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PNLD 2024 - O3 | NASCI EM 1922, ANO DA SEMANA DE ARTE MODERNA

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Fabiano Moraes

Não preciso e nem quero fazer suspense para me apresentar. Sou uma máquina de escrever. Uma máquina de escrever modelo Remington 12. Meu nome é Manuela. Encantada!”

Nasci em 1922, ano da semana de arte moderna

“Tem muita gente que quando escuta a palavra ‘museu’ pensa logo num lugar cheio de coisas antigas. Posso garantir que no museu itinerante em que moro só existem coisas modernas. Mesmo assim, tenho certeza de que só de me ver você vai dizer na mesma hora que sou antiga.

Fabiano Moraes

Nasci em 1922, ano da semana de arte moderna

Ilustrações de

Luciano Tasso


Fabiano Moraes

Nasci em 1922, ano da semana de arte moderna

Ilustrações de

Luciano Tasso


© Arco 43, 2022 Todos os direitos reservados Texto © Fabiano Moraes Ilustrações © Luciano Tasso Direção-geral: Vicente Tortamano Avanso Direção editorial: Felipe Ramos Poletti Gerência editorial: Gilsandro Vieira Sales Gerência editorial de produção e design: Ulisses Pires Edição: Aline Sá Martins e Suria Scapin Apoio editorial: Lorrane Fortunato e Maria Carolina Rodrigues Elaboração de paratexto e do material de apoio ao professor: Daniela Aparecida Francisco Supervisão de design: Dea Melo Design gráfico: Luyse Costa/Obá Editorial Edição de arte: Daniela Capezzuti Supervisão de revisão: Elaine Cristina da Silva Revisão: Andréia Andrade e Júlia Castello Branco Supervisão de iconografia: Léo Burgos Pesquisa iconográfica: Daniel Andrade e Priscila Ferraz Supervisão de controle de processos editoriais: Roseli Said Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moraes, Fabiano Nasci em 1922, ano da semana de arte moderna [livro eletrônico] / Fabiano Moraes ; ilustrações de Luciano Tasso. -- 2. ed. -- São Paulo : Arco 43 Editora, 2022. 10 Mb ; HTML ISBN 978-65-86987-41-6 (aluno) ISBN 978-65-86987-43-0 (professor) 1. Arte moderna - Brasil - Literatura infantojuvenil 2. Arte moderna - História Literatura infantojuvenil I. Tasso, Luciano. II. Título. 22-121393

CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático: 1. Arte moderna : Literatura infantil 028.5 2. Arte moderna : Literatura infantojuvenil 028.5 Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

2a edição, 2022

Rua Conselheiro Nébias, 887 São Paulo, SP – CEP: 01203-001 Fone: +55 11 3226-0211


Dedico este livro a minha querida tia-avó Nilza Couto, nascida em 1922, ano da Semana de Arte Moderna.


PREFÁCIO Nas minhas leituras literárias e acadêmicas, conheci Manuela, a máquina de escrever de Mário de Andrade. Como eu sempre me impressionei com essas coisas chamadas máquinas, quis saber mais de sua história. Fui pesquisar e descobri que ela compunha o acervo de Mário de Andrade e que era, de fato, uma máquina moderna, das mais avançadas de sua época – a mesma época da Semana de Arte Moderna.


Mas veja que curioso: ela e outras tantas coisas do seu tempo, que nasceram modernas, atualmente são consideradas antigas. Isso indica que, do mesmo modo que as invenções daquela época (aviões, carros, rádio, cinema, fotografia, raios X, zíper e máquina de escrever) são vistas hoje como antigas, os inventos dos tempos mais recentes (drones, celulares, computadores, cinema 3-D, raio laser, pen drive, wi-fi e touch screen) um dia também serão chamados de antiquados. Por que, então, a Semana de Arte Moderna continua a ser chamada de moderna? Fiquei imaginando que, se Manuela falasse, teria muito a nos dizer sobre isso. Afinal, ela esteve presente por anos na vida de Mário de Andrade. Com ele, escreveu artigos, cartas e textos literários, participou do movimento antropofágico e deve ter escutado muitas histórias sobre o Grupo dos Cinco e a Semana de Arte Moderna. De tanto matutar (ou banzar, como diria Mário de Andrade) sobre o tema, resolvi contar a vida de Manuela, criando um livro narrado por ela. É por isso que, embora muitas coisas aqui relatadas tenham sido reais, fato acontecido, comprovado, histórico e científico, merecendo aval dos grandes pesquisadores do assunto, uma parte desta narra­ tiva é composta de recriações e reinvenções. 5


É que neste livro Manuela narra cem anos de histórias por ela vividas, escritas, escutadas e lembradas. E todos nós sabemos que, depois de tanto tempo de vida, cada conto recordado e recontado acaba recebendo novos pontos e arremates. “Quem conta um conto aumenta um ponto”, não é como diz o ditado? Assim fez Manuela ao narrar esta obra. Em outras palavras, este livro apresenta a versão e o ponto de vista da máquina de escrever de Mário de Andrade, com informações fundamentadas em registros históricos, fotografias, obras de arte, pesquisas, textos literários e cartas. Mas também com elementos ficcionais, mitológicos, culturais e literários que ela tão bem aprendeu a utilizar com Mário. Nesta obra, história e fabulação se misturam, acredite. Por exemplo, alguns trechos de cartas escritas por Mário de Andrade e Manuel Bandeira, aqui mencionadas por Manuela, são paráfrases de citações reais. Por outro lado, numa de suas reinvenções ficcionais, ela afirma ter ido a Araraquara com o autor e participado da primeira escrita do romance Macunaíma, embora os estudiosos do assunto possam dizer que não foi bem assim. Mesclando realidade e ficção, este livro é uma homenagem a Mário de Andrade e uma celebração do centenário da Semana de 22, e, é claro, dos cem anos da aniversariante Manuela. 6


Por reunir tantos elementos históricos, artísticos e literários, ele permite leituras em diálogo com os componentes curriculares História, Arte e Língua Portuguesa. E até com Geografia e Ciências. Também favorece uma abordagem consistente e ao mesmo tempo leve do movimento modernista no Brasil, da vida de Mário de Andrade e da Semana de Arte Moderna, evento que mudou o jeito de fazer arte no país e transformou a visão do mundo sobre a arte brasileira. “Vamos à história!”1

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SUMÁRIO 1. Muito prazer 2. Rumo à Pauliceia Desvairada 3. Na vitrine 4. Escolhas

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5. Pode crer, velho! 6. Nosso primeiro poema 7. Batizada 8. Música, maestro!

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9. Nunca fomos tão modernos

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10. O terremoto que durou quase uma semana

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11. Tremores e abalos em detalhes

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12. Macunaíma e a reinvenção do Brasil

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13. O grupo dos cinco

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14. Tupy or not tupy 15. Na cidade maravilhosa 16. Foi assim Posfácio do autor Vamos falar sobre este livro? Material de apoio ao professor

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[1]

MUITO PRAZER Muito prazer, meu nome é Manuela. Nasci em 1922, ano da Semana de Arte Moderna. Você pode achar estranho, mas vivo numa espécie de museu itinerante, sabe? Na verdade, moro em um acervo pessoal, que é como uma coleção de coisas que pertenceram a uma única pessoa. E minha vida é mais ou menos assim: eu costumo passar a maior parte do tempo no mesmo lugar, mas às vezes vou para


exposições em lugares diferentes. Por isso costumo dizer que moro em um museu itinerante. Tem muita gente que quando escuta a palavra “museu” pensa logo num lugar cheio de coisas antigas. Posso garantir que no museu itinerante em que moro só existem coisas modernas. Mesmo assim, tenho certeza de que só de me ver você vai dizer na mesma hora que sou antiga. Não preciso e nem quero fazer suspense para me apresentar. Sou uma máquina de escrever. Uma máquina de escrever modelo Remington 12. Meu nome é Manuela. Encantada!

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[2]

RUMO À PAULICEIA DESVAIRADA Quando eu disse que no museu itinerante em que moro só tem coisas modernas, eu estava querendo dizer que sou moderna. Na época em que fui fabricada – prefiro dizer “na época em que nasci” –, todo escritor sonhava ter uma máquina de escrever moderna e silenciosa como eu. Nasci em uma fábrica, mesmo lugar em que a maioria das coisas modernas nasce. E, é claro,


precisei passar pelo controle de qualidade para ver

se estava tudo certo comigo. Os humanos, ao nascerem, também costumam passar por vários exames, antes mesmo de saírem do hospital.

Comigo as coisas aconteceram mais ou menos

como aconteceram com você, mas para a sua sorte

você não se lembra dos exames que fez logo após o nascimento. Mas eu me lembro. Foi um tal de puxa daqui, aperta dali, gira, vira, sacode, bate, vai e... Fui...

Enfim, eu estava pronta para ser destinada ao estoque da fábrica e esperar pacientemente pelo momento em que me mudaria para uma loja.

Nasci em Nova York, na fábrica da Remington,

e de lá eu poderia ter ido para qualquer outro país

do mundo, mas fui mandada justamente para o Brasil. Fiquei um bom tempo nos depósitos da fábrica, depois fui levada para o porto e cheguei ao Brasil de navio.

Claro que senti medo. Aliás, se a maresia já

faz tremerem as minhas teclas, um naufrágio seria

a morte mais terrível de todas. Você faz ideia do quanto a água e o sal podem me fazer mal? Sou

praticamente toda feita de metal, e basta um pouco

de maresia para me causar ferrugem, o que para nós, seres de metal, é uma das piores doenças. Se não a mais temível e fatal.

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É fato que, quando escutei os carregadores e

os marinheiros do porto falarem que o navio viria

para o Brasil e descreverem os principais portos do país, fiquei toda empolgada. A maioria das histórias

era sobre o Rio de Janeiro, capital do Brasil na época. Pensei: “Quero conhecer essa cidade. Morar, não sei se desejo, pois a maresia pode me enferrujar.

Mas, não posso negar, viver um tempo no Rio seria maravilhoso”.

Não preciso nem dizer que, apesar de escutar

tudo à minha volta, não pude ver nada. Eu estava encaixotada. Imagine só: encaixotada e viajando em um navio. Ao chegar ao Brasil, aprendi de pronto um novo idioma; afinal, fui feita para escrever em

qualquer língua que use o nosso alfabeto. Chegando

ao Porto de Santos, juro que imaginei que eu já estava no meu destino, mas só então descobri que a minha viagem seria ainda mais longa.

E tome caminhão. Curvas, retas, curvas, retas,

subidas, leves descidas, subidas, curvas, curvas, curvas,

retas, subidas, curvas, subidas, retas, curvas... Volta e

meia, uma máquina encaixotada conversava com ou-

tra em maquinês – a língua das máquinas – tentando entender para onde estávamos indo:

– QWERTY, aqui teclando Remington 12, nú-

mero de série LV31154.

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– ASDFGH, aqui tecla Remington 12, número de série LV31283. Alguém já descobriu qual é o nosso destino? – LV31283, a LV31423 escutou o motorista falando com o carregador sobre a cidade de São Paulo. Acho que estamos indo para lá. De fato, já estávamos quase chegando a São Paulo, ou, como eu passaria a chamá-la posteriormente, Pauliceia Desvairada. Eu, de minha parte, preferi não participar da conversa. Sempre fui recatada, tímida. Gosto muito mais de escrever do que de falar. A não ser que o assunto me interesse muito. Mas muito mesmo. Algumas horas depois, o caminhão parou e fomos retiradas, uma a uma, e empilhadas em um carrinho, depois transportadas por alguns metros e colocadas em um depósito. Logo no primeiro dia, escutei duas pessoas conversando: – Pedro, elas acabaram de chegar. Pegue uma lá no depósito para fazermos um teste. Dizem que são as mais silenciosas do mercado. – Posso pegar qualquer uma? – Não. Precisa pegar das caixas que estão junto à parede da entrada. Nos fundos foram colocadas as máquinas que irão direto para as escolas de datilografia.

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Escutei os passos se aproximando, depois per-

cebi que a caixa da máquina que estava ao meu lado

foi aberta e ela foi levada em direção ao lugar em que

aquelas pessoas conversavam. Mais tarde eu viria a descobrir que se tratava de um escritório.

– Olhe só, Pedro. Isso é que é modernidade. Veja

este aparador de folhas com o nome da Casa Pratt.

Que luxo, meu caro: “Casa Pratt, agentes gerais, Rio

de Janeiro e São Paulo”. Nossa loja é conhecida até

mesmo fora do Brasil, está vendo? Também pudera! Somos agentes da Remington no Brasil, temos escola

de datilografia e tudo mais. Agora veja bem, Pedro,

escute o que vou dizer. O mundo está mudando tanto que daqui a alguns anos as crianças aprenderão a datilografar antes mesmo de aprenderem a usar

caneta-tinteiro e mata-borrão. Mas chega de conversa fiada. Pegue lá uma folha que eu quero escrever nessa coisa linda.

Escutei os passos, o ruído da gaveta da mesa se

abrindo e fechando, depois o barulho do rolo puxando a folha, o leve ruído dos ajustes de alinhamento e,

enfim, o som suave das teclas enquanto as palavras

eram datilografadas em alta velocidade, seguido da sineta e do trac-trac da catraca de rolamento de folha para se continuar a escrever na linha de baixo.

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– Não acredito. Dá pra datilografar até de noite sem incomodar os vizinhos, Carlos. Escute, aqui no manual diz que são catorze dispositivos atenuadores de ruído. Catorze, Carlos. Ca-tor-ze. Tecnologia de ponta, meu irmão. Isso é o que eu chamo de máquina de escrever moderna. – Corra lá, Pedro, coloque essa belezura na sala do chefe. Ele vai explodir de felicidade quando chegar do al­moço e encontrar uma Remington 12 sobre a sua mesa. E aí você abre outra caixa para colocar uma máquina novinha desse mesmo modelo em destaque na vitrine. Com direito a cartaz e tudo, viu? E mande preparar o material de publicidade para divulgar nos jornais. É importante que esteja escrito em destaque: “Remington 12: a máquina de escrever silenciosa”. O que vai dar de gente querendo essa coisa linda! Até eu queria poder comprar uma dessas, Pedro, até eu. Quem sabe juntando umas economias... Agora corra, vá...

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[3]

NA VITRINE Minutos depois, a minha caixa foi aberta. Eu fui

a máquina escolhida para figurar na vitrine. Um sonho

poder ver o movimento, conhecer as pessoas, escutar o que acontecia no mundo. E quem sabe escolher o meu futuro dono. Mas é claro que isso também trazia

um grande risco. O de virar mostruário eterno. Ficar sempre à mostra e nunca ser comprada. E até mesmo

acabar sofrendo um arranhão ou uma avaria, com


uma pecinha ou outra quebrada por uso indevido de

algumas mãos mais abrutalhadas ou de pessoas sem noção, pra, no fim, ser enviada para algum curso de

datilografia ou de volta para a fábrica, ou, pior de tudo, virar sucata.

No fundo eu sempre tive os meus sonhos. Cla-

ro que no início pensei no quanto seria bom ser en-

caminhada para a Casa Branca e trabalhar para o

presidente do país onde nasci. Quando descobri que viria para o Brasil, quis logo saber onde ficava a sede

da Presidência da República. E desejei ir para lá, para

o Palácio do Catete, onde àquela época vivia o meu novo presidente.

Em alguns momentos sonhei trabalhar para

uma grande empresa ou uma enorme indústria para

escrever relatórios de ganhos e de investimentos. Também já quis ir para algum cartório registrar

acontecimentos importantes da vida das pessoas.

Confesso que até tive vontade de ser máquina de escrever de escola de datilografia. Sei que passaria pelas mãos mais inexperientes, mas sempre achei

bonito se prestar a ensinar a quem deseja aprender. Tudo isso eu quis ser. Logo que nasci, cheguei mesmo a sonhar ser má-

quina de algum escritor ou cientista famoso. Mas não

há tantos escritores nem cientistas ou pesquisadores, 20


então foi um sonho rápido, daqueles que toda máquina talvez tenha em algum momento de sua vida, mas que passa em um piscar de olhos. Feito o sonho de ser astronauta, sabe? Quase toda criança um dia já sonhou ser astronauta, bailarina, cantor, atriz de cinema, paleontóloga, jogador de futebol... Para muitas delas, é um sonho que depois passa. Com o meu sonho de ser máquina de um escritor ou de um pesquisador, também foi assim. Passou. Confesso que naquela época cheguei a sonhar parar nas mãos de Charles Chaplin para escrever os seus magníficos roteiros. Ou ser comprada por Albert Einstein e escrever teorias quase incompreensíveis de tão complexas. Mas como eu vim para o Brasil e no início eu pouco sabia dos artistas e dos pesquisadores brasileiros, nem cheguei a pensar em nomes para sonhar nas mãos de quem eu poderia parar. O sonho simplesmente foi se apagando. E lá estava eu na vitrine, de frente para o passeio. Quando digo passeio, quero dizer calçada – naquela época era assim que costumávamos falar –, por onde passavam trabalhadores, estudantes, idosos, crianças, cachorros, famílias, todos com os seus sonhos. Alguns me olhavam curiosos, com o mesmo assombro com que as pessoas de hoje 21


olhariam um robô moderno ou um computador inteligente de última geração. Afinal de contas, eu era a própria modernidade. Os vendedores sempre me apresentavam aos clientes mais exigentes, que podiam datilografar em mim sentindo a minha leveza. Isso enquanto eu sentia a dureza das mãos de algumas pessoas mais destrambelhadas ou daquelas que pensavam saber datilografar, mas que só faziam catar milho. Não sabiam sequer usar todos os dedos das mãos para escrever. Um horror. – Essa é a famosa máquina silenciosa? – perguntava um cliente. – Isso mesmo. A mais moderna e silenciosa. Quer uma demonstração prática? E o ritual se repetia. Eu era levada para a longa mesa onde eram dispostas as máquinas para demonstrações práticas. Recebia uma folha de papel, depois sentia os dedos a datilografar em mim e percebia a admiração dos clientes em suas mais diversas reações: – Nossa, como uma máquina pode escrever assim tão bem sem fazer quase nenhum barulho? – Impressionante. Posso datilografar minhas receitas sem acordar o meu bebê. 22


– Nem sei se eu devo comprar máquinas dessas para o meu escritório. Tenho medo dos meus funcionários dormirem sem os tlac-tlacs tão barulhentos das outras máquinas. A cada nova venda, uma das minhas irmãs era trazida do estoque, vendida, empacotada e levada, enquanto eu permanecia à vista de todos e ao alcance de muitas mãos curiosas, sem saber que destino me aguardava.


