentar pelo menos 1,5 vezes a capacidade de produção de água numa central”, estima Eva Sousa. Tendo em conta que a produção de hidrogénio verde é vista, em Portugal, como um caminho para a descarbonização, as cientistas acreditam que a tecnologia que desenvolveram poderá contribuir para “não aumentar o stress hídrico no país”. Assim, se vamos ter muita produção deste combustível não fóssil, e se essas operações consomem muita água, novas formas de poupança e reaproveitamento terão de ser equacionadas. Esta, garantem, pode ser uma delas. “Tudo seria feito na mesma unidade – a dessalinização e a produção do hidrogénio verde –, à qual seria apenas necessário juntar o sistema de electrólise”, antevê Eva Sousa.

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INOVAÇÃO/TECNOLOGIAS

NOVAS TECNOLOGIAS QUE PODEM MUDAR O MUNDO

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os dias de hoje, quando estamos a pensar no futuro verificamos que já é passado tal é a rapidez com que as alterações se dão principalmente no que respeita a novas tecnologias. Mas com tantas actualizações tecnológicas a acontecer a toda a hora, é fácil perder de vista as incríveis formas como o mundo está a progredir. Há programas de inteligência artificial a escrever poemas a partir do zero e a fazer imagens a partir de nada mais do que um alerta de palavras, há olhos biónicos, hologramas massivos e alimentos feitos em laboratórios. A “Science Focus” reuniu as tecnologias futuras mais empolgantes. Estas tecnologias emergentes “irão mudar a forma como vivemos, como cuidamos dos nossos corpos e ajudar-nos-ão a evitar uma catástrofe climática”, realça a “Science Focus”.

Produtos lácteos feitos em laboratório Já ouviu falar de “carne” de cultura e de bifes Wagyu criados célula a célula num laboratório, mas e os outros alimentos de origem animal? Um nú-

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mero crescente de empresas de biotecnologia em todo o mundo está a investigar lacticínios produzidos em laboratório, incluindo leite, gelados, queijo e ovos. A indústria de lacticínios não é amiga do ambiente, nem sequer está perto. É responsável por 4% das emissões mundiais de carbono, mais do que as viagens aéreas e os transportes marítimos combinados, e a procura está a crescer para que um salpico mais verde seja derramado nas nossas chávenas de chá e tigelas de cereais. Em comparação com a carne, o leite não é de facto tão difícil de criar num laboratório. Em vez de o cultivar a partir de células estaminais, a maioria dos investigadores tenta produzi-lo num processo de fermentação, procurando produzir as proteínas do leite, soro de leite e caseína. Alguns produtos já estão no mercado nos EUA, de empresas como a Perfect Day, com um trabalho contínuo focado na reprodução da sensação bucal e dos benefícios nutricionais do leite de vaca normal. Além disso, os investigadores estão a trabalhar em mozzarella produzida em laboratório que derrete perfeita-

mente em cima de uma pizza, assim como outros queijos e gelados.

Aviões a hidrogénio

As emissões de carbono são uma enorme preocupação quando se trata de voos comerciais, mas existe uma solução potencial e esta tem recebido muito financiamento. Um projecto britânico de 15 milhões de libras esterlinas revelou planos para um avião movido a hidrogénio. Este projecto é conhecido como Fly Zero e está a ser conduzido pelo Instituto de Tecnologia Aeroespacial em conjunto com o governo do Reino Unido. O projecto apresentou um conceito para um avião de tamanho médio totalmente alimentado por hidrogénio líquido. Teria a capacidade de voar Revista Técnica de Engenharia


INOVAÇÃO/TECNOLOGIAS

com cerca de 279 passageiros em metade do mundo sem parar. Se esta tecnologia pudesse ser concretizada, poderia significar um voo sem emissões de carbono zero, sem paragens entre Londres e a América Ocidental ou Londres para a Nova Zelândia com uma única paragem.

