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É de morte!

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FLÁVIA SAVARY

1ª . edição São Paulo – 2014

Copyright © Flávia Savary, 2014

Todos os direitos reservados à EDITORA FTD S.A.

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Flávia Savary formou-se em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalha com literatura infantojuvenil há mais de 30 anos, tendo recebido diversos prêmios literários. Poemas, crônicas, contos, peças teatrais e esquetes de sua autoria foram publicados em cerca de 50 antologias.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Savary, Flávia

É de morte! / Flávia Savary. – 1. ed. –

São Paulo : FTD, 2014.

ISBN 978-85-322-9305-3

1. Contos – Literatura juvenil I. Título.

14-03890

CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Contos : Literatura juvenil 028.5

Apresentação

Entre a vida e a morte

8

10

16

O encontro Arranjos e combinações Kid Jonas

22

32

A estrangeira absoluta

40

64

74

Natureza morta Entre nós

86

Mil e uma noites e algumas segundas-feiras

96

104

Omushí O afogado

110

Obituarista de brinquedo

Apresentação

Éde morte! é um livro sobre... a vida. Melhor dizendo, a vida e o que fazer com ela antes do ponto final. Vou logo avisando que, nessas páginas, ninguém achará receitas de autoajuda. Já diz o ditado popular que se conselho fosse bom, não se dava, vendia-se. Não concordo inteiramente com a frase, uma vez que nem tudo o que se compra (ou se vende) presta... Enfim, conselho dá-se e, igual ao medo, tem-se. Cada qual escolha o que fazer com ambos.

Confesso que, para mim, é embaraçoso abordar um tema que, tão logo abracei a literatura como profissão, determinei que nenhuma personagem minha conheceria. Vai nessa! Já nos primeiros textos, “a indesejada das gentes” apresentou-se como ela se apresenta na vida, ou seja, sem aviso prévio.

Cabe a nota fundamental dessa modesta introdução, pois a morte, presente em cada conto ou crônica do livro, presta-se, na verdade, como pano de fundo. Feito a aranha em sua teia, em que o que nos interessa é a teia, não a aranha.

Em outras palavras, convido o leitor a fixar o olhar no entorno, nos desdobramentos e ecos que a morte produz nas personagens – e no próprio leitor. Não cabe à morte a palavra final que, por direito, pertence à vida. É a vida que nos interessa.

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Como lidar com a morte, então? Bom, já que ela é inevitável, o que nos cabe é viver com o máximo de plenitude possível. Eis onde podemos (e devemos) apitar.

A vida não vem embrulhada feito presente que se abre, usa-se e depois se guarda no armário (de preferência, com bolinhas de naftalina para não dar mofo).

Nem é um pacote, igual a tantos por aí, que nos fazem descer goela abaixo. Nada disso: a vida propõe e a gente dispõe.

A vida tampouco vem acompanhada de manual com 10 251 páginas, satisfação garantida ou seu dinheiro de volta. Pode esquecer: a vida é à vera, não tem CRTL+Z, nem Undo! Com ela não tem negócio, é tudo pra já ou já era.

Portanto, caro leitor, há de encará-la olho no olho. Simples (e complicado) assim!

Pesada ou leve, dolorosa ou festiva, ou tudo misturado – o mais comum de acontecer –, apesar de compulsória, a vida é também um irresistível convite à aventura. Aproveitá-la da melhor maneira possível, driblando trânsito, dor de barriga, dúvida, medo e a dificílima resposta à questão “o que vou ser quando crescer?”, além dos demais desafios que ela apresenta vida afora, é questão de arte, talento e ralação.

Em geral, temos tempo suficiente para o ensaio. Errou a fala, o compasso, o passo e caiu, tem nada não. Faça como na canção: “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Porque a vida, queridos amigos e amigas, a vida segue em frente. E a vida... É DE MORTE!

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Entre

a vida e a morte

MORTE , ÁRBITRO EQUÂNIME DE TODAS AS MISÉRIAS HUMANAS.

William Shakespeare (1564-1616), dramaturgo inglês

Quando a família de Rodriguinho recebeu a notícia de que ele estava às portas da morte, foi um deus nos acuda! A mãe, num desatino, atirava pratos e potes pela janela e só a pulso do senhor seu marido sossegou. Este, a horas mortas, sentava-se à cabeceira da mesa, os punhos cerrados, cenho franzido, ar de quem tramava vingança. A irmã mais velha, Gertrudes, enxugou parcas lágrimas no lenço de renda bordado com uma suspeita letra D, em vermelho, exalando suspiros a intervalos regulares. 11

PARA MANUEL BANDEIRA E ROGÉRIO FORTI

O endereço dos suspiros, convém que se diga, era o quarto do menino, que ela julgava herdar tão logo passasse o tempo de luto. Quarto que dava, por um feliz acaso, à janela de certo tenente chamado Danilo. As menores, meninotas tontas (sabiam lá o que fosse morte!), aproveitaram a baixa da guarda paterna para subir nas árvores do pomar, igual a moleques. Até a vizinhança participou das dores da família: o entra e sai de bandejas, com petiscos próprios de velórios, prenunciava o desfecho funesto.