[4]

ESCOLHAS Um dia, vi um homem calvo, alto e alinhado

se aproximar da Casa Pratt. Eu o notei quando ele

estava caminhando do largo em direção ao passeio.

Na verdade, antes que ele me visse, pude detectá-lo em meio às tantas pessoas que por lá transitavam.

Era um sujeito que se destacava de todos os outros, tinha um andar decidido e um olhar perscrutador.

Opa! Às vezes eu me esqueço de que não estou nos


anos 1920. Eu quis dizer que ele tinha um olhar investigador e curioso. Seus óculos pareciam miúdos para o seu rosto alongado. E ele estava “exposto” na vitrine gigante que havia diante de mim. Nessa época eu já havia compreendido que não era eu quem estava em uma vitrine, mas sim que havia à minha frente uma grande vitrine chamada mundo com todas as pessoas dentro dela. Era a minha vitrine, a que eu contemplava, repleta de carros passando e de gente desfilando, aproximando-se e exibindo-se para mim, para que eu finalmente pudesse escolher quem seria o meu dono ou a minha dona. Todos dispostos diante de mim e eu, com todo o meu poder, modestamente fazia questão de aparentar ser apenas uma máquina de escrever modelo Remington 12 disposta em uma vitrine. Ele se aproximou e olhou lentamente para cada máquina. Parecia estar escolhendo. Eu também, depois de olhar tantas pessoas se aproximarem, fazia a minha escolha. Juro que fiquei mais tempo olhando para ele do que para todas as outras pessoas que por ali passaram. Também juro que ele ficou muito mais tempo olhando para mim do que para as outras máquinas. Depois, ele entrou na loja. – Senhor Mário! – abordou-o efusivamente um dos vendedores. 25


– Bom dia, caríssimo Rubens. É impressão mi-

nha ou a máquina que vocês me aconselharam a esperar pela sua chegada já está exposta na vitrine?

– Exatamente o que eu ia lhe dizer neste exato

momento, nobre escritor. Recebemos há poucos meses

a Remington 12, a máquina de escrever silenciosa. O senhor quer uma demonstração prática?

– Quero sim, mas também desejo voltar a da-

tilografar nas outras duas que vi na última vez que

estive por aqui. Quero melhor comparar para assim melhor comprar, meu caro Rubens.

Sem tirar os seus óculos de aro redondo, ele passou

novamente os olhos por várias máquinas, escolhendo

as outras duas que desejava experimentar, enquanto Rubens, o vendedor, dispunha cada uma de nós sobre a longa mesa utilizada para demonstrações práticas.

Mário apanhou uma folha de papel no escani-

nho mais próximo, ajustou-a em uma das máquinas e datilografou algumas linhas.

– Letras precisas, marca a tinta no papel com

definição e equilíbrio, mas suas teclas são um tanto duras para as mãos de um pianista.

Apanhou mais uma folha de papel no escaninho,

passou para a segunda máquina, ajustou e alinhou a folha, depois escreveu algumas linhas. 26


– Razoável. Parece muito com a máquina que o meu irmão teve. A propósito, em que mundo vivemos, Rubens, em que mundo? Você acredita que ela foi roubada? Nem mesmo as máquinas de escrever estão a salvo neste nosso mundo. Pois bem, procuro uma que seja o complemento dos meus dedos, que escreva comigo os meus livros, em parceria. Como o meu piano faz música junto comigo. Por fim, ele apanhou uma terceira folha no escaninho e passou para mim. Lembro-me como se fosse hoje. Ele posicionou e rolou o papel, destravou o meu cilindro para alinhar a folha, depois travou novamente e em seguida rolou em sentido inverso para o início da página e me tocou as teclas com leveza, como se estivesse a executar ao piano a música Clair de Lune, do compositor francês Claude Debussy. E juntos escrevemos, como se estivéssemos a solfejar uma doce melodia num afinado dueto:

MÁQUINA-DE-ESCREVER 2 B D G Z, Remington. Pra todas as cartas da gente. Eco mecânico De sentimentos rápidos batidos. 27


Mário parou. Seus olhos marejaram. Na verdade, eu nunca havia sido tão leve. Eu escolhi o meu dono. Fiz menos barulho, escrevi com maior precisão, soei com suavidade. Eu jamais havia sido assim tão confortável nas mãos de ninguém. Definitivamente, eu queria aquele dono pra mim. Ele, por sua vez, pensou haver me escolhido. Claro que olhei com cara de deboche para as outras máquinas, enquanto elas fingiam desdém – tipo cara de paisagem, só para não darem o braço, ou melhor, as teclas a torcer. – Quero esta Remington. – Que bom, senhor Mário, que o senhor teve a paciência de esperar que ela chegasse. Eu sabia que o senhor iria gostar. – Estou há mais de dois anos esperando ela chegar, Rubens. Finalmente nos encontramos. – Pedro, mande buscarem no estoque uma Remington modelo 12 nova, na caixa, para o senhor Mário – ordenou Rubens ao encarregado pela estocagem. – Nada disso, Rubens, acho que você não entendeu. Eu não escolhi o modelo. Eu escolhi esta máquina. Esta que está na minha frente. Quero levá-la comigo. E faça-me o favor, não retire dela o papel

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com o poema que começamos a escrever juntos. Continuaremos a escrevê-lo na nossa casa. – Pois não, senhor Mário. Será assim como o senhor deseja – disse Rubens, gritando em direção ao estoque. – Pedro, busque uma nova Remington 12 no estoque para colocar na vitrine como mostruário. Eu não estava acreditando. Um poema. Meu dono era um escritor. E depois eu ficaria sabendo que ele era também um renomado pesquisador do folclore. Meu sonho antigo havia se realizado. Eu era, ao mesmo tempo, máquina de um escritor e máquina de um pesquisador. E foi assim o nosso primeiro encontro. Poema ao primeiro toque. Dele para mim e meu para ele. Amor à primeira vista. Meu por ele e dele por mim. O próprio Mário expressaria esse amor na primeira carta escrita por nós ao escritor Manuel Bandeira: “Comprei esta máquina pelo processo amável das prestações”. Assim conquistei o meu dono. Seu nome? Mário Raul de Morais Andrade. Ou, como era mais conhecido por todos, Mário de Andrade.

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[5]

PODE CRER, VELHO! E lá fomos nós. Eu, uma máquina de escrever moderna, indo para a casa de um escritor moderno. Como se hoje uma pessoa bem descolada saísse de uma loja com o notebook mais moderno para juntos produzirem a sua arte. Assim nos sentimos. Pois veja só o dilema que vivo atualmente. Sou moderna, sei que sou, mas nem todos me acham moderna. E eu tenho de passar por cada situação que só rindo pra não chorar.


Um dia desses, eu estava em uma exposição do acervo de Mário de Andrade, o meu museu itine­ rante, quando um menino me olhou de cima a baixo, todo impressionado. Depois disse para o irmão mais velho: – Olha, Diego, que irado! Um notebook antigo! Grandão! E já vinha com impressora e tudo! – Ah, Diguinho, você não entende nada mesmo. Nada a ver. Isso não é um notebook antigo não, doido. É uma máquina de escrever antiga. – Tá bom, pode até não ser um notebook, mas é tipo um parente mais antigo dos notebooks. É ou não é? E fala sério, que ela já vinha com impressora, vinha. – Assim, na real, não era exatamente uma impressora, Diguinho. Mas não deixava de ser também. Aliás, era mais ou menos uma impressora. Tá, vai lá, se na época não tinha impressora, então era tipo a impressora da época e tipo o notebook da época. Você venceu. Meio que era só digitar aqui que já saía impresso lá no papel. Uma vez eu vi a professora digitando numa dessas. Ela imprime direto, sem ter de dar nenhum comando, fora que não precisa ser formatada nem usa carregador. Os dois pararam para me olhar com mais atenção, procurando por algum conector de carregador ou 32


entrada USB, suponho. E, depois de muito me olhar, o irmão mais velho concluiu, dizendo ao menor: – Pode crer, velho! Era muito mais irada do que os notebooks de hoje em dia. Há muito tempo eu não me sentia tão bem. Depois de anos sendo chamada de velha, vi uma comparação como essa num diálogo em que dois adolescentes reconheciam as minhas qualidades e, além de tudo, escutei claramente que no final da conversa um menino nascido há poucos anos foi chamado de velho pelo seu irmão... mais velho... Confesso que por um instante nem me importei de também ser chamada de velha, afinal me sinto uma menina. E, cá pra nós, sou mesmo muito mais irada do que os atuais notebooks. Pode crer, velho!

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[6]

NOSSO PRIMEIRO POEMA Ao chegarmos à nossa casa, pude conhecer muitos outros companheiros de Mário. De todos eles, aqueles com quem mais convivi e conversei foram a sua câmera fotográfica, o seu piano, a sua viola caipira, a sua caneta-tinteiro preferida e o seu mata-borrão. Não sei se você sabe o que é uma caneta-tinteiro e um mata-borrão. Naquela época já tinha sido inventada a caneta esferográfica, que é essa caneta


mais usada hoje em dia e que você provavelmente tem pelo menos uma no seu estojo. A esferográfica tem uma esfera minúscula na ponta e, quando a esfera corre pelo papel, ela gira pegando a tinta que fica num canudinho chamado carga e a espalha no papel. A caneta esferográfica é como se fosse uma versão quase microscópica daqueles frascos de desodorante roll-on, mas com tinta no lugar de desodorante e com uma esfera dezenas de vezes menor. Acontece que, na época que inventaram a esferográfica, a tinta da caneta ainda demorava bastante para secar e a ponta dela acabava manchando tudo quando era arrastada no papel. Por isso, no começo ela só foi usada para marcar couro para cortes e artesanatos. Foi preciso que inventassem uma tinta de secagem rápida para que a esferográfica passasse a ser usada para escrever em papel. Por isso, na época de Mário, ainda se escrevia com caneta-tinteiro, também chamada de caneta bico de pena, que tinha uma ponta muito fininha e de metal. A ponta era mergulhada no tinteiro e a tinta escorria por uma fenda que nela havia até chegar a uma parte mais redondinha, que era encostada no papel. A pessoa escrevia e a tinta ia acabando, depois era preciso mergulhar a ponta da caneta de novo no tinteiro para pegar mais tinta. Era mais ou menos como se faz ao usar um pincel para pintar. 35


Acontece que, como eu disse, naquela época a tinta demorava a secar. Por isso era preciso passar o mata-borrão logo após escrever, para não correr o risco de que o papel ficasse todo manchado caso alguém esbarrasse na tinta fresca. E o mata-borrão servia para quê? O próprio nome já diz. Para matar, ou eliminar, os possíveis borrões. Era uma peça de madeira parecida com um carimbo, com a parte de baixo acolchoada e com um formato circular que recebia um papel absorvente, tipo um papel-toalha ou aquele papel dos filtros de café descartáveis. Então a pessoa movia o mata-borrão sobre o escrito e o papel absorvente puxava o excesso de tinta, só deixando a tinta que já havia penetrado na folha. Assim, a folha podia ser manuseada e tocada sem que se corresse o risco de manchar toda a escrita. Falei tudo isso só pra dizer que eu era muito amiga da caneta-tinteiro preferida de Mário e de seu mata-borrão. Afinal, trabalhávamos juntos e sempre acompanhávamos Mário nos seus escritos. Tudo bem que eu também costumava conversar com o piano e com a viola caipira, mas eles sempre foram mais musicais. Na verdade, eu também fazia música, mas uma música diferente, não como a deles, preciso reconhecer, mesmo escrevendo de um modo musical nas mãos de Mário. Claro que quando chegamos à nossa casa eu ganhei logo um lugar especial em sua mesa. Eu estava 36


bem protegida. Afinal, nem eu nem Mário queríamos que eu tivesse o mesmo fim da máquina de escrever do irmão dele, que foi surripiada, opa, quero dizer, roubada. Sou moderna sim. Mas, por já ter vivido cem anos, convivi com palavras que já não são tão usadas e convivo com palavras que estão em pleno uso nos dias de hoje, mas que daqui a alguns anos talvez já não sejam mais tão faladas. Então, todas as vezes que acontecer de eu falar alguma palavra mais antiga, vou tentar me lembrar de dizer também uma palavra correspondente de hoje em dia. Mário me colocou sobre a mesa, abriu um vinho e fez um brinde comigo, quero dizer, em mim. Feito aqueles navios transatlânticos da época, como o Titanic, que eram inaugurados com uma garrafa de champanhe sendo quebrada em seu casco. Claro que Mário não quebrou o cálice de vinho em mim para me inaugurar, apenas tiniu a borda do cálice no meu corpo, fazendo tim-tim. Assim, brindamos à nossa parceria. Em seguida, continuamos o nosso primeiro poema, que, modéstia à parte, ele fez para mim. Algumas pessoas tiveram a audácia de dizer que ele já havia escrito o poema “Máquina-de-escrever” antes de me conhecer, e que só não o tinha publicado. Seja como for, e o que quer que digam, vou sempre acreditar que ele o fez para mim. Se o escreveu antes, 37


o fez por saber que um dia me encontraria. Tanto foi assim que, ao me conhecer, no mesmo instante, datilografou o poema em mim. E assim continuamos a nossa escrita iniciada na Casa Pratt, usando aquela mesma folha, depois passando para outra:

MÁQUINA-DE-ESCREVER3 B D G Z, Remington. Pra todas as cartas da gente. Eco mecânico De sentimentos rápidos batidos. Pressa, muita pressa. Duma feita surripiaram a máquina-de-escrever de meu mano. Isso também entra na poesia Porque ele não tinha dinheiro pra comprar outra. Igualdade maquinal, Amor ódio tristeza... E os sorrisos da ironia Pra todas as cartas da gente... Os malévolos e os presidentes da República Escrevendo com a mesma letra... Igualdade Liberdade 38


Fraternité, point.

Unificação de todas as mãos... Todos os amores

Começando por uns AA que se parecem... O marido que engana a mulher, A mulher que engana o marido,

Os amantes os filhos os namorados...

“Pêsames”.

Querido amigo... (E os 50 mil-réis.)

“Situação difícil.

Subscrevo-me

admo.r obgo. ”

E a assinatura manuscrita.

Trique... Estrago!

É na letra O.

Privação de espantos

Pras almas especulas diante da vida! Todas as ânsias perturbadas! Não poder contar meu êxtase Diante dos teus cabelos fogaréu! A interjeição saiu com o ponto fora de lugar! Minha comoção 39


Se esqueceu de bater o retrocesso. Ficou um fio Tal e qual uma lágrima que cai E o ponto final depois da lágrima. Porém não tive lágrimas, fiz “Oh!” Diante dos teus cabelos fogaréu. A máquina mentiu! Sabes que sou muito alegre E gosto de beijar teus olhos matinais. Até quarta, heim, ll. Bato dois LL minúsculos. E a assinatura manuscrita. Sei que você pode estar se perguntando sobre algumas coisas de que fala esse poema que só quem conhece uma máquina de escrever pode responder. Primeiro, que no seu teclado de computador você tem o algarismo “ l”. Nós, máquinas de escrever, não precisamos dessa tecla. Basta escrever o “L” minúsculo e você tem o “um”. Outra coisa interessante é que, para fazer a exclamação na máquina de escrever, você precisa apertar uma tecla que tem um apóstrofo “ ”, depois fazer 40


a máquina voltar apertando a tecla retrocesso, ou backspace – equivalente ao backspace do computador, mas que não apaga o que foi escrito. Por fim, você precisa apertar a tecla de ponto final “.” Assim você terá uma exclamação “!”. Acontece que se você se esquecer de bater o retrocesso, vai ficar assim: “ .”, uma lágrima seguida de um ponto final. Agora que aprendeu essas coisas sobre a máquina de escrever, e com uma máquina de escrever, sugiro que releia o nosso poema.

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BATIZADA Claro que, logo que entrei em sua vida, Mário inventou de querer escrever tudo em mim. A caneta e o mata-borrão respiraram aliviados. – Melhor assim, amiga. Prefiro ficar para as assinaturas, os manuscritos, os recados curtos, as listas de compras e os registros de ideias noturnas que depois se transformam em poemas, livros, estudos e projetos.


– Fico com a minha companheira caneta. Já perdi a conta de quantas vezes fui gangorreado de um lado a outro para chupar excesso de tinta. Merecemos esse descanso pelo tanto que trabalhamos. Além do mais, Manuela, nós dois simpatizamos tanto com você que temos certeza de que vamos nos dar muito bem – concordou timidamente o mata-borrão, que na maioria das vezes preferia participar em silêncio das conversas. Com o passar das semanas, até mesmo a literatura e as cartas escritas por Mário começaram a ser feitas diretamente em mim. Lembro-me da primeira carta que escrevemos juntos para o meu padrinho, Manuel Bandeira. Isso mesmo. Apesar de não nos conhecermos, meu nome foi escolhido por Mário em homenagem a Manuel. Por isso me chamo Manuela, meu nome de batismo. Lembro-me que escrevemos mais ou menos assim: “Querido Manuel, comunico que comprei esta máquina. O nome dela, que acabo de inventar, é Manuela. Não refleti nem nada. Assim a homenagem saiu do coração”. E não é que Manuel Bandeira respondeu à carta alguns dias depois? Se ainda lembro bem, ele escreveu algo como: “Parabéns, Mário, por ter adquirido a Manuela. Daqui a alguns dias também receberei uma máquina que, como retribuição ao seu carinho, 43




será batizada com um nome em sua homenagem. E como você será o padrinho, peço que me ajude na escolha de seu nome. Pensei em Mariana ou Maroquinhas. O que me diz?”. O futuro padrinho Mário, ao ler a carta, repetiu algumas vezes os nomes, atento à sua sonoridade. Disse em voz alta “Mariana”, depois “Maroquinhas”, depois “Maroquinhas”, uma careta, depois “Mariana”, um dar de ombros, “Maroquinhas” novamente seguido de “tsc, tsc, tsc”, depois “Maria”, “Mário”, “Mariona”, “Isso, Mariona”, enfim sorriu. Decidido, escreveu uma carta dizendo mais ou menos o seguinte: “Manuel, aconselho a não usar diminutivo no nome de sua máquina. Por que não usar um quase aumentativo e chamá-la de Mariona?”. Agora veja você, Manuel cogitou dar à pobre máquina o nome Maroquinhas, Mário piorou a situação ao querer batizá-la de Mariona, mas no final, para sorte da máquina, seu nome ficou sendo Mariana pelo menos para nós, objetos e máquinas. E isso graças a mim. Confesso que eu tive uma participação decisiva nessa escolha, afinal, o próprio Mário disse naquela mesma carta enviada a Manuel: “A Manuela me domina. Minha máquina de escrever é mais forte e grande do que eu”. E ele estava certo. Quando vi que Mário sugeriria Mariona, achei de péssimo gosto. Mariana é lindo, mas Mariona... 46


Ninguém merece. Pois veja bem o que fiz para sal-

vá-la desse nome desprimoroso, ou, como você diria,

ridículo. Nas duas vezes que ele teclou a letra “o” do

nome “Mariona”, eu embolei os meus pequenos bra-

ços mecânicos, que são aqueles martelinhos onde ficam as letras que são carimbadas no papel. Não sei se você sabe, mas se apertar mais de uma tecla ao

mesmo tempo em uma máquina de escrever, todos os bracinhos com letras se embolam e nenhum de-

les é carimbado direito, ou apenas o que está mais à frente.