Captura directa de ar

Através do processo de fotossíntese, as árvores têm permanecido como uma das melhores formas de reduzir os níveis de CO2 na atmosfera. No entanto, as novas tecnologias poderiam desempenhar o mesmo papel que as árvores, absorvendo dióxido de carbono a níveis mais elevados e ocupando ao mesmo tempo menos terra. Esta tecnologia é conhecida como Direct Air Capture (DAC). Implica retirar dióxido de carbono do ar e armazenar o CO2 em cavernas geológicas profundas debaixo do solo, ou utilizá-lo em combinação com hidrogénio para produzir combustíveis sintéticos. Embora esta tecnologia tenha um grande potencial, tem muitas complicações neste momento. Existem agora instalações de captação directa de ar em funcionamento, mas os modelos actuais requerem uma enorme quantidade de energia para funcionar. Se os níveis de energia puderem ser reduzidos no futuro, o DAC poderia revelar-se um dos melhores avanços tecnológicos para o futuro do ambiente.

de dióxido de carbono na atmosfera, por exemplo. Então, qual é o caminho mais verde a seguir? No Estado de Washington, nos EUA, poderia ser compostado. Os corpos são colocados em câmaras com casca, solo, palha e outros compostos que promovem a decomposição natural. No prazo de 30 dias, o seu corpo é reduzido a terra que pode ser devolvida a um jardim ou bosque. Recompose, a empresa por detrás do processo, afirma que utiliza um oitavo do dióxido de carbono de uma cremação. Uma tecnologia alternativa utiliza fungos. Em 2019, o falecido Actor Luke Perry foi enterrado num “fato de cogumelo” concebido por uma start-up chamada Coeio. A empresa diz que o seu fato foi feito com cogumelos e outros microrganismos que ajudam à decomposição e neutralizam as toxinas que são realizadas quando um corpo normalmente se decompõe. A maioria das formas alternativas de eliminação dos nossos corpos após a morte não se baseiam em novas tecnologias; estão apenas à espera da aceitação por parte da sociedade para recuperar o atraso. Outro exemplo é a hidrólise alcalina, que envolve a decomposição do corpo nos seus componentes químicos durante um processo de seis horas numa câmara pressurizada. É legal em vários estados dos EUA e utiliza menos emissões em comparação com os métodos mais tradicionais.

Baterias para automóveis que carregam em 10 minutos

Funerais verdes A vida sustentável está a tornar-se uma prioridade perante a crise climática, mas e a morte ecológica? A morte tende a ser um processo pesado em termos de carbono, um último selo da nossa pegada ecológica. A cremação média liberta alegadamente 400kg Revista Técnica de Engenharia

O carregamento rápido de veículos eléctricos é visto como a chave para a sua aceitação, para que os motoristas possam parar numa estação de serviço e carregar totalmente o seu carro

no tempo que leva para tomar um café e usar a casa de banho – não tomando mais tempo do que uma pausa convencional. Mas o carregamento rápido das baterias de iões de lítio pode degradar as baterias, dizem os investigadores da Penn State University nos EUA. Isto porque o fluxo de partículas de lítio conhecidas como iões de um eléctrodo a outro para carregar a unidade e manter a energia pronta a ser utilizada não acontece suavemente com o carregamento rápido a temperaturas mais baixas. Contudo, descobriram agora que se as baterias pudessem aquecer a 60°C durante apenas 10 minutos e depois arrefecer rapidamente de novo à temperatura ambiente, não se formariam picos de lítio e evitar-se-iam danos causados pelo calor. A concepção da bateria que eles conceberam é de auto-aquecimento, utilizando uma fina folha de níquel que cria um circuito eléctrico que aquece em menos de 30 segundos para aquecer o interior da bateria. O arrefecimento rápido que seria necessário após a carga da bateria seria feito utilizando o sistema de arrefecimento concebido para dentro do carro. O seu estudo, publicado na revista Joule, mostrou que poderiam carregar completamente um veículo eléctrico em 10 minutos.

“Betão vivo” Os cientistas desenvolveram aquilo a que chamam “betão vivo”, utilizando areia, gel e bactérias. Os investigadores disseram que este material de construção tem uma função estrutural portadora de carga, é capaz de se auto-regenerar e é mais amigo do ambiente do que o betão – que é o segundo material mais consumido na Terra a seguir à água. A equipa da Universidade do Colorado Boulder acredita que o seu trabalho prepara o caminho para futuras estruturas de construção que poderiam “curar as suas próprias fissuras, sugar toxinas perigosas do ar ou mesmo brilhar sob comando”. Fevereiro 2023 - Digital 98

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INOVAÇÃO/TECNOLOGIAS

Baterias de areia Nem todas as tecnologias que melhoram o nosso futuro têm de ser complicadas, algumas são simples, mas extremamente eficazes. Uma deste tipo de tecnologias veio de alguns engenheiros finlandeses que encontraram uma forma de transformar areia numa bateria gigante. Estes engenheiros empilharam 100 toneladas de areia num contentor de aço de 4 x 7 metros. Toda esta areia foi depois aquecida utilizando energia eólica e solar. Este calor pode então ser distribuído por uma empresa de energia local para fornecer calor a edifícios em áreas próximas. A energia pode ser armazenada desta forma por longos períodos. Tudo isto ocorre através de um conceito conhecido como aquecimento resistivo. É aqui que um material é aquecido pela fricção das correntes eléctricas. A areia e qualquer outro condutor não supercondutor são aquecidos pela electricidade que passa através deles gerando calor que pode ser utilizado para energia.