Só Rodriguinho permanecia inalterado. A morte... E daí? Da morte, só conhecia a de passarinho, calango, cachorro. O destempero nem lhe chegou à barra das calças curtas de menino. O único sinal que despertou sua jovem consciência foi que brotara um tempo de fazer o que lhe desse na veneta, já que estava de partida rumo a uma viagem muito longa, a um lugar muito distante e por muito tempo.

O que lhe cabia, então? Obedecer ao chamado da vida.

E obedeceu, sem excessos, no feitio de sua natureza. Soltou todos os passarinhos da casa, inclusive o coleiro de seu pai, o que custou ao pobre homem marcas de unhas cravadas nas mãos aflitas. Banhou-se no rio, ao pôr do sol. Os meninos deixaram-no ganhar as pelotas de vidro todas que quisesse, não sem um brilho nos olhos que denunciava a domada vontade de tomá-las de volta. Provou do licor de jenipapo de madame Eugénie, senhora de má fama na região, apenas porque carregava nos “erres”. Bastava ser estrangeiro para não cair no gosto da gente do lugar.

O mais trabalhoso foi seu último desejo: tirar um retrato usando calças compridas, cabelo cheio de gomalina

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igual ao do pai, com a família reunida. Eis o talismã que fazia questão de levar na tal viagem. Nem os padrinhos o demoveram da ideia, argumentando que para onde ia não carecia de bagagem, muito menos de retrato, que estaria na companhia de anjinhos feito ele, e coisa e tal. Anjos que fossem sua companhia lá e então, dizia. Por agora, queria a família guardada no quadrado de um retrato.

Cismou, não teve jeito. Tiveram de cumprir a vontade do moribundo que se ia tão breve, meu Deus! A urgência da morte tira todo mundo do lugar. De forma que foi providenciada uma calça comprida de risca de giz para Rodriguinho, coisa insólita para um sujeitinho assim miúdo. Chamaram o turco da praça, o que fazia retratos, outra vítima do preconceito contra estrangeiros. Sorte que ele nem se apoquentava. Pelo contrário, cada vez importava mais patrícios do Oriente.

A lista dos parentes foi meticulosamente elaborada pela mãe que ajeitou cada um na devida posição, conforme os afetos do menino. Na hora da foto, o máximo da ousadia, a que julgou a derradeira: ao lado da prima, moça de seus 16 anos, Rodriguinho enlaçou-lhe a cintura fina. Antes da explosão de luz artificial, o coraçãozinho do menino bateu no compasso de mil estrelas nascendo, ao sentir o toque suave da mão enluvada da prima sobre a sua. Finda a tarefa, foi-se cada um para um lado.

Isso há 75 anos. O moço ainda está aí, a morte fez forfait. O que mudou na vida do menino, sobre a qual a flecha fria da morte cruzou tão cedo? Pouco, quase nada. Rodrigo ainda obedece ao chamado da vida, sem excessos, no feitio de sua natureza. Continua a soltar todos os passarinhos 13

que encontra. Menos os de seu pai, ele mesmo um passarinho livre da gaiola do tempo. Dos banhos de rio, desistiu há muito, pelo pudor de expor as carnes brancas e flácidas, coisa que seu apurado senso estético jamais permitiria. Os outrora meninos, agora homens, esquecidos de seus compromissos de compaixão, não o deixam mais ganhar pelotas. Rodrigo acabou aprendendo a conquistá-las sozinho, que remédio? Provou de diferentes licores e morou anos na pátria de madame Eugénie e na de tantas outras senhoras de má fama, estrangeiras feito ela. Jamais se sentiu estrangeiro em parte alguma. Comprou os ternos que quis e, continuamente, teve sua elegância elogiada. Conheceu muitas mulheres, mas não foi capaz de apagar o toque suave da mão enluvada da prima sobre a sua.

E o retrato? Ah, o retrato, o talismã que fizera questão de levar na tal viagem sem volta... Numa noite de insônia, ainda bem jovem, colocara-o num envelope perfumado e o enviara ao endereço da prima. Quem sabe seu maior tesouro não tocaria, por fim, o coração da eterna musa? A prima abriu a remessa com uma das mãos, enquanto a outra sustentava o décimo filho no colo. Lançou um olhar desatento àquela gente congelada em sépia. Nem se deu ao trabalho de espiar no verso, entregando a foto ao primeiro fedelho que lhe pediu colo, comida, liberdade ou atenção. Um fim bem inglório para o trabalhoso e último desejo de Rodriguinho.

A resposta que nunca chegou, não lhe fez falta. Ao desfazer-se do retrato é que se deu conta do que mudara em sua vida, quando, ainda menino, a flecha fria da morte cruzou-a tão cedo. O pouco, quase nada,

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É de morte! É UM

LIVRO SOBRE... A VIDA.

MELHOR DIZENDO, A VIDA E O QUE FAZER COM ELA, ANTES DO PONTO FINAL. É UM CONVITE A FIXAR O OLHAR NO ENTORNO, NOS DESDOBRAMENTOS E ECOS QUE A MORTE PRODUZ.

ARRISQUE-SE E MERGULHE NESTA LEITURA.

AFINAL, É A VIDA QUE NOS INTERESSA.

9 788532 293053 ISBN 978-85-322-9305-3 13 40 07 74
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