Pois bem, quando ele apertou a tecla “o”, eu

levei à frente o braço do “u”, que foi carimbado na folha. Ele apertou o retrocesso e teclou de novo o “o”

para carimbar em cima do “u”, e nesse momento eu embolei os bracinhos e carimbei o “a”. Quando ele

conseguiu finalmente carimbar o “o”, as letras “o”, “u” e “a” ficaram tão misturadas no papel, que na leitura da carta Manuel não conseguiu entender a sugestão

de Mário e pensou que ele tivesse ficado com o nome Mariana. No final das contas, quem acabou escolhendo o nome da minha futura colega, e afilhada de

Mário, fui eu. Pois, embora Manuel a tenha chamado de Marocas, sem o diminutivo, numa de suas cartas,

eu particularmente nunca soube de ele ter usado esse nome em outras ocasiões. É que, no fundo, ela não

gostou. Sempre preferiu Mariana. Por isso sempre a 47


chamei assim. E, entre os objetos, acredite, foi esse o nome que vigorou. Nós duas nos tornamos grandes amigas e nos correspondemos muito, enquanto os dois poetas pensavam estar trocando cartas.

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[8]

MÚSICA, MAESTRO! Preciso confessar que, naquela primeira carta que Mário escreveu em mim, eu me senti um tanto ofendida com um de seus comentários destinados a Manuel Bandeira: “Estou me sentindo um tanto atrapalhado para escrever diretamente na Manuela. É que a ideia do que eu tenho para escrever foge com o barulhinho que ela faz”.


– Como assim? – gritei bem alto, mas ele só ouviu o pim do meu grito, quero dizer, da minha sineta de alerta de fim de página. Imagino que, com isso, parte de sua ideia ofensiva tenha fugido também. Afinal, isso era o que eu mais desejava. E tanto foi assim que em seguida ele continuou na linha seguinte escrevendo algo como: “Mas isso será um incômodo passageiro, querido Manuel, pois logo me acostumarei com ela”. “Ah, bom!”, pensei, mas dessa vez não emiti nenhum som que pudesse ser escutado por ele. Na verdade eu queria falar muito. Queria mesmo dizer: “Escute aqui, senhor Mário de Andrade, se o senhor quer algo sonoro para os seus ouvidos quando aperta uma tecla, vá tocar o seu piano”. Mas não consegui escrever. Falei isso de um jeito que só os objetos conseguem escutar. E o piano então falou, com toda a sua irritante e pomposa elegância, própria dos pianos art nouveau com quatro castiçais movediços: – Senhora Manuela, não se entristeça com esse comentário. Mário, além de ser escritor e pesquisador, é músico e é professor de música. Ele está atento aos sons mais sutis, por isso gosta tanto de você, que tão pouco ruído faz, comparando com as outras máquinas barulhentas, é claro. Você não tem um timbre tão encantador quanto o meu nem nunca figurará entre os instrumentos de uma orquestra, mas sabe 50


escrever poemas, coisa que eu não sei fazer. Sendo assim, queira dar-se por satisfeita, pois cada um deve fazer o que lhe cabe. E, ao lado de Mário, podemos fazer ainda melhor aquilo que tão bem sabemos fazer. Eu, boa música. Você, boa literatura. – Senhor piano, jamais quis parecer pernóstica – quis dizer: pretensiosa ou arrogante –, não pretendo ter um timbre belo e melodioso como o seu, mas posso garantir que haverá um tempo em que nós, máquinas de escrever, faremos música em uma orquestra sim, e com o nosso timbre próprio. Foi-se o tempo da arte clássica. E você é de origem clássica, meu querido, embora tenha todo espaço no Modernismo. Talvez por isso ainda pense assim, por ser clássico. Aliás, seja bem-vindo ao Modernismo, pois eu sou moderna. E como sou! Você faz boa música sim, viu? Mas música eu também posso fazer. É sobre isso que ando escrevendo nesses dias com Mário. Sobre a tal arte moderna. Talvez você esteja precisando se atualizar. – Uma máquina de escrever em uma orquestra? Faço questão de esperar sentado por esse dia – respondeu o piano com todo o peso do seu grave. – Sua licença, siô piano. Sua licença, siá máquina. Tô vendo essa peleja de um instrumento de salão com uma máquina da cidade e tenho de lançar aqui a minha modesta opinião. Meu voto fica com a 51


comadre Manuela. Siô maestro, o Vira Lobo, já colocou até tambor de congada e chapa de metal pra tocar em orquestra, por que ninguém há de colocar uma máquina de escrever? – defendeu a viola caipira. – Vira Lobo? – Eu quis saber. – Villa-Lobos, maestro Heitor Villa-Lobos. – Corrigiu altivo o piano, desdenhando a fala interiorana da viola caipira e sendo por ela interrompido imediatamente. – Mais respeito, seu piano metido a besta e fora de moda. E se tem alguém aqui que entende de moda, sou eu. Pra mim é Vira Lobo e fim de papo. Pois quem aqui me garante que um dia uma viola caipira ou uma máquina de escrever não vão participar de um concerto chique numa orquestra? Por sinal, que som bonito o da comadre! Esse tlac-tlac misturado com um sininho e depois uma catraca é o som da modernidade. Sem contar o puxar fora a folha pronta. Se é uma aposta o que se anuncia, coloco em jogo as minhas cordas, na crença de que um dia eu ainda vou ver uma máquina de escrever fazer parte de uma orquestra. – Obrigada, sinhá viola caipira. Sinto-me lisonjeada com suas palavras – respondi sentindo-me orgulhosa com o que ela disse. – Se você aposta as suas cordas, eu aposto o meu rolo de tinta, e garanto que vamos ganhar. Pra mim, um dia ainda vamos ver uma máquina de escrever participar de uma orquestra. 52


– Lamento desapontá-los. Sei que Mário tem tocado coisas novas em mim e que o maestro Villa-Lobos faz os pianos emitirem melodias nunca antes imaginadas. Posso até me enganar, considerando o caminho que as coisas vêm tomando. Uma viola caipira numa orquestra tudo bem, posso aceitar. Mas uma máquina de escrever? Vocês me fazem rir. E nisso aposto todas as minhas partituras de Bach. A aposta foi feita. E agora que o tempo passou, eu posso dizer a você que fiz muita música com Mário enquanto escrevia suas cartas, seus artigos, seus projetos, sua literatura. Os toques, aos poucos, foram ganhando um ritmo que compunha com a escrita. Mas foi só depois de algumas décadas que pude ver na televisão uma máquina de escrever tocando em uma orquestra. Uma pena que Mário não tenha presenciado isso. Ele ia adorar, tenho certeza. Foi mais ou menos uns 30 anos depois dessa nossa aposta que o compositor estadunidense Leroy Anderson fez a música The Typewriter, chamada A máquina de escrever em português. Na música, uma máquina de escrever é tocada como instrumento de uma orquestra. A viola caipira foi quem deu ao piano a notícia de que fomos vitoriosos na nossa aposta, e ela fez isso em forma de moda, pontilhando uma melodia enquanto contava tudo em rimas e dando risada. Aliás, todos nós rimos, até mesmo o piano, que a essa 53


altura já não pensava como antes. Mário mudou o seu jeito de ser e de tocar, ensinando-o a respeitar não só as coisas modernas mas também a fala e a música do povo brasileiro. Uma pena que nessa época Mário não esti­vesse mais entre nós para rir conosco, principalmente por todas essas mudanças terem começado com o movimento modernista, que abalou e transformou a arte no mundo. E que aqui no Brasil ganhou força justamente com a Semana de Arte Moderna.

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NUNCA FOMOS TÃO MODERNOS Já contei para você que nasci em 1922, um ano especial para mim e para Mário de Andrade, pois esse foi também o ano da Semana de Arte Moderna, que, por essa razão, era também chamada de Semana de 22. Mas fiquei sabendo dela só depois que aconteceu. Até hoje fico sentida por ter chegado atrasada na vida de Mário, mas não tenho culpa de não ter


nascido antes de 1922 nem de termos nos conhecido apenas uns três anos depois da Semana de 22. Talvez você ainda esteja se perguntando: “Mas como? Uma Semana de Arte Moderna e uma máquina de escrever moderna feitas há tanto tempo? Como essas coisas que nasceram há uns cem anos ainda podem ser consideradas modernas? Deveriam ser chamadas de Semana de Arte Antiga e máquina de escrever antiga”. Entendo que um século se passou e que cem anos não é tão pouco tempo. A Semana de Arte Moderna, por exemplo, aconteceu em 1922, no ano em que as pessoas comemoravam cem anos da Independência do Brasil, proclamada por Dom Pedro I em 1822. E eu posso garantir a você que, quando eu nasci, as coisas usadas por Dom Pedro I também pareciam muito antigas. Tudo bem que hoje existem celulares, televisores, computadores, internet, cinema 3-D, impressora 3-D, touch screen, drones, controle remoto, pen drives, energia nuclear, nylon, raio laser, wi-fi, entre tantas outras coisas que não existiam quando eu nasci. Do mesmo jeito, em 1922 já existiam bondes elétricos, carros, aviões, rádios, lâmpadas elétricas, máquinas de escrever, câmeras fotográficas, filmadoras, músicas gravadas em discos, cinema, plástico, zíper, raios X.

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Coisas que não existiam na época de Dom Pedro I.

E tudo isso parecia muito novo para nós, como as invenções de hoje parecem muito novas para você.

Imagine que, um pouco antes de eu nascer, as

pessoas pensavam que o progresso tinha chegado ao auge. Com os automóveis e o cinema, a fotografia e

o telefone, o rádio e o conforto das cidades, todos achavam que essa bela época, chamada em francês

de Belle Époque, não teria fim. Pois lá na Europa pensaram assim por vários anos, até que se iniciou

a Primeira Guerra Mundial e, com os horrores da guerra, o lado mais terrível do ser humano apareceu.

Toda a tecnologia que podia trazer conforto e paz, curar doenças, informar, divertir e aproximar pessoas foi usada para matar e destruir.

E o mais absurdo de tudo foi que as imagens

das mortes e da destruição provocadas pela guerra podiam ser mostradas a todo o mundo por meio de

filmagens exibidas em salas de cinema e por meio de fotos publicadas em jornais e revistas.

Foi a câmera fotográfica de Mário de Andrade

quem um dia me falou:

– Manuela, você já viu nas revistas e nos livros

de Mário os quadros antigos em que as paisagens, as

pessoas, os animais, as plantas e as coisas eram retratadas como se fossem de verdade?

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– Vi sim. São perfeitos de tão bonitos. Ou bonitos de tão perfeitos. Nem sei que ordem fica melhor para expressar a sensação que tenho ao ver esses quadros. Só sei que, de fato, parecem reais. – Isso mesmo. Eram as pinturas realistas. Agora, imagine. Depois que nós, câmeras fotográficas, surgimos, passou a ser possível registrar as coisas reais rapidamente. Até mesmo a imagem de uma pessoa pulando, piscando os olhos, fazendo uma careta, correndo. Isso sem precisar ficar dias pintando e contemplando uma paisagem ou um modelo vivo imóvel. Quando surgimos, as pessoas chegaram a dizer que os pintores de quadros deixariam de existir. – Tem sentido. Se uma paisagem, uma pessoa, um objeto, um animal, um palácio, uma casa, seja lá o que for, podem ser fotografados exatamente como são, para que pintá-los de modo realista? – Por isso e por muitas outras transformações que aconteceram nesse mesmo período, o mundo mudou muito em pouco tempo. E a arte também. Não fazia mais sentido pintar a mesma coisa que uma máquina fotográfica era capaz de fazer. Alguns artistas começaram a perceber que, com essa velocidade toda, o mundo estava cada vez mais fracionado, e a vida, mais rápida. Com as guerras, então, foi possível ver que o poder de destruição era muito maior do que o de cem anos antes. 58


– Nossa! Eu nunca tinha pensado nisso. Você

aprendeu tudo isso fotografando?

– “Fotando”, Manuela. Com Mário eu aprendi

a “fotar”, não a fotografar. É que ele me leva para

mui­tos lugares e posso registrar com o meu olhar mui-

tas coisas diferentes. Também participei de algumas conversas, conferências e pesquisas com Mário. Nós

e todas essas outras invenções somos modernas. E

a arte, para nos acompanhar, precisou se modernizar também. Mário foi um dos primeiros artistas do

Brasil a perceber como a arte estava mudando. Foi assim que ele se reuniu com outros artistas e juntos fizeram a Semana de 22.

– Eu já ouvi falar algumas vezes desse even-

to. Acho que guardei na minha memória por ele ter acontecido justamente no ano em que nasci.

Gostaria de saber mais sobre essa tal Semana. Você pode me contar como foi?

– Infelizmente eu também não estive no even-

to. Eu e Mário nos conhecemos em 1923 e, logo que me comprou, ele me batizou com o nome de Coda-

que. Mas quando ele escreve o meu nome, não o faz do mesmo modo que você lê em mim, com “k”, mas

sim iniciando com “c” e usando “q”, “u”, “e” no final. Mário aportuguesou o meu nome. Artes de um escritor antropófago, Manuela. 59


– Antropófago? – Sim, aos poucos você vai entender melhor. Mas eu poderia resumir dizendo que ele fez questão de degustar o meu nome estrangeiro original, depois o digeriu e, por fim, o recriou, me rebatizando com as letras que seriam usadas no Brasil para escrever a mesma palavra: Codaque, “c”, “o”, “d”, “a”, “q”, “u”, “e”. – Acho que estou começando a entender. A propósito... Co-da-que. Codaque. Lembro-me de eu e Mário termos escrito o seu nome em alguma carta, mas não sabia que se tratava de você. Adorei o seu nome, Codaque! – Obrigada! Também gosto muito do meu nome. Podemos convidar a caneta-tinteiro para participar da nossa conversa, pois foi ela quem assinou com Mário os documentos mais importantes do evento e pôde assistir a tudo de camarote, e em posição privilegiadíssima, no canto da lapela do bolso do seu paletó.

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O TERREMOTO QUE DUROU QUASE UMA SEMANA Codaque fez o seu clique duas vezes e eu fiz o meu tlac-tlac seguido de um toque de sineta. Desse modo, chamamos a caneta-tinteiro para a nossa conversa. A caneta prontamente nos atendeu, enquanto Codaque dava tom ao diálogo: – Caneta, eu estava dizendo a Manuela que, com as tantas mudanças no mundo, surgiu na Europa um jeito diferente de fazer arte, o movimento chamado


Modernismo, atento aos temas atuais, como a Guerra Mundial, a velocidade das grandes cidades e uma construção nova da identidade nacional. – Ah, sim, Codaque – entrou na conversa a caneta-tinteiro –, lembro-me dos tantos resumos e rascunhos de artigos sobre Modernismo que escrevi com Mário. E também das cartas que redigimos juntos muito antes da Semana de 22. O que aconteceu foi que vários artistas brasileiros, inspirados no movimento modernista europeu, resolveram deixar para trás o antigo modo de fazer arte. Eles então começaram a se reunir e a usar os temas urbanos e regionais do Modernismo de um jeito muito brasileiro. A Semana de Arte Moderna surgiu para isso, para fazer a nossa arte ter cada vez mais a cara do Brasil. – Eu me lembro de você ter me contado das reuniões de organização desse evento. Alguns desses artistas decidiram organizar aqui em São Paulo a Semana de Arte Moderna para apresentar ao Brasil o Modernismo e também para começar a mudar o antigo jeito de fazer arte no nosso país e de mostrar a arte brasileira para o mundo, não foi isso? – Exatamente, Codaque. – Mas foi Mário quem organizou o evento? – Não só ele, Manuela. Foi todo um trabalho de equipe. Muitos artistas estavam envolvidos. 62


O escritor Oswald de Andrade e o pintor Di Cavalcanti organizaram o evento diretamente. Mário de

Andrade também participou de sua criação. Mesmo

tendo sido coordenado principalmente por esses

três, o trabalho não foi feito só por eles. Afinal, seria o maior evento de arte até então realizado no Brasil.

– E foi uma semana inteira de exposições e

apresentações artísticas? De segunda a domingo?

– Aí é que você se engana, Manuela – esclareceu

a caneta. – Apesar de se chamar Semana, o evento aconteceu em apenas três dias: uma segunda-feira, uma quarta-feira e uma sexta-feira. O Teatro

Municipal de São Paulo foi o lugar escolhido pelos artistas para apresentar a sua arte moderna ao público.

– Três dias? Mas como em apenas três dias foi

possível fazer tanta coisa?