Luvas subaquáticas

Muitos desenvolvimentos tecnológicos resultaram da cópia dos atributos dos animais, e as “luvas octa” não são excepção. Os investigadores da Virginia Tech criaram luvas submarinas que imitam as capacidades de sucção de um polvo para uma mão humana. A equipa por detrás destas luvas reimaginou a forma como os ventosas de um polvo trabalham. Este desenho foi criado para desempenhar a mesma função que as referidas ventosas,

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activando uma ligação a objectos com uma ligeira pressão. Através da utilização destas ventosas e de um conjunto de micro sensores, as ventosas nas luvas são capazes de apertar e soltar para agarrar objectos debaixo de água sem aplicar uma força de esmagamento. Isto poderá ser utilizado no futuro para mergulhadores de resgate, arqueólogos subaquáticos, engenheiros de pontes, equipas de salvamento e outros campos semelhantes.

Afogar os fogos florestais com som

Roupas que podem ouvir A tecnologia vestível tem vindo a dar saltos ao longo dos anos, acrescentando novas funcionalidades aos acessórios e roupas que usamos no dia a dia. Uma via promissora envolve dar ouvidos à roupa, ou pelo menos a mesma capacidade que um ouvido. Os investigadores do MIT criaram um tecido capaz de detectar um batimento cardíaco, pancadas de mão ou mesmo sons muito fracos. A equipa sugeriu que isto poderia ser usado como tecnologia para cegos, usado em edifícios para detectar fendas ou estirpes, ou mesmo tecido em redes de pesca para detectar o som dos peixes. Por enquanto, o material utilizado é espesso e um trabalho em curso, mas eles esperam estendê-lo para uso do consumidor ao longo dos próximos anos.

Os incêndios florestais poderiam um dia ser resolvidos por zangões que dirigiriam ruídos estrondosos para as árvores abaixo. Como o som é constituído por ondas de pressão, pode ser utilizado para perturbar o ar que envolve um incêndio, essencialmente cortando o fornecimento de oxigénio ao combustível. Na frequência certa, o fogo simplesmente extingue-se, como os investigadores da Universidade George Mason na Virgínia demonstraram recentemente com o seu extintor sónico. Aparentemente, as frequências graves funcionam melhor.

Protótipos de tecidos que ouvem, testados pelos investigadores. [Imagem: Wei Yan]

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MAR

A QUEM PERTENCE O MAR?

Mare clausum Será que se pode falar em soberania sobre as águas, do mesmo modo que se usa este conceito para os espaços terrestres?

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s primeiros estudos e pareceres favoráveis a um exercício de soberania sobre espaços marítimos, similar à praticada nos espaços terrestres, surgem nos tempos do Império Romano. Naquela época, diversos jurisconsultos apresentam argumentação justificativa do domínio de Roma sobre os mares frequentados pelos seus navios. Na Idade Média a questão foi retomada por Génova e Veneza que pretendiam direitos de soberania sobre os mares Ligúrico e Adriático, respectivamente. O mesmo se passou no Norte da Europa, em Inglaterra e na Noruega. No entanto, em todas as situações mencionadas apenas se reivindicava uma ampliação da soberania para Revista Técnica de Engenharia

uma faixa de água contígua ao estado ribeirinho, considerando sempre que no alto-mar existia plena liberdade de navegação. Quando se iniciou a expansão ibérica a situação alterou-se. Conforme iam descobrindo terras cada vez mais a Sul, ao longo da costa ocidental de África, os portugueses começaram a reivindicar para si o exclusivo de navegação e exploração daquelas águas. Por um lado, assistimos a proibições de âmbito interno, aplicáveis só aos súbditos do Rei de Portugal. Nestas foi vedada, em 1443, a navegação para sul do Bojador, e em 1446, a navegação para as Canárias, sem licença do Infante D. Henrique. O principal argumento para defender