– Foram três dias repletos de novidades. Eram coi-

sas muito distintas do que as pessoas estavam acos-

tumadas a chamar de arte: um jeito todo diferente de dançar, de esculpir e de pintar. Eram movimentos

audaciosos, formas inovadoras, imagens duplas, assimétricas, geométricas, manchadas, quase desman-

chadas, desfeitas e refeitas. Outra novidade que nós,

que somos das letras, adoramos foi uma maior liber-

dade no jeito de fazer literatura, como a ausência 63


de rimas em poemas cheios de ritmo e o uso de palavras faladas pelas pessoas simples. Pelas mãos de Mário eu anotei muito sobre as novas criações. Você vai ver, Manuela, como ele usa com maestria esses recursos na literatura. Em pouco tempo você vai saber falar de tudo isso com muita propriedade, tenho certeza. Enquanto escutava, eu imaginava em palavras cada momento narrado e descrito pela caneta-tinteiro, como se eu tivesse participado desse evento tão importante para a arte brasileira. A viola caipira, que acompanhava a conversa tranquila, encostada na parede, adentrou na prosa: – Siá Manuela, lembra do que eu falei naquele dia? E o siô piano teimando que nunca vai ter máquina de escrever numa orquestra. Quer ver? Escuta. Na Semana de Arte Moderna teve até som de folhas de metal e de tambores de festas do povo no meio da orquestra. Bem do ladinho dos violinos, contrabaixos, violoncelos, oboés, clarinetes e fagotes. Todo esse povaréu em coro. E o maestro Lobisomem um dia garantiu... Aquele que vira lobo que eu te falei. Ele disse bem na minha frente que até viola caipira vai entrar pra orquestra. E eu garanto que, se folha de metal entra, claro que também tem lugar pra máquina de escrever. Escreve o que eu estou falando, Manuela. 64


– Acredito, sinhá viola – concordei. E de fato, como anos depois nós pudemos confirmar, ela estava certa. Eu estava fascinada com aquela conversa. A Semana de 22 mostrou um novo modo de experimentar formas artísticas mais livres com figuras, palavras, movimentos, sons e rostos mais brasileiros. Coisas que naquela época não eram vistas como arte. Agora tente imaginar um terremoto abalando as colunas de um prédio enorme, muito forte e muito resistente. Para mim e para Codaque, que na época ainda não estávamos na vida de Mário, a Semana de 22 podia ser entendida como um terremoto que fez tremer as estruturas do prédio da arte brasileira para, aos poucos, a arte moderna ganhar espaço no nosso país, e a arte brasileira ganhar, cada vez mais, espaço no mundo. Enquanto eu refletia cá com os meus botões, os meus colegas continuavam a prosa.

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TREMORES E ABALOS EM DETALHES – Foi bem assim, Manuela – disse a caneta bico de pena, animada –, logo na segunda-feira os modernistas deixaram o público um tanto assustado com um jeito totalmente novo de pintar quadros e de fazer esculturas. Só pra você ter uma ideia, foram exibidas obras de Anita Malfatti, Zina Aita, Victor Brecheret, Di Cavalcanti e outros artistas. Tarsila do Amaral não participou da Semana de 22 porque estava em Paris. Esse dia foi até tranquilo,


viu? Quem deu a primeira palestra no evento foi o escritor Graça Aranha, sobre a emoção estética da arte moderna. Durante a fala de Graça Aranha, foram apresentados musicais regidos pelo maestro Ernani Braga e poemas declamados por Ronald de Carvalho e Guilherme de Almeida. – Pelo jeito as pessoas não se espantaram tanto com a nova arte. – Escuta, siá Manuela, que comadre caneta ainda não contou a melhor parte. Foi na quarta-feira que o angu começou a empelotar. Quer ver? Escuta... – Comadre viola tem razão, Manuela. Você ainda não sabe da missa um terço. Na quarta teve apresentação de dança, de música e de literatura. Lembro-me do quanto chacoalhei no paletó de Mário prendendo-me à boca do bolso e me esgueirando pela borda da lapela pra não perder nada. Também foram muitas as anotações, a maioria delas escrita no meio de toda aquela tensão. Pude escutar nas reações a grande irritação do público. Para acalmar o povo, Guiomar Novaes tocou alguns clássicos da música conhecidos por todos. Os artistas modernistas não gostaram nada disso, pois queriam mesmo era chocar e abalar aqueles que não aceitavam a nova arte. Menotti del Picchia deu uma palestra sobre a arte estética dos novos escritores dos novos tempos. Foi quando começaram as vaias. 67


– Queria muito ter estado lá pra “fotar”, como

diria Mário, todos esses momentos.

– Ah, dona Codaca, eu também queria ter ido a

essa semana da arte. Escutei tudo da comadre caneta,

que viu tudinho. Inda teve a parte do Vira Lobo nesse dia, não foi, comadre?

– Sim, comadre viola, teve muito mais. Quando

Oswald de Andrade entrou, as vaias ficaram ainda

mais fortes. Tinha gente latindo, gritando, mugindo,

miando, urrando, esmurrando. Foi um horror. Depois veio a apresentação do maestro Heitor Villa-Lobos,

que entrou no palco usando um guarda-chuva como bengala e calçando chinelos, pode? Mas as coisas ficaram mesmo quentes naquela noite quando Ro-

nald de Carvalho leu o poema “Os sapos”, de Manuel Bandeira.

– Meu padrinho Manuel estava lá? – Não. Ele não pôde participar. Tinha uma

tuberculose. Lembro-me de ter escrito com Mário

uma carta para ele contando como havia sido a leitura do seu poema “Os sapos” no evento. O poema do

seu padrinho apresenta o sapo-tanoeiro como aquele

que defende o jeito tradicional de fazer poema dos poetas parnasianos. Uma coisa toda enfeitada, empolada e lapidada. Depois traz o sapo-cururu, que repre-

senta o poeta modernista, que luta pela liberdade na 68


arte de fazer poesia com o modo de dizer das pessoas do povo e as palavras usadas no dia a dia. Manuela, eu posso até te contar e, sem ter assistido pessoalmente, você pode até imaginar como foi, mas só mesmo quem esteve lá sabe de fato como o negócio esquentou. Enquanto Ronald de Carvalho fazia a leitura do poema do seu padrinho, as pessoas chegaram a fazer coro e gritar para atrapalhar sua leitura, mas nem assim ele parou. Continuou firme e forte, lendo cada vez mais alto. E as vaias também aumentavam em intensidade. Parecia que não iam acabar nunca. – Que mexerico, menina! – Hoje eu diria: “Que babado, menina!”. – Isso deve ter saído em todos os jornais! Estou com as teclas caídas! – Saiu em vários jornais – continuou a caneta. – E na maioria deles se falava muito mal do evento. No dia seguinte, o assunto em algumas rodas de conversa da cidade era esse. E a sexta-feira ficou reservada apenas para a música de Villa-Lobos, que, além de apresentar músicas e instrumentos bem diferentes do que as pessoas estavam acostumadas a escutar em uma orquestra, entrou com um pé calçando um sapato e o outro calçando um chinelo. E isso não era só para provocar não. Dizem que ele entrou assim por conta de um calo inflamado no seu pé. Mas, é claro, todos vaiaram muito, e com vontade. 69


– Também pudera. As pessoas estavam acostumadas com um jeito todo arrumadinho de pintar quadros, de dançar, de esculpir, de compor e tocar música, de escrever poemas e fazer literatura. Vem uma turma e vira tudo de pernas para o ar. Eu nasci atrasada mesmo, viu? Cheguei atrasada demais para o evento do século. Uma pena! Mas me diga, em resumo, por conta disso tudo você não acha que a Semana de Arte Moderna acabou sendo um fracasso? – Muito ao contrário. E sobre isso eu escrevi muitos textos com Mário. Eram coisas tão novas e tão modernas que a Semana foi um verdadeiro sucesso. Quero dizer, apesar de a maioria das pessoas ter vaiado e de quase todos os jornais terem falado muito mal do evento, a Semana de Arte Moderna foi tão comentada que aos poucos começou a fazer as pessoas questionarem o que é arte. Por isso, posso te assegurar, Manuela, que ela obteve pleno sucesso. – Entendeu agora por que foi que eu chamei a caneta para a nossa conversa? Ela é quem sabe dos detalhes mais quentes para te contar. E foi por isso que eu comecei o nosso diálogo falando de todas essas mudanças no modo de fazer arte desde que nós, que somos máquinas modernas, fomos inventadas. Eu não sabia o que dizer. Estava sem palavras. Fiquei estupefata, pasmada, embasbacada. Ou, como dizem hoje em dia: passada! 70


E só agora, quase um século depois dessa conversa que tivemos na nossa casa, onde morávamos com Mário de Andrade, pude entender que o jeito de fazer arte da Semana de Arte Moderna invadiu todos os lugares. Hoje ele está nos rótulos dos refrigerantes, nas capas dos livros, nos clipes musicais, nas propagandas da TV e da internet, nos formatos dos prédios, nos móveis, nos aplicativos de celulares, no design de ventiladores, em joysticks, brinquedos, mouses, aviões, pen drives, praças, skates, bicicletas e em muitos outros objetos.

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MACUNAÍMA E A REINVENÇÃO DO BRASIL Com Mário aprendi muitas coisas. Principalmente a escrever documentos, cartas e projetos, estudos sobre literatura, música e folclore, artigos, poemas e romances. Ser máquina de escritor e pesquisador é isso. Também soube de muitos acontecimentos escutando a leitura de suas cartas e de seus livros, participando de reuniões com seus amigos artistas e conversando com os meus colegas, o piano, a viola caipira, a caneta-tinteiro, o mata-borrão e a Codaque.


E, no meio dessas tantas produções de livros, artigos, poemas e revistas, Mário decidiu fazer algumas viagens de pesquisa pelo Brasil. Fiquei toda macambúzia, sorumbática e taciturna. Cá estou eu a usar novamente palavras pouco faladas nos dias de hoje. Em resumo, fiquei triste. Mas no fundo não fiquei só triste. Foi muito pior do que isso. Eu fiquei mesmo foi macambúzia, sorumbática e taciturna. No dia em que você estiver muito triste, mas muito mesmo, você saberá como eu me senti. Então fique à vontade para usar esses adjetivos que eu uso, talvez eles expressem com maior profundidade o tamanho da sua tristeza. Foi tão grande a minha desolação que Mário percebeu. Ele olhou para mim e decidiu me levar junto para onde fosse. E foi em uma das nossas viagens, dessa vez para Araraquara, no interior de São Paulo, que escrevemos Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Em poucos dias o livro estava pronto. Na verdade, ele já vinha sendo preparado há um tempo na cabeça de Mário. Era como se o escritor se alimentasse de todas as coisas que lia, via e estudava sobre o movimento modernista para depois criar algo totalmente brasileiro e novo. Como os povos canibais, ou antropófagos, se alimentavam dos inimigos para adquirir a sua força, assim Mário produzia a sua literatura. 73


Uma literatura antropofágica, que comia e devorava o que vinha de fora. Que se alimentava do Modernismo e das vanguardas europeias e que, depois de devorá-los, fazia com que os mitos, as histórias, as lendas e os contos do interior do Brasil também deglutissem e digerissem essas culturas que vêm de fora e ganhassem força, muita força, transformando-se e transformando-as em algo totalmente nacional, original e novo. E eu vivia o raro privilégio de buscar junto com ele um amuleto muito mais precioso do que a muiraquitã, pedra mágica da região amazônica. Buscávamos juntos o Brasil. Macunaíma nasceu em uma tribo amazônica no Norte do Brasil e é o herói de nossa gente, o fundador da cultura da nossa gente, da gente do Brasil. Quando escrevi, incomodei-me muito com o fato de Macunaíma, o nosso herói, não ter nenhum caráter. Fiquei banzando – quero dizer: matutando, pensando, cismando – muito sobre isso. Na primeira oportunidade que tive, perguntei ao senhor dicionário, que estava sobre a mesa usada por Mário em nossa viagem: – Meu caro dicionário, eu e Mário estamos escrevendo a história de um herói sem nenhum caráter, que é o herói do povo brasileiro. E eu não consigo entender. Como assim, sem nenhum caráter? Quer dizer que Macunaíma, o nosso herói, é um patife, um canalha, um sujeito desprezível e ordinário? Gostaria 74


de saber mais sobre a palavra “caráter” para entender o livro que estamos escrevendo. O que você, nobre dicionário, que é a grande coleção de palavras e significados da nossa língua, tem a me dizer? – Caríssima Remington, “caráter” significa honestidade sim, como você afirmou. Por isso você tem razão ao pensar que um herói sem nenhum caráter pode ser considerado um herói desprezível. Mas veja bem, caráter também é o mesmo que sinal, como as letras, os números, os símbolos e os sinais de pontuação que você carimba nas folhas, por isso o nome “caracteres”. Não ter caráter também pode ser não ter sinais ou marcas. Uma folha em branco, por exemplo, pode ser considerada sem caráter. Para completar, caráter pode ser também cada característica que diferencia os seres entre si ou aquilo que caracteriza determinado grupo de coisas, de pessoas ou de seres. Não se prenda a um único significado. Busque outras leituras de uma mesma palavra para expandir as possibilidades de interpretação e de produção de sentido. – Puxa! Agora sim começo a expandir meu enten-

dimento, dicionário. Pensando nesses outros significados, se Macunaíma é um herói que não tem nenhuma característica exclusiva e é o herói do Brasil, talvez

Mário esteja fazendo isso para representar, por meio

desse herói, um povo que é a mistura de outros tantos povos. E o povo brasileiro tem tantas características 75


diferentes que no final das contas as pessoas do nosso povo não têm uma característica definida que seja

comum a todas. Não têm um caráter comum. A não ser essa diversidade. Deve ser por isso que Macunaíma

toma diversas formas e assume diferentes características ao longo da história que estamos escrevendo.

Agradeci ao dicionário pela explicação e, assim

que Mário retornou à mesa, continuamos produ­

zindo. E a cada novo trecho eu compreendia ainda mais a bela falta de caráter do nosso herói.

Outra parte que me intrigava muito na história

era a frase sempre repetida por Macunaíma: – Ai! Que preguiça! . . .

Depois que o livro ficou pronto, escutei Mário

falar inúmeras vezes sobre isso em suas conferências, cartas, conversas e artigos, mas eu, de verdade,

encontrei o meu melhor entendimento dessa frase apenas recentemente, quando recebi no meu museu itinerante um grupo de estudantes adolescentes.

A visita corria bem. Naquele dia ninguém chegou a me confundir com um notebook antigo. Quem me reconhecia dizia que eu era uma máquina de escrever antiga, e pronto. Eu já estava acostumada com isso.

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Acontece que, a certa altura da visita, quatro adolescentes começaram uma conversa que foi mais ou menos assim: – Isabel, não sei se você tá sabendo, mas Jaci me contou que seu irmão ficou com Francislayne, mas que ele no fundo tá mesmo é a fim de mim. Claudiele viu quando Jaci contou, não foi, Clau? Isabel permaneceu quieta olhando as minhas teclas, enquanto uma segunda adolescente confir­ mava a fala da primeira: – Foi mesmo. Eu tava lá. Se você não acredita, Jaci tá bem ali pra confirmar. Ela falou mesmo. Paola também tava lá, não é que foi, Paola? Rondiley pode até ter ficado com Francislayne, mas ele gosta mesmo é de Yumi. E eu tô de prova. Desculpa aí, mas só tô falando pra você porque sou muito sua amiga e ele é seu irmão, tendeu? Isabel continuou em silêncio, enquanto examinava com atenção os meus muitos braços com letrinhas, símbolos, números e sinais de pontuação. Caracteres. Caráteres. Quando a terceira adolescente intimou Isabel: – Você não vai falar nada, Bel?

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Isabel terminou de me olhar ainda em silêncio, depois girou a cabeça energicamente em direção à parede que sustentava quadros, discos e manuscritos do acervo e disse com desdém, enquanto saía andando com decisão e dizia com indiferença: – Preguiça eterna! . . . Eu vi Macunaíma naquela cena. Vi mesmo. Juro. A antropofagia devorando nomes estrangeiros e os tornando brasileiros. A falta de um caráter único no meio da grande diversidade de características físicas daquelas meninas. E, principalmente, a preguiça das tretas, das neuras, das pelejas desnecessárias. Preguiça de ter de falar, como a expressada por Macunaíma quando, na primeira página do livro, é dito que ele ficou mais de seis anos sem falar. E se alguém o estimulava a falar, ele dizia: – Ai! Que preguiça! . . . Ou, diante de uma competição ou conflito desnecessário, também dizia: – Ai! Que preguiça! . . . Fosse hoje, ele talvez dissesse: – Preguiça eterna! . . .

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O GRUPO DOS CINCO Nossa casa vivia apinhada, cheia de artistas e pensadores. Claro que Mário também apreciava ficar sozinho em meio a nós, seus objetos amigos. Numa tarde em que ele tinha saído, a caneta-tinteiro me contou que muitas coisas haviam acontecido antes da minha chegada. E quem iniciou a conversa fui eu: – Não entendi. Mário anotou algumas coisas num papel, apanhou o seu chapéu e saiu lépido pela porta.


– Atualizando, como se eu não continuasse sendo atual e moderna: com “lépido” eu quis dizer “alegre e radiante”. – Sim, Manuela. Fizemos juntos uma lista de compras. A quantidade de vinhos e de ingredientes para os canapés indica que hoje teremos uma reunião de artistas nesta casa. – Uma festa! Que ótimo! – Na época da Semana de 22, as festas, ou reuniões, aconteciam com uma frequência muito maior. E eu estava sempre pronta para anotar qualquer ideia que surgisse. Mário conheceu Di Cavalcanti e Oswald de Andrade cinco anos antes da Semana de Arte Moderna. Contam que os três estavam juntos quando visitaram a exposição de Anita Malfatti. E eu ouvi dizer que eles tiveram um verdadeiro ataque de riso quando viram seus quadros. – Eles riram dos quadros de Anita? – E como riram. Muito mais pelo estranhamento do novo do que pela qualidade de seu trabalho. Uma língua malvada chegou a dizer que, se eles tivessem ao alcance o nosso amigo mata-borrão, os três talvez debochassem fingindo tirar a tinta do quadro, como se a obra fosse uma coleção de borrões, e não uma pintura. Eu, por minha vez, não penso que chegaria a tanto. Para mim, foi muito mais um 81


riso daquele tipo que quer botar para fora a sensação de realização do desejo contido de ver uma arte renovada sendo feita aqui no Brasil. Riso quase de desespero, sabe? – Mas... quem não entende pode achar que eles fizeram exatamente o que o público fez com a arte deles na Semana de Arte Moderna. – Faz sentido, Manuela. Realmente não é fácil abrir-se para o novo, sobretudo para o que é extremamente novo, mesmo para quem está disposto a isso. E aqueles três tinham muita disposição e vontade de ver o Modernismo triunfar no Brasil. Tanto foi assim que eles retornaram à exposição outras vezes e entenderam que a arte de Anita era uma arte nova, moderna, com influências cubistas e expressionistas. E se tornaram grandes amigos dela. Veja, Manuela, aqueles quadros na parede estavam na exposição de Anita. E hoje estão aqui, na sala de Mário. – Eu já tinha visto aqueles quadros na parede. Codaque me falou os seus títulos numa das nossas conversas. Sempre fiquei intrigada com O homem amarelo. Ele parece estar se sentindo tenso e desconfortável, pronto para sair de sua cadeira a qualquer momento. E aquele outro, O japonês. Por mais letras que eu tenha, fico sem palavras para dizer alguma coisa. 82


– Contam que Monteiro Lobato caiu em cima,

detonando a exposição de Anita em suas críticas nos jornais. Então Mário, Oswald e Menotti del Picchia vieram em defesa dela. Anita foi muito ousada, muito

corajosa. Sua exposição foi a primeira mostra de uma artista brasileira modernista feita no Brasil.

– Nossa, quanto orgulho sinto ao saber disso

tudo! Quando escrevia cartas para ela, ou datilografa-

va artigos sobre o seu trabalho, não fazia ideia desse seu pioneirismo.

– Outro grande amigo de Mário é o escultor

Victor Brecheret. Ele fez aquela Cabeça de Cristo com trancinhas que está ali. E esse foi outro babado quente, amiga. A família de Mário ficou chocada

ao ver Cristo com trancinhas. Graças a essa reação, surgiu a ideia do livro Pauliceia Desvairada de Mário,

que se viu diante dos desvarios de uma São Paulo tão tresloucada.

– Mas e Tarsila? Se ela não esteve na Semana de

22, quando foi que ela entrou para o grupo?

– Tarsila do Amaral chegou de Paris logo após

o evento. Foi Anita quem a encontrou e a convidou

para formarem o “Grupo dos Cinco”, composto por Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Mário de Andra-

de, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia. Foi

nessa época que essa casa contou com as suas mais 83


animadas reuniões, com discussões sobre arte, muita

música, desenho, pintura e poesia. Isso quando não saíam por aí no Cadillac verde de Oswald. E eu ia

junto contemplando a paisagem do bolso do paletó de Mário.

– Deviam ser as reuniões mais badaladas de

toda a Pauliceia Desvairada, minha amiga. Uma pena

que nessa época eu ainda estava guardada no estoque da fábrica, em Nova York.

– Foram sim, minha querida Manuela. Certa-

mente foram as reuniões mais incríveis da arte modernista no Brasil. Mas, como diz o ditado, tudo que é bom dura pouco. Em 1923, Oswald e Tarsila foram

viver juntos em Paris, Anita também se mudou para

a Europa. Di Cavalcanti e Victor Brecheret haviam partido. Mário ficou sozinho no Brasil. Daí a sua necessidade de escrever cartas, de saber dos amigos, de lhes pedir para voltar.

– Foi quando eu cheguei à vida de Mário. Era o

seu momento mais solitário...

– Sim, você chegou poucos meses depois de ele

ter viajado a Minas Gerais para um de seus estudos

sobre as cidades históricas. Até mesmo Oswald e Tar-

sila vieram de Paris para essa viagem, junto a outros artistas e pesquisadores. Foi num desses dias, em Belo

Horizonte, que Mário conheceu Carlos Drummond 84


de Andrade. Ao contrário do que alguns pensam, apesar de Mário, Oswald e Carlos Drummond terem “Andrade” no sobrenome, eles não têm nenhum grau de parentesco. – Carlos Drummond de Andrade. Conheço bem esse nome. Mário troca muitas correspondências com ele. Com Manuel, meu padrinho, também. Leio tanto sobre o Rio de Janeiro nas cartas dos dois que tenho esperança de um dia conhecer aquela cidade maravilhosa. Fomos juntos a Araraquara para escrever Macunaíma e também viajamos para outros estados. Mas para mim ainda falta conhecer o Rio de Janeiro... – Manuela, é melhor pararmos a nossa conversa. Escuto passos. Mário deve estar voltando. – Verdade. Para você, bico calado ou, mais especificamente, bico de pena calado. E, para mim, teclas paradas.

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TUPY OR NOT TUPY Não demorou muito, os canapés estavam dispostos à mesa e o vinho servido, enquanto os convivas, quero dizer, convidados, iam chegando aos poucos. Raul Bopp, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral chegaram cedo e a conversa fluía solta. Depois de transitar por vários temas, o assunto do momento tratava da Revista de Antropofagia, que entraria em sua


“primeira dentição”, como seria chamada a sua primeira fase pelos modernistas antropófagos. Enquanto conversavam, os outros convidados iam chegando.

– De aniversário. Isso mesmo. No dia 11 de

janeiro deste ano presenteei meu querido Oswald

com o quadro Abaporu, como presente de aniversário – confirmava Tarsila.

– Eu, por sinal, adorei, querida. E para que

todos saibam, foi o presente mais antropofágico que já ganhei. Quando Bopp viu a obra, deu logo a

ideia de criarmos o Clube Antropófago e a Revista de Antropofagia, que com este manifesto terá inaugurado o seu primeiro número.

– “Abaporu” em tupi-guarani quer dizer antropó-

fago, ou seja, gente que se alimenta de gente. Por isso

propus lançarmos a Revista de Antropofagia. Oswald, logo em seguida, me enviou o seu Manifesto antropó-

fago. Li e achei muito mais marcante que o anterior, o Manifesto pau-brasil. Fiz inclusive algumas observações. Você também leu o novo manifesto, Mário?

– Sim, Raul, Oswald me mostrou e eu também

pude contribuir um pouco. Não sei como ficou depois

de pronto. Gostaria de conhecê-lo em sua versão final. Oswald, então, percebendo que todos os con-

vidados já haviam chegado, levantou-se, ajeitou em

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suas mãos o papel com o manifesto e anunciou a sua leitura: – Senhoras e senhores, com as importantes contribuições de Mário de Andrade e de Raul Bopp, eu tracejei as linhas do Manifesto antropófago que ora será lido, nesta reunião memorável. Considero relevante destacar que estamos em 1928, ano 372 da Deglutição do bispo Sardinha. Para nós, antropófagos, a contagem do calendário passa a tomar como ano zero a data em que o povo indígena caeté se alimentou das carnes do bispo Pero Fernandes Sardinha. Destaco um leve erro de datilografia que cometi. Teclei o “4” no lugar do “2”, e no manifesto consta ano 374, embora estejamos no ano 372 da Deglutição do bispo Sardinha. Ajude-me a lembrar, Raul, de consertar esse equívoco antes de publicarmos. Pigarreou, depois leu: – Manifesto antropófago. Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupy, or not tupy that is the question.4 Nesse momento houve uma pausa na leitura enquanto todos o aplaudiam e ovacionavam pela leitura da frase “Tupy, or not tupy that is the question”.

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Com certeza você deve se lembrar da famosa frase de William Shakespeare, da obra Hamlet, “Ser ou não ser, eis a questão”, traduzida do inglês “To be or not to be, that is the question”. Oswald de Andrade deglutia essa frase inglesa e, na defesa da cultura indígena e brasileira, a transformava de modo antropofágico em algo autenticamente brasileiro ao afirmar “Tupy, or not tupy that is the question”. A leitura continuou até o fim. Assim nasceu a Revista de Antropofagia, que teve em sua primeira dentição dez números com escritos de Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Raul Bopp, Carlos Drummond de Andrade, Plínio Salgado, Cassiano Ricardo, entre outros, e com desenhos de Tarsila do Amaral. Raul Bopp ficou na gerência da revista, enquanto Antônio de Alcântara Machado a dirigiu. A segunda dentição se iniciou em março do ano seguinte, mas sobre ela eu não sei falar muita coisa, pois nessa época Mário deixou de contribuir para a revista e rompeu relações com Oswald. Tempos depois, Tarsila e Oswald se separaram.

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NA CIDADE MARAVILHOSA Eu já falei algumas vezes da minha vontade de conhecer o Rio de Janeiro. Mas ainda que o meu querido padrinho Manuel e a minha querida amiga Mariana falassem tanto do Rio por viverem lá, eu tinha a impressão de que nunca conheceria a Cidade Maravilhosa. Em 1931, Mário foi convidado para participar do Salão Revolucionário no Rio de Janeiro. Claro que fiquei macambúzia, sorumbática e taciturna. Mesmo


ficando assim, dessa vez ele não me levou junto. O evento foi organizado por Lúcio Costa, o mesmo que anos depois projetaria a cidade de Brasília ao lado de Oscar Niemeyer, e reuniu obras de Anita, Tarsila, Brecheret, Guignard, Cícero Dias, Ismael Nery e Candido Portinari. Ainda que o Salão tenha sido realizado nove anos depois da Semana de Arte Moderna, as polêmicas provocadas pelas obras de arte nele apresentadas foram enormes e causaram tanto rebuliço que Lúcio Costa, seu organizador, chegou a ser despedido da Escola Nacional de Belas Artes, onde trabalhava. Foi no Salão que Mário conheceu Candido Portinari. Os dois tornaram-se grandes amigos e trocaram muitas cartas. De volta à Pauliceia Desvairada, Mário continuou seus trabalhos. E passados alguns anos, depois de um bom tempo dirigindo o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo e desenvolvendo muitos projetos importantes para a nossa cultura, ele foi mandado embora, assim... sem mais nem menos... Simplesmente porque alguém muito influente, que pensava diferente do modo dele de pensar, achou um dia que não era legal ele continuar cuidando da cultura da cidade de São Paulo. Coisas estranhas da política do nosso país. Claro que dessa vez foi Mário quem ficou macambúzio, sorumbático e taciturno. Acontece 91


que, nas minhas correspondências com Mariana, eu já tinha dado um jeito de contar a ela sobre a minha vontade de conhecer o Rio. E quando Mário escreveu para Manuel falando de toda a sua tristeza, Mariana foi movendo as teclinhas e convencendo Manuel a insistir com Mário para que ele se mudasse pra lá. E dessa vez, é claro, eu iria junto. Foi assim que, em 1938, nos mudamos para a Cidade Maravilhosa, que recebeu esse título depois que André Filho compôs a marchinha de carnaval Cidade Maravilhosa e a gravou, em 1934, ao lado de Aurora Miranda, irmã da cantora Carmen Miranda. No Rio, Mário assumiu a diretoria do Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal e pôde ficar mais perto de seus amigos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Candido Portinari. Eu também fiquei ainda mais amiga de todos eles. E de Mariana, é claro. Apesar de nós duas vivermos cada uma na própria casa, vivíamos agora na mesma cidade e, para o meu desespero, respirávamos não apenas o mesmo ar mas também a mesma maresia. Socorro!!! Portinari e sua esposa, Maria, viraram a família de Mário, enquanto um dos lápis franceses preferidos de Portinari passou a fazer parte da minha 92


família de objetos amigos. Um dia, eu e o lápis estávamos conversando. Ele descrevia, com seu sotaque francês, algumas coisas que já havia vivido ao lado de seu dono: – Começamos nossa parceria em Paris, foi

lá também que ele e madame Maria se conheceram. Somos cada um de um país différent. Candido é

brasileiro, Maria é uruguaia e eu sou francês. Muito chic, não acha? Fizemos muitos croquis na France e

no Brésil. Lembro-me de um dia em que ficamos por tanto temps apreciando um flautista tocando chorinho

num morro do Rio que os meus traços e as minhas

linhas ficaram quase mélodiques. Em meus riscos de grafite em dégradé, eu sugeria as futuras cores que o

quadro receberia, a camisa blanche , a terra marron, a calça beige. Assim, nós juntos retratamos as paisagens, as cores, as linhas e as dores do povo.

– Sei bem, senhor lápis, o que está dizendo. Às

vezes, mesmo sem estar em cada esquina do Rio com Mário, posso perceber, em sua escrita, o que cada

uma das pessoas dessa cidade sente, posso ver cada

paisagem, sentir cada perfume, cada textura, cada sabor nas palavras do escritor.

– Pois fui eu quem desenhei com ele os

croquis dos afrescos, painéis e azulejos do Palácio do

Ministério da Educação e Cultura, o prédio do MEC. 93


Era tudo tão grandiose que pensei que eu fosse me acabar naqueles dias. Pois veja como estou gasto.

Aponta daqui, raspa grafite dali e em pouco temps eu

seria um toquinho pronto pra ir para o lixo. Mas a

gratitude de Portinari me fez permanecer com ele em seu atelier e até mesmo frequentar com ele alguns

vernissages. Hoje quase não sou mais usado. É como se eu fosse membro permanente do conselho dos

lápis do grande artiste Candido Portinari. Talvez eu tenha sido escolhido para ser guardado por ele ter

iniciado uma nova fase comigo, ou por eu ter feito

os croquis do prédio do MEC e de tantas outras obras importantes, não sei. Sei que estou aqui. E aqui

permanecerei vendo cada nova peinture e apreciando as constantes mudanças de seu trabalho artistique.

– Imagino como se sente, meu amigo. Já convivi

com vários lápis que foram descartados. As canetas costumam ficar por muito tempo na vida das pessoas, e nós, máquinas de escrever, também.

Quando tivemos essa conversa, juro que não

imaginava que um dia as canetas também se torna-

riam descartáveis e até mesmo os teclados, notebooks

e celulares seriam jogados fora com pouco tempo de

uso. Confesso que há vantagens em ser uma máquina de escrever nascida em 1922, num tempo em que as coisas modernas eram feitas para durar e para continuar funcionando mesmo após um século. Mas, ao 94



continuarmos a nossa conversa, percebi que há também desvantagens em durar muito tempo. Depois de uma longa reflexão, o lápis prosseguiu: – É, Manuelle, nisso nós, lápis, nos parecemos com os seres humains: morremos de tanto trabalhar. A différence é que, se pararmos de escrever, podemos durar séculos guardados e um dia voltar a ser usados. Os seres humains, mesmo se pararem de trabalhar, continuarão a envelhecer e um dia irão mourir. Eles têm uma espécie de relógio de vida que continua a rodar até parar de funcionar e que não dura tanto como o nosso quando somos bem cuidados ou guardados. Isso me faz souffrir de uma saudade antecipada de Portinari. – É mesmo, lápis. Eu nunca tinha pensado nisso. Acabo de sentir também essa mesma saudade antecipada de Mário. Não será fácil durar tanto tempo depois que ele houver partido...

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FOI ASSIM Mário fez outras grandes amizades no Rio, eu também. Mas, para ser sincera, por mais que o meu grande sonho fosse conhecer a Cidade Maravilhosa, confesso que tanto eu como ele não nos adaptamos a ela. Chegamos a ficar alguns anos por lá, mas no fundo sempre com vontade de regressar à Pauliceia Desvairada. E foi num misto de saudade e delírio que, em 1941, retornamos juntos a São Paulo.


Estávamos de volta à casa onde tudo começou: a Semana de 22, o Grupo dos Cinco, os nossos escritos, concertos, saraus, manifestos, pesquisas, revistas. De volta à casa onde já havíamos vivido tantos anos juntos. De volta à casa onde ainda viveríamos juntos por quase quatro anos. Por apenas mais quase quatro anos. Quatro anos é o tempo que se espera entre uma Copa do Mundo e outra. É o intervalo de tempo entre duas olimpíadas. Quatro anos é o tempo que se leva para cursar o Ensino Fundamental II, do 6o ano ao 9o ano. É o tempo gasto para fazer a maioria dos cursos nas faculdades. Mas não tivemos quatro anos juntos. Tivemos quase quatro anos. E isso sem sabermos que teríamos apenas mais quase quatro anos para vivermos juntos. Mário voltou para o Departamento de Cultura, mas, de tanto penar, já não tinha o mesmo pique. Seu olhar, outrora perscrutador, parecia menos vívido. Seu coração sonhador parecia agora cansado das dores do mundo, das injustiças, das políticas, do sofrimento do povo, de mais uma guerra mundial, de gente insultando, ofendendo e matando gente. E foi ainda durante a Segunda Guerra Mundial que o seu coração parou. 98


Na última vez em que estivemos juntos, ele apanhou uma folha em branco, fez os ajustes, alinhando-a em mim, depois apertou o espaço até chegar ao centro da página e datilografou um apóstrofo: “ ! ”. Esperei que ele fosse apertar a tecla retrocesso para completar uma exclamação, mas não foi o que ele fez. Mário simplesmente teclou o ponto final: “.”, depois falou, com melancolia, um curto trecho do primeiro poema que escrevemos juntos: – Tal e qual uma lágrima que cai e o ponto final depois da lágrima. Foi assim que Mário se despediu de mim. E ele entendeu que o escrito no papel era também a minha mensagem de despedida para ele: uma lágrima e um ponto final. !. Depois disso, nunca mais o vi passar por mim, escrever, tocar, cantar, andar, criar.

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Mas eu prefiro pensar que foi assim: No dia 25 de fevereiro de 1945 a casa estava em festa. Anita foi a primeira a chegar, seguida por Di Cavalcanti, Tarsila, Menotti del Picchia, Brecheret, Oswald e Bandeira, que trouxe Mariana com ele. Villa-Lobos tocava o piano. Em seguida, Drummond e Ronald de Carvalho declamaram poemas, enquanto Portinari, ao lado de Maria, registrava a cena com seu lápis francês. Tarsila tracejava o momento com a caneta-tinteiro e Anita, ao seu lado, passava o mata-borrão para secar os desenhos recém-esboçados. Logo depois chegaram Lúcio Costa, Graça Aranha, Raul Bopp e Guignard, acompanhados de outros tantos amigos. Eu e Mariana observávamos animadas, quando Mário apanhou a viola caipira e começou a cantar cantigas tradicionais. Não demorou, escutamos uma voz vinda do jardim: – Ai! Que preguiça! . . . Era Macunaíma, que chegou dançando, cantando e animando ainda mais aquela festa. Todos foram para a varanda e para o jardim, onde ressoaram cantigas, acalantos, modas, cirandas, danças, toadas, cantorias, siricuticos e folguedos. A certa altura, Macunaíma enfiou um raminho na terra e na mesma hora foi crescendo um cipó comprido, que espichou até chegar ao campo vasto do céu.

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Mário entregou a viola a Villa-Lobos, depois deu as mãos a Macunaíma e os dois puxaram uma cantiga, sendo acompanhados por todos: – Vamos dar a despedida,

– Taperá,

– Talequal o passarinho,

– Taperá,

– Bateu asa foi-se embora,

– Taperá,

– Deixou a pena no ninho.

– Taperá . . .5

Depois subiram pelo cipó, Mário e Macunaíma, enquanto todos olhavam pra cima e viam lá no alto Capei (a Lua), Taína-Cã (a estrela Vésper), Ci (a Mãe do Mato, que conhecemos como a estrela Beta do Centauro), Caiuanogue (a estrela da manhã), Pauí-Pódole (o Pai do Mutum, a que chamamos de Constelação do Cruzeiro do Sul) e mais os vagalumes parentes de Camaiuá, que brilham formando o caminho de luz que atravessa o campo vasto do céu (a Via Láctea), e ainda todos os pais-dos-seres que vivem no céu, todos festejando a chegança de Mário. Quase lá em cima, Macunaíma fez convite ao escritor:

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– Vem ser estrela mais eu. Mário respondeu: – De pronto, herói. Você é a constelação Ursa Maior, eu serei a constelação Máquina Pneumática. E o nosso autor, que de tanto penar nesta nossa terra sem saúde e com muita saúva, se aborreceu de tudo, foi-se embora e banza ao lado de Macunaíma, herói de nossa gente, no campo vasto do céu.