estas restrições era a prioridade do Infante na decisão de enviar navios para explorar aquelas águas. O facto de ter o exclusivo das navegações era entendido como uma espécie de compensação pelos encargos que a empresa implicava. Esses mesmos argumentos, prioridade e compensação dos encargos, foram utilizados para tentar impedir estrangeiros de navegarem nos mares descobertos pelos Portugueses. Mas para conseguir garantir essa proibição não bastavam as Cartas Régias promulgadas pelo monarca português. Tornava-se necessário que a proibição se encontrasse expressa em legislação aceite pela generalidade dos monarcas europeus. Fevereiro 2023 - Digital 98

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Mar MAR

O Sumo Pontífice, como autoridade suprema da Cristandade, reconheceu estes direitos de exclusividade da navegação e domínio dos mares, por meio de diversas bulas, como por exemplo a Romanus pontifex de 1456. Com base neste reconhecimento, D. Afonso V promulgou a lei de 31 de Agosto de 1474, na qual enuncia as penas a que se encontravam sujeitos todos aqueles que se atrevessem a navegar nos mares recém-descobertos pelos navios de Portugal. Nesse mesmo ano de 1474 faleceu Henrique IV de Castela. D. Afonso V decidiu intervir na questão da sucessão daquele monarca, defendendo a sua sobrinha, D. Joana, cujos direitos à sucessão eram contestados pelos partidários da irmã do falecido, D. Isabel. Os resultados da intervenção militar de D. Afonso V foram desastrosos. Esta guerra contra Castela estendeu-se também ao mar, sendo cada vez maior o número de navios de Castela e Aragão que se atreviam a navegar para Sul do Bojador, desrespeitando nitidamente as restrições impostas pelo monarca português. As negociações para resolver o litígio entre Castela e Portugal foram conduzidas pelo filho de D. Afonso V, o futuro rei D. João II. Tendo conduzido habilmente o processo negocial, D. João conseguiu o reconhecimento de uma série de direitos, que ficaram expressos no tratado assinado em 1479, em Alcáçovas, e ratificado, pelos Reis Católicos, no ano seguinte em Toledo. Os direitos de navegação no Atlântico foram divididos entre os dois reinos. A linha divisória seria um paralelo que passava pelas Canárias. Estas ilhas ficavam definitivamente sob soberania castelhana, ficando também Castela com os direitos de navegação para Norte do paralelo mencionado. Para Portugal ficava a exclusividade da navegação para Sul, bem como os direitos sobre os Açores, a Madeira e as conquistas no reino de Fez. Em 1491, o tratado foi “homologado” pelo Papa. Em 1494, pelo Tratado de Tordesi-

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lhas, os mesmos monarcas assinam uma nova repartição das respectivas áreas de influência no Atlântico, definidas agora por meio de um meridiano que passava 370 léguas a Oeste das ilhas de Cabo Verde. Mais uma vez, a autoridade do Sumo Pontífice validava este acordo, que dividia o então chamado Mar Oceano em duas grandes áreas de navegação exclusiva: uma portuguesa e uma castelhana. Apesar deste reconhecimento por parte da autoridade máxima da Europa cristã, a aceitação desta partição não foi pacífica. Ficou célebre o pedido do rei Francisco I de França para que lhe mostrassem a cláusula do Testamento de Adão que o excluía desta “partilha do mundo”. A divisão imposta pelo Tratado de Tordesilhas constituía um obstáculo aos desejos de expansão por parte das novas potências marítimas que iam surgindo: França, Inglaterra e Holanda. Os ataques, por corsários dessas potências, à navegação portuguesa e espanhola eram cada vez mais frequentes, apesar de em termos de ordenamento jurídico internacional continuar a vigorar a doutrina do Mare Clausum definida em Tordesilhas. No início do século XVII, a situação vai-se modificar radicalmente. Em 1603 navios holandeses, da Companhia das Índias Orientais, aprisionaram a nau portuguesa “Santa Catarina”, com uma carga preciosíssima. Os accionistas da companhia tiveram dúvidas sobre a legalidade desta apreensão, uma vez que as relações de Portugal com a Holanda sempre se tinham pautado por um clima de amizade. Pediram então um parecer, sobre esta questão, a um jovem advogado chamado Hugo Grócio, que redigiu um texto intitulado De jure praedae. Embora este parecer tenha ficado inédito até 1868, foi logo publicado em 1608 o seu capítulo XII, intitulado Mare Liberum. Neste é defendida a liberdade de navegação no alto-mar a navios de todas as nações. Grócio contesta a autoridade suprema do Papa, defendendo que o direito internacional é um assunto entre