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POSFÁCIO DO AUTOR Na minha adolescência, a antiga casa do cronista Rubem Braga abrigou a biblioteca pública de Cachoeiro de Itapemirim (ES), cidade onde nasci. Era lá que eu passava as tardes lendo crônicas para o pé de fruta-pão ou escutando as memórias do velho relógio de parede da Casa dos Braga, como ainda hoje é chamado o casarão.


Nessa mesma época, eu saía aos fins de semana para acampar com o grupo de escoteiros da minha cidade. Proseei com tudo quanto era constelação. A Lua, o Sol e as estrelas que me falavam as horas e me informavam onde ficava cada ponto cardeal. Pegamos amizade enquanto ouvíamos juntos os causos do interior. No tempo em que estudei na Universidade Federal do Rio de Janeiro, fui guia do Jardim Botânico. Lá escutei as vozes das plantas narrando lendas junto comigo. Também fiz o levantamento e a caracterização do acervo das áreas de Cultura Indígena e Arqueologia Brasileira do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista. Cada objeto me contou uma história. Foi lá que vi pela primeira vez a preciosa muiraquitã, pedra verde em forma de sapo, feito a que Macunaíma ganhou de Ci, Mãe do Mato. Depois disso assuntei histórias da literatura, lendas indígenas e contos do nosso povo. Viajei o Brasil e fui a outras terras levar nossas narrativas como contador de histórias. Macunaíma foi comigo. Mário de Andrade foi também. Nessa época, além de estudar literatura no curso de Letras da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), comecei a escrever livros. Fiz mais de 20 deles. Alguns de ficção para crianças e jovens, outros técnicos para professores e contadores de histórias. 104


Também fiz mestrado e doutorado, sempre estudando contos, leitura literária e educação, até me tornar professor da Ufes. Foi nessa época que Mário de Andrade, Macunaíma, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e a Semana de Arte Moderna viraram temas das minhas aulas – que é também um jeito de virar constelação. E iluminaram as disciplinas Literatura Brasileira I e Literatura Brasileira II, por mim ministradas. De tanto pesquisar, ler, aprender e ensinar o assunto, quis saber cada vez mais. Até que um dia topei com Manuela. Pois, como diria Mário de Andrade, tudo o que aqui está escrito ela contou pro homem. E o homem sou eu, minha gente. E eu fiquei pra vos contar a história. Por isso que vim aqui. E botei a boca no mundo narrando o que neste livro se lê. “Tem mais não.”6

REFERÊNCIAS 1. ANDRADE, Mário de. A escrava que não é Isaura: discurso sobre algumas tendências da poesia modernista. In: ANDRADE, Mário de. Obra imatura. Rio de Janeiro: Agir, 2009; 2, 3. ANDRADE, Mário de. Máquina-de-escrever. In: ANDRADE, Mário de. O losango cáqui: ou afetos militares de mistura com os porquês de eu saber alemão. São Paulo: Casa Editora Antonio Tisi, 1926; 4. ANDRADE, Oswald de. Manifesto antropófago. Revista de Antropofagia, São Paulo, ano I, n. 1, maio 1928; 5, 6. ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. 29. ed. Belo Horizonte: Villa Rica, 1993; MORAES. Marcos Antonio de (org.). Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. São Paulo: IEB-USP: Edusp, 2000.

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VAMOS FALAR SOBRE 1ESTE LIVRO? A contadora de histórias Uma máquina de escrever contadora de histórias?! Bom, máquinas de escrever datilografam, certo? Com uma tecla aqui e outra ali, elas ajudam a dar forma para cartas, poemas, romances e muito mais. Foi através de Manuela que o escritor e pesquisador Mário de Andrade datilografou vários de seus escritos. Agora, uma máquina de escrever que conta a sua própria história realmente é algo inusitado, tão inusitado como a Semana de Arte Moderna de 1922, um momento totalmente diferente, original e que abalou as estruturas da sociedade paulista no início do século XX. 1 Seção elaborada por Daniela Aparecida Francisco, doutora em Literatura e Vida Social com ênfase em Literatura Infantil e Juvenil pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e mestre em Literatura Infantil e Juvenil pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduada em Pedagogia pela Unesp, cursou magistério, atuou como professora do Ensino Fundamental e foi formadora no Programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. É coordenadora pedagógica na Educação Básica desde 2008. Atua também na formação continuada de professores e como docente em curso de Pedagogia.


Pois então, nossa narradora-personagem é sim uma máquina, que viveu os anos 1920 com Mário de Andrade e resolveu que, além de participar dessa história, iria também contá-la. Claro que a nossa Manuela contadora de histórias foi criada por um escritor, e não o Mário de Andrade. O nome dele é Fabiano Moraes, e ele escreveu o prefácio deste livro, um “prefácio interessantíssimo”, como aquele escrito por Mário de Andrade em seu livro de poemas Pauliceia Desvairada (1922). Lá ele conta como descobriu a máquina de escrever Manuela e como utilizou informações reais, fatos históricos e sua imaginação para criar um livro que mistura ficção e realidade. Vamos conhecer um pouco sobre ele?

Fabiano Moraes nasceu em Cachoeiro de Itapemirim,

Arquivo Pessoal

no Espirito Santo. Formado em Letras e Pedagogia, mestre em Linguística e doutor em Educação, ele é escritor, contador de histórias e professor. Seu primeiro contato com uma máquina de escrever foi observando sua mãe, que usava uma para escrever crônicas. Publicou mais de 20 livros (infantis, juvenis e técnicos), dois deles selecionados para o PNBE (2012 e 2014) e um selecionado pelo jornal Estadão como um dos melhores lançamentos de 2010. É também coautor de título premiado com o Selo Cátedra 10 (2017) e de 108


obra indicada para o Prêmio Jabuti (2014). Em seu site, www. fabianomoraes.com.br, há diversas informações sobre sua trajetória. Dê uma olhada!

Além do autor Fabiano Moraes, este livro foi composto

por outro profissional, o ilustrador Luciano Tasso. Foi ele quem criou todas as imagens incríveis que acompanham a narrativa de Manuela, dando forma e cores à nossa imagi-

nação. Luciano mergulhou no mundo da arte moderna e da

Semana de 1922 para buscar inspiração e, por isso mesmo, as ilustrações do livro nos lembram de artistas modernistas,

como Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral. Além disso, há a presença de vários elementos da cultura brasileira na composição das imagens.

Luciano Tasso nasceu em 1974 em Ribeirão Preto, São

Paulo. Formado em Comunicação Social pela Escola de Comunicação e Artes da USP, trabalhou durante anos como de publicidade de São Paulo e do exterior. Seu amor pelo desenho, no entanto, transformou sua paixão em ofício. Há mais de 20 anos, ele faz ilustrações para li­vros, revistas e

histórias em qua-

drinhos. Em 2008, ele

venceu o Salão Internacional 109

Arquivo pessoal

diretor de arte em agências


de Desenho para a Imprensa de Porto Alegre na categoria Ilustração Editorial.

Junto ao trabalho do escritor e do ilustrador, há outros

profissionais envolvidos: diagramadores, editores, revisores,

designers, produtor gráfico e outros. Muitas mãos que, em

colaboração, se juntaram para que este livro pudesse finalmente chegar às suas mãos, querido leitor!

Manuela: narradora-personagem Manuela abre o livro nos contando sobre os aconteci-

mentos de sua vida, desde quando foi escolhida por Mário

de Andrade até sua estadia no museu itinerante. Esse ato

de “contar” torna a história de Manuela uma narrativa. Esse tipo de texto pode ser utilizado em gêneros textuais como

romance, conto, fábula, novela, lenda, crônica, entre outros, e são compostos, geralmente, dos seguintes elementos: narrador, tempo, espaço e personagens. No caso deste livro, a conjunção dos elementos significa que a história de Manuela é uma novela.

A novela costuma ter extensão intermediária, ficando

entre o conto e o romance. Esse formato oferece ao autor grande liberdade criativa, pois permite que ele dê ênfase a

um único núcleo narrativo, como o caso de Manuela e sua história com Mário de Andrade. Esse foco na ação e em alguns personagens é uma das principais características da novela. 110


Mas é sempre importante não confundir novela literária com novela de televisão, pois são gêneros bem diferentes entre si! O narrador, presente em todas as narrativas, é aquele ou aquela que narra os fatos que ocorreram ou que estão acontecendo. Quando o narrador de uma história é também personagem da narrativa, os fatos são contados em primeira pessoa, igual fez Manuela, que utilizou pronomes “eu” e “meu”, além de tempos verbais como “escutei”, “encontrei”, “recebi”. Ao narrar, Manuela conta, a partir do presente, todo o seu passado. Isso é o que chamamos de tempo da narrativa, ou seja, o aspecto temporal que a narração estabelece com o momento em que os fatos ocorreram. No caso desta obra, o tempo da história já passou, ou seja, os eventos narrados são anteriores ao momento da narração. O texto narrativo também é composto de personagens e do espaço, que é onde a narrativa acontece. No caso deste livro, alguns personagens realmente existiram na vida real, enquanto outros foram criados pelo autor. São os personagens que realizam as ações narradas, que vivenciam cada ação. O espaço desta narrativa é, em sua maior parte, a cidade de São Paulo, ou o que Manuela e Mário de Andrade intitulam “Pauliceia Desvairada”. No entanto, Manuela relata viagens de Mário a outros locais, assim como a mudança que fizeram de estado, passando alguns anos no Rio de Janeiro. 111


Apesar de esta obra ser narrativa, como explicamos,

os tipos textuais podem sempre se misturar, mesmo que um

prevaleça sobre o outro. Nesta obra, além da narrativa, existe também um poema escrito por Mário de Andrade, ou seja,

um texto poético. Além do poema, há trechos de cartas escritas e trocadas entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira, ou seja, textos de correspondência.

Você sabia que o uso do texto de um autor no texto de

outro autor é conhecido como intertextualidade? Esse é um

recurso linguístico muito utilizado tanto na literatura quanto em outros tipos de texto.

O proprietário da Remington 12: Mário de Andrade Quando as primeiras

máquinas Remington coMichelle Rizzo/ Wikipedia.org

meçaram a chegar à ci-

dade de São Paulo, a

Casa Pratt foi notícia

em um periódico que

era produzido e distri-

buído na capital paulis-

ta e chamava-se, veja que

curioso, A vida moderna. Um

periódico é como uma revis-

ta, distribuída de tempos em 112


tempos. As máquinas de escrever eram muito necessárias

em vários lugares, pois não havia outro instrumento mais

moderno que pudesse auxiliar não apenas autores mas também jornais, escritórios, comércios e tantos estabelecimen-

tos que precisavam registrar dados, informações ou textos diversos.

A nossa narradora-personagem, Manuela, recebeu seu

nome do escritor e pesquisador Mário de Andrade em uma homenagem a Manuel Bandeira. Na vida real, além da ficção, você sabe quem foi Mário de Andrade?

Como a própria Manuela apresenta, Mário Raul de

Morais Andrade foi um personagem importante na histó-

ria da sociedade brasileira. Ele nasceu em 9 de outubro de 1893 na cidade de São Paulo e foi um dos escritores e pes-

quisadores brasileiros mais notáveis do século XX. Mário de

Andrade tem uma vasta obra e escreveu não apenas poesias

e romances, como o famoso Macunaíma, citado por Manuela, mas também contos e críticas literárias. Foi musicólogo, fo-

tógrafo, ensaísta e folclorista. Por conhecer e dominar tantas linguagens artísticas, tornou-se um homem muito erudito,

e suas produções contribuíram para a cultura brasileira em diferentes áreas.

Formou-se professor de piano no Conservatório de

Música de São Paulo em 1917, ano em que também se tornou órfão de pai. Começou a lecionar devido à necessidade de se manter e, como professor de História da Música, conhe-

ceu muitas pessoas e artistas, entre eles Oswald de Andrade (1890-1954) e Anita Malfatti (1889-1964). 113


Durante o tempo que Mário de Andrade morou no Rio

de Janeiro, na década de 1930, foi professor na universidade.

Quando retornou à cidade de São Paulo, em 1940, atuou no Ministério da Educação do estado. Nesse período, além de seus trabalhos formais como professor ou no ministério,

Mário de Andrade foi extremamente atuante como artista, produzindo arte e refletindo sobre os movimentos artísticos da sociedade.

Mário de Andrade era envolvido com o mundo em que

vivia, e suas produções demonstram as preocupações do ar-

tista com os problemas de sua época. No ano de 1917, com o mundo ainda em guerra, publicou seu livro Há uma gota de

sangue em cada poema. Indignado com os horrores dos conflitos bélicos, que ocasionavam mortes e destruição, ele utilizou sua arte como forma de protesto. Embora atualmente seja

comum que artistas protestem contra injustiças e mazelas

sociais por meio de suas produções artísticas, essas ações no início do século passado foram consideradas de vanguarda, ou seja, à frente de seu tempo.

Como Mário de Andrade conhecia muito de história,

de música, de literatura e da cultura popular brasileira, contribuiu de forma direta para um dos movimentos artísticos

mais relevantes do século XX, que culminou na Semana de Arte Moderna de 1922, que Mário ajudou a organizar. Foi tam-

bém no ano de 1922 que publicou uma de suas obras poéticas mais conhecidas, Pauliceia Desvairada, uma antologia de

poemas em homenagem à sua cidade natal, São Paulo. Como

mencionamos anteriormente, é nesse livro que o autor escreveu seu “Prefácio Interessantíssimo”, que foi considerado base 114


para a primeira geração do Modernismo, com reflexões que serviram de fundamento para a arte moderna. No “Prefácio Interessantíssimo”, Mário foi crítico e autor da própria obra. Nele, explica seu projeto de linguagem, a valorização da linguagem popular e abrasileirada que traz para a arte uma identidade mais nacional, algo importante para o Brasil naquele período. Entre seus trabalhos, destacam-se os livros A escrava que não é Isaura (1925), O losango cáqui (1926), Amar, verbo intransitivo (1927), Clã do jabuti (1927) e Macunaíma (1928), que é uma das obras mais importantes do movimento modernista brasileiro, pois apresenta características de diversos gêneros textuais na constituição do romance e tem como protago­ nista um herói tipicamente nacional. As pesquisas realizadas por Mário de Andrade ressaltavam a pluralidade cultural do Brasil. O país, grande em território e em manifestações folclóricas, não era apenas miscigenado em sua composição de raças, mas também na sua cultura, e Mário de Andrade trouxe esse aspecto para as suas obras e para o movimento artístico modernista. Ao valorizar a riqueza da cultura brasileira, Mário de Andrade tinha o objetivo de divulgar, dentro do país, a nossa própria cultura, já que, como nação que surgiu do processo de colonização, constantemente consumíamos a cultura e a arte de outros países e continentes, desvalorizando o que era próprio do Brasil. 115


O Modernismo e a Semana de Arte Moderna de 1922 A Semana de Arte Moderna aconteceu na cidade de

São Paulo, no palco do Teatro Municipal, entre os dias 13

e 17 de fevereiro de 1922. Foi um festival de arte e cultura, com a reunião de vários artistas não apenas brasileiros mas também estrangeiros, com pintura, literatura, arquitetura, música e escultura.

Você já deve ter ouvido falar sobre esse importante

evento antes mesmo de ler esta obra. Esse foi um período que deixou um grande legado para a arte brasileira. Foi fruto

da reunião e do empenho de artistas modernistas, ou seja, aqueles que aderiram ao novo movimento da arte que tinha vindo da Europa, o Modernismo.

O movimento modernista surgiu na Europa no final

do século XIX e era composto de diferentes escolas artísticas que tinham como objetivo renovar as artes, já que também as

próprias sociedades estavam se alterando, tornando-se cada

vez mais urbanas e industrializadas. Uma sociedade mais livre precisava também de uma arte que tivesse maior liber­

dade de expressão e não se restringisse a seguir os princípios artísticos que predominavam.

Os artistas adeptos ao Modernismo pretendiam tra-

zer os valores e os modelos da arte para a nova realidade

que surgia, até mesmo a utilização de novas tecnologias e

elementos, deixando para traz a idealização do passado e o 116


bucólico presentes no movimento artístico que prevalecia até então, o Romantismo.

Com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e os hor-

rores e efeitos que causou, muitos artistas quiseram demonstrar como a nova tecnologia estava a serviço de matar e gerar

uma consciência de que as transformações deveriam servir ao bem-estar do ser humano e não para guerrear. O movimento modernista ganhou mais força nesse período.

No Brasil, até então, a arte valorizada era muito formal

e acadêmica, e os primeiros modernistas começam a divulgar

seus trabalhos após 1910. Anita Malfatti estudou na Europa e teve contato com o movimento modernista que se desen-

volvia por lá. É considerada a pioneira do Modernismo no país. Sua exposição artística de 1917 foi muito criticada pelos artistas brasileiros conservadores.

A união dos modernistas foi o que resultou na Semana de

Arte Moderna de 1922. Você já se perguntou por que escolheram

justamente o ano de 1922? Acontece que 1922 era exatamente quando havia cem anos que o nosso país tinha se tornado inde-

pendente. Você se lembra daquela famosa frase de Dom Pedro I,

“Independência ou morte!”? Ela foi dita em 7 de setembro de 1822, e os artistas modernos acreditaram que o seu centenário seria ideal para realizar um movimento que pedia liberdade na criação artística.

A Semana de Arte Moderna de 1922 contou com mui-

tos artistas e teve a exposição de mais de cem obras. A leitura do poema “Os sapos”, de Manuel Bandeira, causou alvoro-

ço e protesto na plateia do Teatro Municipal de São Paulo. 117


Bandeira criticava o movimento parnasiano, pois, no Parnasianismo, a escrita deveria ser rigorosa e as poesias perfeitas,

ou seja, tudo muito diferente do que os modernistas queriam. Mário de Andrade, durante a Semana de 22, fez também

o público refletir sobre a síndrome que o Brasil tinha de achar que apenas o que era estrangeiro tinha valor e incentivou os

artistas a valorizarem a cultura brasileira, nosso folclore e nos-

so povo. As ideias do escritor foram publicadas depois, na obra

A escrava que não é Isaura, em que há a ideia de que a escravidão havia terminado em 1888, mas o país ainda era escravo do que se produzia fora. Mário de Andrade era um homem realmente muito inteligente, não é?

A luta dos artistas modernistas para que a sua arte fos-

se reconhecida transformou a maneira de se fazer a arte na

Europa, no Brasil e no mundo. A Semana de Arte Moderna de 1922 e tudo que o movimento modernista representa em

nosso país foram importantíssimos para a arte brasileira, que,

influenciada pelas novas correntes modernistas, quebrou as

resistências que havia sobre novas possibilidades criativas e uniu muitos artistas de diferentes áreas.

Além de influenciar artistas naquele período, a Semana

de 22 e o movimento modernista continuaram a impactar as gerações seguintes de artistas, que se inspiraram nos ideais

defendidos no evento e continuaram renovando a vida intelectual e as artes de nosso país.

Até hoje, a Semana de Arte Moderna de 1922 é considerada

um marco na história artística do Brasil e mantém sua influência, impactando artistas contemporâneos que se desprenderam 118


das formas fixas e tradicionais e usam sua criatividade, cada vez mais com novos recursos tecnológicos, sem copiar o que vem de fora, para dar a cara do Brasil às suas produções. Já imaginou se, apesar de todos os avanços sociais e científicos ocorridos na humanidade, a arte tivesse de continuar a seguir apenas o que era conhecido e difundido? Hoje não teríamos os livros em formato digital, as artes em plataformas virtuais e tecnológicas, os museus on-line e tantos outros elementos que surgiram porque, lá no século passado, os modernistas resolveram ousar. O resultado tem dado frutos até hoje!

Terminando pelo começo... Toda a nossa conversa até aqui foi motivada por um objeto muito interessante: o livro. Livros são como aqueles cubos mágicos, mas, em vez de cores e lados, possuem páginas, e, quanto mais mexemos nelas, sejam impressas ou virtuais, mais estimulamos nossa mente, nosso raciocínio e nosso saber. A partir da leitura da obra Nasci em 1922, ano da Semana de Arte Moderna, escrita por Fabiano Moraes e ilustrada por Luciano Tasso, mergulhamos no mundo de Manuela e na história do Modernismo no Brasil. E conhecemos muitos artistas e suas lutas em prol da cultura brasileira. Quanta informação cabe em um livro! Além de ser uma fonte de lazer e entretenimento, o livro é também um baú de saberes. A escrita nos livros foi uma das primeiras formas que o ser humano utilizou, depois de sair das cavernas, para gravar a sua vida, a sua experiência. A escrita foi 119


a maneira que encontramos de registrar nossos conhecimentos, nossas reflexões, e compartilhá-los. Ao ler outras experiências além da nossa própria, ampliamos nossa visão de mundo e nossos saberes. Eu não preciso ter vivido o movimento modernista ou a Semana de Arte Moderna de 1922 para entender e sentir a sua importância. Por meio da leitura, revivemos experiências relatadas, caminhos percorridos, e acessamos conhecimentos que abrem nossos olhos e nossa mente. Criamos e descobrimos sentidos por meio do objeto lido. O livro também traz algo extra, pois explora sentimentos, pontos de vistas e outros aspectos do que é ser humano. A leitura é uma ponte que, ao ser percorrida, nos faz aperfeiçoar nossas capacidades sensoriais, emocionais e racionais ao nos colocar em contato direto com o diferente e com a diferença. O cubo mágico que é o livro nos leva a um universo de descobertas e fantasias, lembranças e imaginação. E, após a revolução que foi o Modernismo, existem muitos e muitos tipos de livros e de leituras, com temas, formatos, tamanhos, imagens e cores diferentes esperando você para serem descobertos, lidos e apreciados. Esperamos que, após a leitura desta obra, você possa se inspirar e encontrar outras histórias, aventuras e desventuras sem fim. E que você possa, assim como o modernista Manuel Bandeira, ter “a delícia de sentir as coisas mais simples” (BANDEIRA, Manuel. Belo, Belo. In: BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. 2 ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1970)! 120


MATERIAL DE APOIO AO PROFESSOR CATEGORIA 1 6º e 7º anos do Ens. Fundamental GÊNERO Conto, crônica, novela, teatro, texto da tradição popular TEMA Diálogos com a história e a filosofia

Elaborado por Daniela Aparecida Francisco Daniela Aparecida Francisco é doutora em Literatura e Vida Social com ênfase em Literatura Infantil e Juvenil pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e mestre em Literatura Infantil e Juvenil pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Graduada em Pedagogia pela Unesp, cursou magistério, atuou como professora do Ensino Fundamental e foi formadora no Programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. É coordenadora pedagógica na Educação Básica desde 2008. Atua também na formação continuada de professores e como docente em curso de Pedagogia.

Carta ao professor e à professora A importância da Semana de Arte Moderna, ocorrida na cidade de São Paulo em 1922, está no fato de que o evento foi um divisor de águas 121


na arte brasileira. Embora tenha acontecido há mais de um século, até hoje influencia a arte e os artistas nacionais. Foi dessa influência, direta e indireta, que surgiu o livro Nasci em 1922, ano da Semana de Arte Moderna, escrito por Fabiano Moraes e ilustrado por Luciano Tasso, uma narrativa que dialoga com a história e traz reflexões sobre esse momento essencial da história da arte no Brasil. Fabiano Moraes é autor de diversos livros literários e acadêmicos. Além disso, atua como professor universitário e contador de histórias. Entre suas publicações, estão livros de literatura infantil e juvenil e obras destinadas à formação de professores, especialmente nas áreas de literatura, alfabetização e contação de histórias. Luciano Tasso atua há mais de 20 anos ilustrando livros, revistas e histórias em quadrinhos. Nessa obra, a personagem Manuela narra fatos, acontecimentos e eventos que presenciou como máquina de escrever de Mário de Andrade, um dos precursores do Modernismo no Brasil. Como explica o próprio Fabiano Moraes, o enredo do livro é inspirado e fundamentado em documentos históricos, obras de arte, fotografias, cartas, eventos e em elementos ficcionais, ou seja, em sua obra, ficção e realidade se fundem de forma singular. Por essa veia ficcional e artística é que a leitura desse livro é uma forma divertida e dinâmica de promover práticas de linguagem e experiências estéticas que auxiliam na formação do leitor crítico, instruído e autônomo e na construção de conhecimentos e reflexões sobre a relevância da Semana de Arte Moderna de 1922, ao mesmo tempo que amplia a leitura de mundo dos estudantes por meio de novos aprendizados intertextuais. Além disso, a obra pode ser lida e compreendida por crianças e jovens e integra as condições sociais de diferentes momentos históricos de nosso país, multiplicando as linguagens com as quais o professor e a escola como um todo podem dialogar durante o aprofundamento dos temas presentes em Nasci em 1922, ano da Semana de Arte Moderna. Daniela Aparecida Francisco

Introdução Muitas habilidades propostas para a Língua Portuguesa per-

passam por todos os Anos Finais do Ensino Fundamental, de 122


acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Assim,

o trabalho com diversos gêneros textuais e com diferentes graus de complexidade, de acordo com o ano escolar, permite o desenvolvimento dessas habilidades, além de favorecer o diálogo entre as várias áreas do conhecimento.

Um elemento importante na BNCC é a centralidade do texto,

ou seja, os conteúdos, objetivos, habilidades e procedimentos têm

como ponto de partida o trabalho com o texto, já que é nele que a língua se concretiza em diferentes gêneros textuais:

Tal proposta assume a centralidade do texto como unidade de trabalho e as perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem, de forma a sempre relacionar os textos a seus contextos de produção e o desenvolvimento de habilidades ao uso significativo da linguagem em atividades de leitura, escuta e produção de textos em várias mídias e semioses. (BRASIL, 2018, p. 67).

Outro elemento que consta na BNCC e que já havia sido

apontado também nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) é o trabalho com a gramática de forma contextualiza-

da. Ao considerarmos todos os avanços tecnológicos e sociais que impactaram as metodologias e o processo de ensino e aprendi-

zagem, não devemos conceber a gramática ou qualquer conhecimento de forma estanque.

Ao realizar um trabalho didático alinhado com a BNCC, o

professor deverá apresentar ao estudante a diversidade de gêneros textuais, aprofundando as reflexões sobre língua, gramática e outros assuntos a partir do texto.

Quando estudantes e professores refletem sobre aquilo que

leem de forma crítica e sistemática, é possível, como afirma a pesquisadora Zoara Failla, despertar diferentes visões de mundo e da realidade, além de criar novos conhecimentos, pois a leitura deve ser tratada como habilidade essencial para acessar o saber e a cultura e proporcionar uma formação plena e humanizada. 123


Muitos estudos e estudiosos defendem a relevância do papel docente como mediador de leitura, papel que influencia diretamente a formação de novos leitores. A cada nova edição, a pesquisa Retratos da leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro, apresenta dados que apontam, cada vez mais, para a importância primordial da escola e do professor na formação de leitores. Quanto melhor a atuação do professor como mediador de leitura no espaço escolar, maiores as chances de contribuição na formação do estudante como sujeito leitor. Assim, é essencial, além do prazer pela leitura, o constante aperfeiçoamento da metodologia de ensino, em consonância com o seu tempo, valorizando as práticas contextualizadas de leitura em diversos suportes digitais e impressos. De acordo com Zoara Failla: [...] a habilidade leitora depende das práticas e do contato frequente com a leitura. Já o gosto necessita ser conquistado por meio da mediação e de leituras diversificadas, cativantes e adequadas à faixa etária; às referências e aos interesses desses potenciais leitores. (FAILLA, 2012, p. 52).

A escritora Ana Maria Machado, em seu artigo Sangue nas veias (2012), relembra o fato de que escola e professores são protagonistas na formação de leitores. Para Machado, a leitura deve partir da literatura, e os projetos de estímulo à leitura devem estar embebidos nos textos literários. Mas, afinal, o que é leitura? Quando falamos de formação do leitor e leitura, é preciso compreender o conceito de leitura utilizado tanto na BNCC quanto em diferentes contextos, pois relacioná-lo unicamente à decodificação de um texto restringe o seu significado e impossibilita sua compreensão verdadeira. Maria Helena Martins, em sua obra O que é leitura, amplia a noção da prática ao afirmar que “[...] a leitura seria a ponte para o processo educacional eficiente, proporcionando a formação integral 124


do indivíduo” (MARTINS, 1997, p. 25). Para a autora, o processo de leitura pressupõe a participação do leitor para a compreensão do texto, que não se dá de imediato, mas ocorre como um processo. Embora estejamos acostumados a relacionar a leitura e o seu conceito ao livro físico, como a BNCC já previu em sua composição, é relevante, no contexto escolar, estabelecer também a relação da leitura com o mundo digital, já que os livros atualmente circulam em novos formatos além de suas versões impressas. A escola deve mostrar-se atenta a esse novo panorama social para que a prática da leitura continue a fazer sentido ao seu público, estudantes nascidos no século XXI, que lidam de forma diferente com o conhecimento e com as produções culturais. Marisa Lajolo e Regina Zilberman, na obra Literatura infantil brasileira: uma nova outra história (2017), retomam muitas das reflexões aqui propostas, apontando caminhos e possibilidades para a escola, a leitura e a formação do leitor. De acordo com as pesquisadoras, os mediadores de leitura precisam superar práticas precárias, buscando prolongar a leitura realizada em sala de aula para toda a vida, com pluralidade e intersecções das linguagens. Para além das várias linguagens que se complementam e dialogam, no desenrolar da leitura o leitor deve ser estimulado a ter uma postura ativa, atuante. Consequentemente, o professor, na posição de mediador, é também impactado e precisa repensar métodos, pois a formação do leitor contemporâneo necessita de uma diversidade de fontes e, portanto, de uma diversidade de práticas metodológicas. Considerando as diferentes afirmações referentes à leitura e à formação do leitor aqui apresentadas, podemos perceber como a importância do professor ao mediar a atribuição de sentido ao texto por parte do aluno, ou seja, a leitura ocorre em um processo contínuo e constante, não apenas quando se decodifica o texto escrito. 125


O trabalho com o texto cria novos sentidos, penetra no que está evidente e no que está nas entrelinhas, enriquece a produção literária e contribui de forma significativa para a qualidade textual. O leitor, mediado pelo professor, completa o ciclo do texto. Nas palavras de Regina Chicoski, “o texto quer alguém que o ajude a funcionar” (CHICOSKI, 2012, p. 277). Ao propormos a leitura e a construção de sentidos a partir da obra Nasci em 1922, ano da Semana de Arte Moderna, temos o objetivo de favorecer o trabalho metodológico do professor a partir do texto de forma dinâmica, interdisciplinar e significativa. As propostas de atividades a seguir contextualizam a obra, o gênero textual, o autor e oferecem oportunidades de reflexão sobre os contextos social e histórico presentes no enredo, além de estimular a leitura de outros gêneros textuais, a intertextualidade e a compreensão da arte em suas diferentes manifestações, a partir e além do movimento modernista brasileiro.

Propostas de atividades A promoção da leitura e a formação do leitor são desafios a serem enfrentados pela escola por meio de práticas metodológicas contextualizadas que favoreçam o protagonismo dos estudantes e que integrem diversos conhecimentos e linguagens. Este material do professor tem como objetivo contribuir não apenas para a concretização da leitura no espaço escolar mas também para que ela se amplie em sentidos e linguagens com as propostas de atividades que serão apresentadas. Assim, as propostas a seguir contextualizam o autor e a obra, e as temáticas que compõem o seu enredo de forma transversal e interdisciplinar. Não pretendemos, com este material, esgotar todas as possibilidades que a obra apresenta, mas oferecer o suporte necessário 126


para que você tenha um ponto de partida e orientações sobre como o livro pode ser trabalhado em sala de aula.

Pré-leitura

Mário de Andrade por ele mesmo

Antes de apresentar a obra Nasci em 1922, ano da Semana de

Arte Moderna, é importante contextualizá-la. Apresente aos estudantes o poema “Biografia”, de Mário de Andrade. Biografia São Paulo o viu primeiro. Foi em 93. Nasceu, acompanhado daquela estragosa sensibilidade que deprime os seres e prejudica as existências, medroso e humilde. E, para a publicação destes poemas, sentiu-se mais medroso e mais humilde, que ao nascer. (ANDRADE, 1917, p. 3). Após a leitura, reflitam sobre os sentidos da escrita. Para tanto, proponha questões, como: • Por que o poema se chama biografia? • Esse é um gênero textual que apresenta a vida de um personagem. Nesse caso, as informações do autor são apresentadas em forma de poema. • A qual ano o poeta se refere com “93”? • Ao ano que Mário de Andrade nasceu, 1893, na cidade de São Paulo. • O que o autor quis dizer com “estragosa sensibilidade”? • O autor demonstra sofrer o medo e a insegurança que acompanham uma grande sensibilidade, própria da maioria dos poetas. 127


Em seguida, realize a leitura de informações biográficas do

autor. Você poderá utilizar a seção Vamos falar sobre este livro?,

que consta ao final da obra e apresenta informações sobre Mário de Andrade, trazendo assim ainda mais contexto ao poema. Compare os dois textos biográficos: um escrito pelo próprio Mário de Andrade e outro escrito sobre ele. Se possível, apresente também a pintura Retrato de Mário de Andrade, feita por Anita Malfatti em 1922. É possível encontrar a obra em diversos sites de busca e compartilhá-la com a turma. Pergunte aos estudantes o que conhecem sobre esse tema e o que aconteceu em 1922 no Brasil. Contextualize Mário de Andrade como escritor representante do movimento modernista, assim como a pintora Anita Malfatti, e destaque que o Modernismo foi um movimento artístico que reuniu diferentes artistas de vanguarda no Brasil e no mundo. Convide os estudantes a compartilhar o que lembram do Modernismo, caso já tenham estudado o movimento, ou proponha o levantamento de hipóteses sobre ele com base nos conhecimentos prévios da turma. Valorizar as contribuições dos estudantes é imprescindível para que todos se sintam à vontade para expor seus conhecimentos e dialogar. Essa atividade contempla as seguintes habilidades descritas na BNCC para o componente curricular Língua Portuguesa: EF69LP44, EF69LP46, EF69LP48 e EF69LP54.

O Modernismo em diferentes perspectivas 1o passo: cartaz e catálogo do evento

Para dar continuidade às discussões sobre o movimento mo-

dernista e sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, apresente o cartaz, o catálogo do evento e seus símbolos, criados por Di Cavalcanti. Essas informações e imagens podem ser encontradas facilmente na internet. Solicite, então, que os estudantes façam a 128


leitura das imagens e dialoguem sobre o que compreenderam a partir dessa observação. O catálogo é composto de uma imagem preta em xilogravura, que inclui uma estátua central e diferentes detalhes ao fundo. Abaixo da imagem, encontram-se as iniciais de Di Cavalcanti e o título “Semana de Arte Moderna – catálogo da exposição. S. Paulo – 1922”. Já o cartaz traz ao centro a ilustração de uma pequena árvore com raízes à mostra. Questione o porquê do uso dessa imagem. Espera-se que os estudantes relacionem a planta em crescimento com o surgimento de algo novo também na cultura brasileira.

2o passo: a cobertura da mídia

Traga a seguinte questão aos estudantes: Como vocês acredi-

tam que a mídia noticiou a Semana de Arte Moderna? Divida a lousa ao meio e, na primeira parte, registre as respostas de forma sucinta, criando um mapa mental daquilo que for respondido. Em seguida, apresente, de forma compartilhada e coletiva, diferentes charges e notícias referentes à Semana de Arte Moderna e ao Modernismo. A seguir, algumas referências que podem ser utilizadas nesse momento. a) “A semana futurista” – revista A cigarra (ano 9, no 179, p. 21); b) “A teratologia futurista” – revista A cigarra (ano 8, no 178, p. 24); c) Semana de Arte Moderna – charge do artista Belmonte publicada no jornal A folha da noite, em 20 de fevereiro de 1922; d) Poeta futurista – charge do artista Belmonte publicada em 1923 na revista A cigarra; e) “O jornalismo e a crítica da Semana de 22”, Texto de Claudia Cruz de Souza publicado na Revista PJ: BR – e texto de apresentação da “Memória da imprensa”, disponível no Arquivo Público de São Paulo. Ambos apresentam 129


informações sobre os jornais que se posicionaram a favor da Semana de 22 e do movimento modernista.

As sugestões podem ser localizadas em diferentes sites a par-

tir de busca on-line.

Proponha agora uma nova questão aos estudantes: Como foi

a cobertura da imprensa em relação ao Modernismo e à Semana

de Arte Moderna? Com as respostas, crie um novo mapa mental na outra metade da lousa e compare os dois com a turma.

Aproveite a oportunidade para refletir sobre o fato de que

nossas opiniões, válidas em determinadas situações pessoais, pre-

cisam ser, em outras, embasadas em fontes confiáveis e dados

relevantes, para que possamos nos posicionar com maior proprie-

dade em relação aos temas a partir do conhecimento da realidade sobre eles.