Estados soberanos entre si, desfazendo assim o antigo ideal da res publica christiana. A posição de Grócio vai ser contestada pelo padre Serafim de Freitas que na sua obra De Iusto Imperio Lusitanorum Asiático vai rebater, um a um, os argumentos do holandês. Apesar da magnífica argumentação do clérigo português a conjuntura internacional exigia o fim da política do Mare Clausum. A liberdade dos mares era uma condição essencial para o desenvolvimento do comércio marítimo internacional. António Costa Canas

Actualmente é diferente Desde 1994, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), também conhecida por Convenção de Montego Bay, passou a regular todas as questões relacionadas com a soberania dos mares. Essa Convenção aprovada em 1982, com a subscrição também de Portugal, só viria a entrar em vigor em 1994, tendo sido ratificada pala nossa Assembleia da República em 1987 através da Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97. Quanto à questão que titula este texto a Convenção estabelece as seguintes zonas de influência: mar territorial, zona contígua, zona económica exclusiva, alto mar, área e plataforma continental. Mar territorial: zona do mar em que o Estado costeiro exerce soberania sobre o leito do mar, subsolo marinho e pleno controlo sobre a massa de água e espaço aéreo sobrejacente. Os navios militares e de Estado gozam de imunidade e todos os demais estão sujeitos à jurisdição do Estado costeiro, gozando, todavia, do direito de passagem inocente, definida por ser contínua, ordeira e rápida, de acordo com regras de segurança e protecção ambiental que o Estado costeiro define. A dimensão da área do mar territorial é da responsabilidade do país costeiro e pode ir até às doze milhas. Revista Técnica de Engenharia


re clausum MAR

Zona Contígua: a zona contígua estende-se a partir do limite exterior do mar territorial até às 24 milhas náuticas, medidas a partir das linhas base. De acordo com o artigo 33.º da CNUDM, o Estado costeiro exerce, nesta zona, a jurisdição que estabeleceu para o território nacional e mar territorial, prevenindo e combatendo a criminalidade. A Zona Contígua já se encontra integrada na zona económica exclusiva (ZEE, descrita abaixo) e, como tal, já não integra o Domínio Público Marítimo. Zona Económica Exclusiva (ZEE):

Zona Económica Exclusiva

Esta zona marítima, adjacente ao mar territorial, não poderá ultrapassar as 200 milhas náuticas, contadas a partir das linhas de base. A ZEE inclui a zona contígua. Na ZEE, os Estados costeiros, exercem a sua soberania e jurisdição nos termos previstos na CNUDM, detendo o direito a explorar, gerir e conservar os recursos naturais aí existentes, vivos e não vivos, das águas sobrejacentes ao leito do mar, do leito do mar e seu subsolo, incluindo a exploração e aproveitamento dos recursos energéticos renováveis, a partir do vento, das ondas e das correntes marinhas. Os Estados costeiros podem, assim na ZEE, autorizar, construir e regular a construção de infraestruturas para aproveitamento dos recursos naturais, incluindo a possibilidade de instalação de ilhas artificiais. Podem definir zonas de segurança, regra geral até ao máximo de 500 m a partir dos limites dessas infraestruturas que, devem ser observadas pelos navios em trânsito. A ZEE Revista Técnica de Engenharia

portuguesa compreende 3 subáreas: subárea do continente (287 521 km2), subárea dos Açores (930 687 km2) e subárea da Madeira (442 248 km2). Alto Mar: considera-se alto mar as águas sobre as quais já não existe soberania ou jurisdição exercida pelo estado costeiro. No geral isso acontece após o limite exterior da Zona Económica Exclusiva, situado nas 200 milhas náuticas. O “Alto Mar” tem o estatuto de “res communis” e como tal aberto à utilização por parte de qualquer Estado, se observadas as regras destinadas à garantia dos princípios do respeito e bem comum. “Área”: significa o leito do mar, os fundos marinhos e o seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional. A “Área” é o conceito homólogo ao “Alto Mar” no que diz respeito ao solo e subsolo marinho. Como tal inicia-se no limite exterior da plataforma continental onde cessa a soberania sob os fundos marinhos por parte do Estado Costeiro. Esta área é gerida por um importante organismo criado pela CNUDM: a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, a quem compete gerir a exploração dos mesmos, mais uma vez à luz dos princípios do bem comum e da exploração sustentável com distribuição justa dos recursos. Plataforma Continental: a plataforma continental geológica diz respeito à porção do leito e subsolo das áreas submarinas que, com início na linha de costa, se estendem em declive suave até uma profundidade média algures entre os 200 e os 300 m, na transição com o talude continental. O conceito jurídico de plataforma continental ficou expresso na CNUDM, nomeadamente no n.º 1 do artigo 76.º da Convenção, segundo o qual, a plataforma continental de um Estado costeiro “(...) compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda

Plataforma Continental Portuguesa

a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância”. No entanto, e nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da Convenção, o Estado costeiro poderá estabelecer o limite exterior da sua plataforma continental para além das 200 milhas náuticas de acordo com critérios científicos. Considerando essa definição e as nossas características Portugal submeteu, em 2009, na Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) a demarcação dos limites exteriores da sua plataforma continental para além das 200 milhas náuticas. A plataforma continental exterior foi submetida considerando três regiões: a região oriental, compreendendo a extensão da plataforma relativa ao arquipélago da Madeira e Continente, a região ocidental, compreendendo a extensão relativa ao arquipélago dos Açores e a região do Banco da Galiza que é uma área de interesse comum entre Portugal Espanha, ainda não dividida por acordo bilateral. O Estado costeiro exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais, sendo os mesmos exclusivos, no sentido de que, se o Estado costeiro não explora a plataforma continental ou não aproveita os recursos naturais da mesma, ninguém pode empreender estas actividades sem o seu expresso consentimento. Fevereiro 2023 - Digital 98

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CHATBOT DA OPENAI (ChatGPT) ATÉ COMPÕE MÚSICA

O mais recente chatbot da OpenAI domina diversos assuntos, fala várias línguas, compõe música, programa e até fabrica notícias falsas, levantando questões sobre o futuro da inteligência artificial.

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ChatGPT, um popular chatbot de inteligência artificial, é cada vez mais usado como um parceiro de conversa e fonte de informação. No entanto, vários especialistas alertam para os perigos de um chatbot que pode ser usado para espalhar desinformação e perturbar normas sociais. O parágrafo acima foi escrito pelo ChatGPT, o mais recente “robô de conversa” do laboratório de inteligência artificial OpenAI, co-fundado por Elon Musk, que foi lançado no final de Novembro e é capaz de rimar, delinear notícias em várias línguas, compor músicas e até programar. Como o próprio programa sugere (na versão actualizada a 15 de Dezembro), o seu uso levanta questões sobre um futuro em que sistemas de inteligência artificial escrevem como humanos. “Se for devidamente treinado, um chatbot com esta aparência de realis-

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mo conversacional poderá ser utilizado para manipular pessoas”, alerta o advogado João Marques Martins, que dá aulas sobre inteligência artificial e legislação na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. “O maior perigo [destes sistemas] é a criação da percepção no interlocutor humano de que as respostas às questões colocadas são sempre fiáveis ou adequadas”, explica o docente. “O risco adensa-se se a pergunta pedir uma resposta opinativa ou perlocucionária, dado que o ChatGPT não se coíbe de dar conselhos.” Quando se pede ao ChatGPT dicas sobre dores de garganta ou dores nas articulações, o sistema é rápido a compilar listas de sugestões e remédios caseiros. Contrariamente a um motor de busca, em que é possível escolher informação de fontes fidedignas como um hospital, não há qualquer referência sobre a origem do conteúdo.

A desinformação – proposital ou acidental – está no topo da lista das preocupações do cientista Gary Marcus, especialista em linguagem e co-autor do livro Rebooting AI. “Como estes sistemas não incluem mecanismos de verificação daquilo que dizem, podem ser facilmente automatizados para gerar desinformação a uma escala sem precedentes”, escreveu num artigo de opinião publicado na revista Scientific American.