3o passo: comentário crítico

Peça a cada estudante que imagine ter vivido no século XX.

Relembre as notícias compartilhadas que criticavam o movimento modernista e as charges apresentadas.

Em seguida, peça que cada jovem escolha uma das notícias e

uma charge, e com base nelas e na mentalidade do século XX es-

creva uma crítica sobre o evento similar aos comentários críticos enviados aos editoriais de jornais na época. O texto deve conter in-

formações verídicas sobre a Semana de Arte Moderna, e para isso os

estudantes devem buscar fontes confiáveis, em livros ou na internet. Comentários críticos costumam não ser longos, contendo en-

tre 10 e 20 linhas; portanto, peça que os estudantes sintetizem, de forma coerente, as informações e sua opinião sobre o evento. Retome com eles o fato de que, como todo texto, o comentário

deverá ser composto de introdução, desenvolvimento e conclusão. Para a etapa de correção, peça que se organizem em duplas e

troquem os textos entre si. Reflita com eles sobre como realizar a correção de maneira ética e respeitosa: críticas e sugestões devem 130


servir para contribuir com o texto de forma positiva, então é sempre interessante evitar comentários depreciativos. Para finalizar a proposta, solicite a eles que leiam seus comentários para a turma e, de maneira coletiva, certifique-se de que todos compreenderam as posições contra e/ou a favor do movimento modernista e da Semana de Arte Moderna de 1922 que circularam na época. Por fim, para estimular a curiosidade da turma e incentivar a leitura de Nasci em 1922, ano da Semana de Arte Moderna, explore a capa e quarta capa do livro. Peça aos estudantes que identifiquem o nome do autor, do ilustrador, as ilustrações e cores que se apresentam em um primeiro momento ao leitor. Leia o texto de quarta capa em voz alta, no qual é possível localizar informações sobre a obra de forma resumida e direta, elementos que também influenciam e estimulam a leitura, e pergunte o que os estudantes acreditam que encontrarão durante a leitura do livro. Essa atividade contempla as seguintes habilidades descritas na BNCC para o componente curricular Língua Portuguesa: EF67LP23, EF69LP03, EF69LP05, EF69LP06, EF69LP08, EF69LP45 e EF69LP46.

Leitura Hora da leitura Agora que os estudantes foram apresentados à obra e foi realizado o levantamento dos conhecimentos prévios da turma em relação a Mário de Andrade e ao movimento modernista, é a hora da leitura! Leia o prefácio do livro de maneira compartilhada. Isso pode ser realizado por você e/ou por um ou mais estudantes, o que você achar mais produtivo para a sua turma. Nesse prefácio, o autor Fabiano Moraes conta um pouco do que inspirou a narrativa, uma excelente maneira de aguçar o interesse dos estudantes. 131


Em seguida, combine uma data viável para que todos finali-

zem a leitura de forma individual. O livro tem 16 capítulos e você pode organizar momentos de checagem de leitura a cada dois ou

três capítulos, abrindo um espaço no começo ou final das aulas

para dúvidas, pensamentos e ideias. No dia marcado para o término da leitura, proponha uma discussão sobre a obra, incentivando a participação de todos.

Além de deixar os estudantes exporem suas opiniões e refle-

xões pessoais sobre Nasci em 1922, ano da Semana de Arte Moderna, faça algumas indagações para animar o debate: • O que acharam de Manuela? • De quais personagens mais gostaram? • Como entenderam o movimento modernista, descrito em diversos momentos do texto? • Como foi ler sobre personagens históricos da cultura brasileira? • Do que mais gostaram na obra? • Quais artistas citados no enredo já conheciam?

Para ampliar os sentidos da leitura, relembre que o mundo

estava vivendo um contexto pós-Primeira Guerra e a sociedade

como um todo havia sido extremamente impactada economica-

mente, o que ocasionou diferentes mazelas para a população.

Também é interessante selecionar alguns trechos da obra

para ler durante a discussão e incentivar os estudantes a refletir

sobre eles, favorecendo a compreensão do texto. Alguns exemplos que podem ajudar neste momento: o 2 o parágrafo da página 56,

que começa com “Talvez você ainda...”; o último parágrafo da pá-

gina 63, que começa com “– Foram três dias repletos de...”; e o parágrafo da página 71, que começa com “E só agora, quase...”.

Esses são apenas alguns exemplos. Você pode selecionar outros que considerar relevantes.

132


O momento de retomada e discussão da obra é essencial não

só para checar a leitura mas também para que os estudantes arti-

culem suas opiniões e pontos de vista abertamente, incentivando assim a formação deles como leitores críticos.

Essa atividade contempla as seguintes habilidades descritas na BNCC para o componente curricular Língua Portuguesa: EF69LP44, EF69LP46, EF69LP47 e EF69LP49.

Releitura da obra A releitura de um livro tem grande valor para a construção

de conhecimento. Reler um texto permite que uma nova postura diante dele seja tomada.

Para criar um clima prazeroso, deixe o ambiente propício

para a fruição da obra literária e coloque a música Clair de lune, do compositor francês Claude Debussy, se possível. A melodia é men-

cionada por Manuela no Capítulo 4, “Escolhas”, e está disponível em aplicativos de música ou em sites a partir de busca on-line.

Após apreciarem a música, mencione o fato de que Manue-

la faz referências a muitas obras e artistas durante o enredo do

livro e pergunte quem se recorda da referência a essa música,

especificamente. Comente sobre a importância de Debussy para a música clássica, já que ele se inspirou nos conceitos da pintura impressionista para criar um estilo musical original.

Em seguida, proponha uma atividade individual, em duplas

ou grupos, em que cada um deverá ficar responsável por reler um ou mais capítulos da obra.

Essa segunda leitura, no entanto, deverá ser pautada pela

busca de informações relevantes sobre aspectos que aparecem nos capítulos em questão, como artistas, fatos históricos, locais,

obras de arte ou ainda palavras, expressões ou outros itens que os estudantes considerem necessário abordar.

Quando todos finalizarem suas respectivas leituras, façam

uma roda para que os estudantes compartilhem como foi reler 133


o texto procurando informações e apresentem suas anotações e observações. Pergunte sobre as novas informações que descobriram nessa segunda leitura e se ela foi mais simples ou mais difícil que a primeira, para que a turma perceba que a compreensão de um texto se dá de forma processual e a busca de informações enriquece a leitura e facilita o entendimento do que é lido. Essa atividade contempla as seguintes habilidades descritas na BNCC para o componente curricular Língua Portuguesa: EF69LP30, EF69LP34, EF67LP03 e EF67LP20.

Pós-leitura Infográfico Solicite que os estudantes leiam ou releiam a seção Vamos

falar sobre este livro?, presente no final da obra, e explorem as

informações apresentadas sobre autor, ilustrador, gênero textual, narrador-personagem, tempo e enredo da narrativa. Aproveite e retome as discussões sobre o movimento modernista. Em seguida, apresente à turma alguns modelos de infográficos sobre diferentes temáticas e questione quem conhece esse tipo de gênero e qual é a sua função. É possível encontrar muitos exemplos em buscas na internet digitando a palavra “infográfico” seguida do tema desejado, como: “infográfico Modernismo” ou “infográfico gêneros textuais”. Observem, então, como eles são organizados e compostos – não se esqueça de incluir os títulos na análise. Após apresentar o gênero à turma e analisar alguns modelos de infográfico, divida os estudantes em grupos de trabalho e solicite que, utilizando como referência o paratexto presente no final do livro, transformem as informações textuais em um infográfico. Para isso, eles poderão criar verbetes, como “autoria” (autor e 134


ilustrador), “gênero textual”, “personagens”, “tempo histórico”, “enredo”, entre outros, que poderão ser definidos por você, professor, ou pelo grupo de trabalho.

Os estudantes poderão usar recursos digitais ou físicos,

como cartolinas e canetas coloridas, para ilustrar o infográfico. O uso de imagens impressas, recortadas ou criadas também

deve ser incentivado. Estimule a imaginação e a criatividade dos estudantes.

Não se esqueça de orientá-los para que revisem os textos e

os adéquem ao contexto de produção e circulação em que serão compartilhados. Marque uma data para a exposição dos infográficos produzidos pela turma.

Essa atividade contempla as seguintes habilidades descritas na BNCC para o componente curricular Língua Portuguesa: EF69LP06, EF69LP07, EF69LP32 e EF69LP33.

22 em XXI Organize uma sessão de cinema para os estudantes assisti-

rem ao documentário 22 em XXI, dirigido por Helio Goldsztejn.

Lançado em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna, o documentário faz uma análise do evento que fez histó-

ria no Brasil e apresenta questionamentos sobre como a semana influenciou a arte e promoveu alterações na cultura brasileira

pela perspectiva de pesquisadores, artistas, curadores, jornalistas, antropólogos e artistas do século XXI.

Após assistirem, reflitam coletivamente sobre os aspectos

apresentados no vídeo e que fazem referência às histórias narra-

das por Manuela, como os artistas que aderiram ao movimento, o objetivo do Modernismo e as questões que a arte moderna abordava, apontadas também no paratexto.

Durante a conversa, auxilie os estudantes a estabelecer rela-

ções entre as informações disponíveis nas diferentes fontes a que tiveram acesso: o livro literário, o paratexto e o documentário. 135


Essa atividade contempla as seguintes habilidades descritas na BNCC para os componentes curriculares Língua Portuguesa e Arte: EF69LP11, EF69LP14, EF69LP21, EF69AR01, EF69AR31 e EF69AR33.

Semana de Arte Moderna na escola do século XXI Em parceria com a disciplina de Arte, é possível realizar uma exposição artística de releituras das obras modernistas, criadas pelos estudantes. Cada um poderá escolher a obra que desejar, o único requisito é que seja de algum artista modernista brasileiro.

1o passo: O que é uma releitura?

Trabalhe o conceito de releitura com a turma. Solicite que todos procurem a definição da palavra no dicionário (físico ou virtual) e, em seguida, discutam as definições encontradas. Depois, apresente alguns exemplos de releituras de obras famosas, como as de O grito, de Edvard Munch (1863-1944), Monalisa, de Leonardo da Vinci (1452-1519), e O nascimento de Vênus, de Sandro Botticelli (1445-1510). Na releitura, poderão ser utilizados materiais diferentes dos usados na obra original e a temática central poderá sofrer alteração. Afinal, uma releitura é a reprodução de uma obra acrescida de algo novo, mas sem perder a sua característica original, ou seja, ambas as obras devem ter alguns elementos iguais ou similares, que permitam fácil conexão, mas a releitura deve trazer mensagens ou elementos novos.

2o passo: escolha da obra-base

Apresentamos, a seguir, os principais representantes do Modernismo brasileiro. Com base nessa lista, incentive os estudantes a selecionar um nome para pesquisar. Peça também que escolham uma obra do artista. • Anita Malfatti (1889-1964); • Bruno Giorgi (1905-1993); 136


• Di Cavalcanti (1897-1976); • Inácio da Costa Ferreira (1892-1958); • Ismael Nery (1900-1934); • Lasar Segall1 (1889-1957); • Oswaldo Goeldi (1895-1961); • Tarsila do Amaral (1886-1973); • Vicente do Rego Monteiro (1899-1970); • Victor Brecheret2 (1894-1955).

3o passo: planejamento

Após selecionar a obra para a releitura, cada estudante deverá

planejar o seu trabalho, pensando e testando materiais e técnicas de criações artísticas diversas.

As releituras das obras deverão ser criadas com características

originais somadas a novos elementos, pois são intepretações pesso-

ais da obra-base. Os materiais escolhidos, da mesma forma, podem ser os que cada aluno desejar e julgar adequados ao seu projeto.

Ofereça ajuda e suporte para que cada um possa concretizar

o projeto, sugerindo materiais, discutindo os planos e estimulando os estudantes a investigar soluções práticas para suas ideias.

4o passo: elaboração artística

Cada estudante deverá, então, iniciar a produção de sua re-

leitura. Se não for possível finalizar a criação durante as aulas,

permita que os artistas possam continuar o trabalho em horário extraclasse.

Definam uma data para que as obras sejam apresentadas e

apreciadas.

1 O pintor nasceu em Portugal, mas radicou-se no Brasil quando já era um artista conhecido. 2 O pintor nasceu na Itália, mas também radicou-se no Brasil quando tinha 30 anos.

137


5o passo: exposição artística

Após a finalização dos trabalhos de releitura, é chegado o

momento de compartilhá-los com toda a escola. Organize uma

exposição em algum espaço ao qual todos tenham acesso. A releitura deverá ser exposta ao lado da reprodução da obra-base, com informações sobre os artistas de ambas as versões.

Essa atividade contempla as seguintes habilidades descritas na BNCC para os componentes curriculares Língua Portuguesa e Arte: EF69LP21, EF69LP42, EF69LP45, EF69AR01, EF69AR05 e EF69AR34.

Sugestões de referências complementares As atividades elencadas neste material têm como objetivo

auxiliar você no trabalho de exploração do livro e de todos os conteúdos que ele evoca. Mas de forma alguma elas se esgotam

nessas propostas, e você pode ampliar sua formação por meio de leituras, filmes, documentários, músicas e outras manifestações artísticas e culturais que tenham relação direta ou indireta com os temas propostos pelo livro.

ANDRADE, Mário de. A escrava que não é Isaura: discurso sobre algumas tendências da poesia modernista. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. Elaborado com base no discurso do autor na Semana de Arte Moderna, o texto se aproxima de um manifesto a favor da modernização da arte no Brasil, incentivando a substituição do tradicional por elementos modernizantes e que rompam com modelos passados. Também constitui um exemplo de releitura, pois usa como base o título do livro A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, publicado em 1875. BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Editora Cultrix, 2017. O pesquisador apresenta reflexões sobre a história da literatura brasileira, analisando o seu contexto de produção e exemplificando-o com obras 138


e autores que marcaram a produção literária de cada época. Além disso, Bosi realiza uma reflexão crítica das obras e dos períodos mencionados. COLI, Jorge. O que é arte. São Paulo: Editora Brasiliense, 1997. O autor reflete sobre o conceito de arte e como a arte e a sua definição podem se transformar no espaço e no tempo. O texto explora, também, a dificuldade em definir o que é e o que não é arte por conta de sua amplitude e de seus limites imprecisos.

Referencial bibliográfico comentado 22 EM XXI. Direção de Helio Goldsztejn. São Paulo: Sesc Digital, 2021. 1 vídeo (85 min). Disponível em: https://sesc.digital/conteudo/cinema-e-video/documentario-22-em-xxi. Acesso em: 16 maio 2022. Documentário que reflete a influência da Semana de Arte Moderna na cultura brasileira a partir de entrevistas com historiadores, artistas, filósofos, ativistas, sociólogos e pesquisadores de diversas áreas. ANDRADE, Mário de. Biografia. In: ANDRADE, Mário de. Há uma gota de sangue em cada poema. São Paulo: Pocai&Comp, 1917. Poema biográfico escrito por Mário de Andrade e que faz parte de seu livro Há uma gota de sangue em cada poema, primeiro livro publicado pelo autor, em 1917, sob o pseudônimo de Mario Sobral. Já há indícios, nesta primeira obra, de traços nacionalistas que iriam se fortalecer em publicações posteriores. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov. br/. Acesso em: 16 maio 2022. Documento orientador da elaboração dos currículos das escolas nacionais, apresenta habilidades e objetos de estudos a serem desenvolvidos com alunos da Educação Básica, além de ofertar uma reflexão sobre o papel da educação na contemporaneidade, prevendo novas linguagens e abrindo as portas das escolas para as inovações tecnológicas. 139


BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental – Introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília, DF: MEC, 1998. Guia curricular com diretrizes para orientar educadores, organizado por disciplinas e por ciclos. Para o Ensino Fundamental, o guia contempla quatro ciclos, com dois anos letivos cada. CHICOSKI, Regina. Era uma vez, eram duas, eram três: o reconto em Procura-se lobo, de Ana Maria Machado. In: AGUIAR, Vera Teixeira de; MARTHA, Alice Áurea Penteado (org.). Conto e reconto: das fontes à invenção. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. v. 3. A pesquisadora demonstra como Ana Maria Machado realiza uma reflexão sobre a representação da figura do lobo na literatura, por meio de referências aos lobos das histórias infantis, mas também de obras universais que apresentam essa figura emblemática, especialmente na modernidade. FAILLA, Zoara (org.). Retratos da leitura no Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial: Instituto Pró-Livro, 2012. v. 3. Reflexões sistemáticas sobre a terceira edição da pesquisa Retratos da leitura no Brasil, realizada no país a cada três anos. O livro é composto de artigos de escritores, pesquisadores e autoridades, todos preocupados com a questão da leitura no país. LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: uma nova outra história. Curitiba: PUCPress, 2017. Retomando o livro clássico das pesquisadoras, Literatura infantil brasileira: histórias & histórias, a nova versão da obra amplia os sentidos da literatura infantil ao abarcar as produções virtuais, os diferentes suportes textuais, as novas tendências literárias e o papel da imagem nos livros para a infância. MACHADO, Ana Maria. Sangue nas veias. In: FAILLA, Zoara (org.). Retratos da leitura no Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial: Instituto Pró-Livro, 2012. v. 3. Artigo de Ana Maria Machado que compõe o volume 3 da coleção Retratos da leitura no Brasil, que discute o papel da leitura na vida da população brasileira e como se dá o acesso a esse bem cultural. MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1997. Ampliando a definição de leitura, a autora faz um ensaio não apenas a respeito do que é a leitura mas do seu significado e papel na sociedade 140


atual, instigando o leitor a buscar ampliar seu desenvolvimento com base nas diversas fontes leitoras. RETRATO de Mário de Andrade. In: ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. [São Paulo], c2001-2022. Pintura de Anita Malfatti. Disponível em: https://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2050/retrato-de-mario-deandrade. Acesso em: 16 maio 2022. O retrato de Mário de Andrade foi pintado por Anita Malfatti em 1922. Grandes amigos e duas figuras importantíssimas no movimento modernista, eles tinham uma relação próxima e de parceria intelectual.


“Tem muita gente que quando escuta a palavra ‘museu’ pensa logo num lugar cheio de coisas antigas. Posso garantir que no museu itinerante em que moro só existem coisas modernas. Mesmo assim, tenho certeza de que só de me ver você vai dizer na mesma hora que sou antiga. Não preciso e nem quero fazer suspense para me apresentar. Sou uma máquina de escrever. Uma máquina de escrever modelo Remington 12. Meu nome é Manuela. Encantada!”

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