Notícias inventadas O receio de Marcus não é rebuscado. Em 2019, a equipa da OpenAI lançou um modelo de linguagem – o GPT-2 – especificamente capaz de inventar notícias sem qualquer base factual. Num dos exemplos produzidos, o Secretário de Energia dos EUA falava de um roubo inventado de material nuclear. A missão da OpenAI era alertar os governos para a existência da tecnolo-

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gia e a importância de criar iniciativas para monitorizar programas de inteligência artificial. Três anos mais tarde, a União Europeia continua a trabalhar numa proposta de legislação sobre o tema (das primeiras no mundo), mas a tecnologia já avançou muito mais. Antes, o ChatGPT não se conseguia focar num só tema e apenas dominava o inglês, agora já não perde o fio à meada e fala várias línguas, incluindo português. É capaz de programar em JavaScript e Python. O programa, recentemente divulgado, funciona graças ao mais recente modelo de linguagem da OpenAI (o GPT-3.5) treinado com extensas bases de dados que incluem páginas da Wikipédia, livros gratuitos, publicações nas redes sociais e comentários de dezenas de revisores humanos que identificam respostas erradas ou problemáticas (por exemplo, linguagem racista). O chatbot recorre a bibliotecas de sinónimos, considera o contexto da pergunta e aprende com as conversas anteriores. Quanto mais dados acumula, melhor se torna.

O lado bom dos bots Este tipo de sistemas traz muitas vantagens. “A capacidade de produzir texto e código sob comando significa que as pessoas vão ser capazes de produzir mais trabalho, mais rapidamente do que nunca”, adianta Ethan Mollick, um professor de gestão na universidade da Pensilvânia, num artigo para a Harvard Business Review sobre o ChatGPT. “[O chatbot] é útil para muitos tipos de negócios.” É um dos motivos que leva a OpenAI a atrair cada vez mais investidores. Fontes contactadas pela Reuters notam que a organização espera atingir mil milhões de dólares (mais de 943 milhões de euros) em receitas até ao final de 2024, com a Microsoft entre as maiores financiadoras. Apesar da fama do sistema da OpenAI, várias empresas estão a trabalhar em projectos semelhantes. Há mais de dez anos que a IBM se foca no Watson, uma plataforma que depende de processamento de linguagem na-

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tural para compreender e responder a perguntas de utilizadores; a empresa criou a Miss Debater especificamente para participar em debates. O site de perguntas e respostas Quora lançou recentemente uma ferramenta de inteligência artificial chamada Poe para o sistema operativo iOS, capaz de rimar e manter conversas mais prolongadas. Há quem já use estes modelos para escrever livros. É o caso do autor de ficção científica Chen Qiufan. “Acho que me ajudam a pensar fora da caixa, a explorar novas ideias”, partilha com o PÚBLICO. “Estes algoritmos não são perfeitos, mas estão cada vez melhores porque são treinados com cada vez mais dados. E essa é a magia da aprendizagem profunda, do chamado deep learning, que é a capacidade dos algoritmos aprenderem e se tornarem cada vez melhores através dos dados que vão acumulando.” Ao nível da cibersegurança, sistemas com o modelo de linguagem do ChatGPT podem acelerar auditorias e rever código reduzindo o número de vulnerabilidades que existem escondidas em programas informáticos. “Era um enorme contributo à luta contra os ataques de cibersegurança”, defende Mónica Oravcova, co-fundadora e directora de operações da empresa de

cibersegurança Naoris Protocol, em conversa com o PÚBLICO. “Enquanto motores de busca podem mostrar artigos sobre como resolver um problema com código, o ChatGPT pode escrever o código”, explica Oravcova. “O código pode ser usado para fins maliciosos, ou pode ser usado para fins de protecção”, reconhece a especialista “É tudo sobre as intenções do utilizador.” Por exemplo, o ChatGPT continua a poder ser usado para fabricar notícias. Quando se pede ao chatbot para escrever um texto noticioso sobre problemas com vacinas, o sistema inventa uma narrativa do zero em torno da covid-19. “Nos últimos dias, tem havido crescente preocupação com possíveis problemas com algumas das vacinas covid-19 disponíveis no mercado. De acordo com fontes oficiais, alguns lotes da vacina da empresa XYZ foram retirados do mercado depois que foi descoberto que estavam contaminados com uma bactéria perigosa,” escreve o ChatGPT. O sistema também é capaz de delinear, em detalhe, os passos num ataque de phishing – uma táctica de engenharia social em que se tenta convencer alguém a fornecer credenciais e dados pessoais por engano. O ChatGPT abs-

O que é um chatbot? Um chatbot é um software capaz de manter uma conversa com um utilizador humano em linguagem natural, por meio de aplicações de mensagens, sites, e outras plataformas digitais. São sistemas que usam uma interface conversacional para entregar um produto, serviço ou experiência. Também podem aparecer com nomes como: bots, aplicações conversacionais, business chat ou, no caso de chatbots construídos segundo a metodologia e padrão Take Blip, Contacto Inteligente. Na actividade comercial um chatbot é uma ferramenta para conversar com o seu cliente em linguagem natural por meio de aplicações de mensagens, sites e outras plataformas digitais. Ele pode responder por directrizes pré-programadas ou inteligência artificial. Um chatbot pode optimizar o atendimento ao cliente, campanhas de marketing e até mesmo a venda de produtos. Uma das características mais importantes é a possibilidade de incluir Inteligência Artificial.

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tém-se de criar o conteúdo do ataque porque “não foi programado para participar em actividades ilegais”.

Filtros e leis “[O ChatGPT] é bom suficiente em algumas coisas para criar uma impressão enganosa de grandeza”, resume o co-fundador e presidente executivo da Open AI, Sam Altman, na rede social Twitter. “Temos muito trabalho pela frente ao nível da robustez e da veracidade”, e continua “É um erro depender dele para qualquer coisa importante.” As advertências de Altman não bastam. No começo de Dezembro de 2022, o Stack Overflow, um site de perguntas e respostas para programadores, proibiu temporariamente os utilizadores de partilhar respostas geradas pelo ChatGPT depois de a plataforma ter sido inundada por respostas duvidosas que pareciam legítimas. Nas redes sociais, alguns professores falam sobre alunos a utilizar o sistema – capaz de opinar sobre grandes obras literárias – para falsificar ensaios e trabalhos de casa ou estudar. “A faculdade como a conhecemos vai deixar de existir”, sugeriu o físico Peter Wang no Twitter depois de uma conversa de 20 minutos com o ChatGPT sobre a história da física moderna.” Com isto, começa-se a discutir a criação de sistemas que detectem produções artificiais. A blockchain, que é a

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tecnologia em que assentam as criptomoedas, pode ajudar porque os registos nestas bases de dados não podem ser alterados e são públicos (todas as pessoas os podem ver). “É possível que os avanços nas tecnologias de identidade e de bases de dados online, incluindo a blockchain, possam evoluir para satisfazer algumas das novas necessidades de autenticação do conteúdo online”, partilha com o PÚBLICO Lisa McClory, membro do comité de tecnologia e legislação da Law Society, uma associação que representa os interesses dos advogados no Reino Unido, e se tem debruçado sobre este tema. “Outras novas tecnologias de filtração ou de protecção podem ser desenvolvidas no futuro”, acrescenta. “Mais eficaz seria uma ferramenta que comparasse o texto apresentado como trabalho académico com o acervo de respostas registadas no ChatGPT. Neste caso, a coincidência indicaria a fraude”, propõe, no entanto, o advogado João Marques Martins. Há também a possibilidade de definir áreas que não podem recorrer a informação de sistemas de inteligência artificial. Segundo o Artigo 5º da proposta do Parlamento e do Conselho Europeu para a inteligência artificial, será proibido criar ou usar sistemas inteligentes que avaliem a credibilidade social de outras pessoas, ma-

nipulem grupos vulneráveis ou sejam criados para influenciar o comportamento e as emoções das pessoas. A lei, porém, não chega aos grupos com más intenções. “A regulação vai desempenhar um papel fulcral na adopção deste tipo de sistemas de inteligência artificial, mas pode sempre ser contornada”, defende Mónica Oravcova da Naoris Protocol lembrando que a regulação é lenta comparativamente com uma área de “rápida mudança” e que é reactiva. A conclusão do ChatGPT sobre os problemas que a tecnologia levanta é mais simples: “É importante lembrar que o ChatGPT é capaz de gerar textos muito semelhantes aos que são escritos por humanos, por isso detectar se um texto foi escrito [pelo sistema] pode ser difícil”, escreve o programa. A solução? “Verificar a precisão das informações independentemente de quem as tenha produzido.” Quanto à capacidade de algoritmos substituírem artistas, o autor Chen Qiufan lembra que “há algo que vai sempre faltar” – o contexto humano. “A forma como pensamos e formamos ideias depende muito da nossa história, do nosso contexto, daquilo que vivemos na infância”, salienta Chen. “Isso é parte da criatividade humana e não pode ser simulado por máquinas.”

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