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PNLD 2023 | O3 - DETETIVE CECÍLIA E A ÁGUIA DE BRONZE - FGV Editora

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águia de bronze Ilustrações: fábio sgroi

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Detetive Cecília e a águia de bronze

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Luis Eduardo Matta

Cecília decidiu descobrir o que estava acontecendo no cômodo aceso do segundo andar. Ela esgueirou-se até a frente da casa e constatou que a porta principal estava desguarnecida. Subiu os degraus lentamente e foi surpreendida por uma mão no seu ombro: – BU! Cecília virou-se assustada. Uma bruxa encapuzada a olhava fixamente por trás de grossos óculos com lentes que mais pareciam fundos de garrafa. Estava toda vestida de preto e usava um chapéu pontudo. – Quem... é... você? – Cecília perguntou, sentindo os joelhos tremerem. – A águia está comigo – respondeu a bruxa, com uma voz anasalada e esganiçada. – Eu sei que você está procurando por ela.

U A R D O M AT TA

Livro Professor



LU I S E D

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U A R D O M AT TA

águia de bronze Ilustrações:

fábio sgroi


Texto © Luis Eduardo Matta Ilustrações © Fábio Sgroi Direitos desta edição reservados à FGV Editora Rua Jornalista Orlando Dantas, 9 22231-010 – Rio de Janeiro, RJ – Brasil Tel.: 21-3799-4427 editora@fgv.br | www.editora.fgv.br Impresso no Brasil / Printed in Brazil Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei nº 9.610/98). Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV Matta, Luis Eduardo, 1974Detetive Cecília e a águia de bronze / Luis Eduardo Matta ; Ilustração: Fábio Sgroi. - 2. ed. - Rio de Janeiro : FGV Editora, 2021. 88 p. : il. color. ISBN (professor): 978-65-5652-113-8 ISBN (aluno): 978-65-5652-112-1 1. Livros ilustrados para crianças. I. Fundação Getulio Vargas. II. Título. CDD – 741.642 Elaborada por Rafaela Ramos de Moraes – CRB-7/6625

Revisão: Michele Mitie Sudoh Design gráfico: Fábio Sgroi Editoração eletrônica: Daniela Capezzuti 2ª edição, 2021


Sumário 1. Águia de bronze não voa sozinha .......................................7 2. Uma relíquia da antiga fazenda .........................................10 3. O Espanador de Lua ................................................................15 4. Uma sala acesa na noite .......................................................20 5. A voz misteriosa por trás da luz .......................................25 6. Um encontro muito suspeito ..............................................29 7. Como assim?! ............................................................................33 8. Mal-entendido coisa nenhuma! .........................................40 9. Alguém está mentindo .........................................................45 10. Cecília tem uma ideia ...........................................................52 11. O casal misterioso do apartamento vazio .....................55 12. O segredo da águia de bronze ........................................... 62 13. O chilique do Espanador ......................................................67 14. Um plano que quase deu certo .......................................... 72 15. Três detetives e um segredo ............................................... 74


mapa do Condomínio quinta do riacho

casa dos funcionários

(onde mora o bernardo)

Avenida

Itaguapé

estátua da

águia de bronze Entrada

lago

casa velha

torres

área oeste


edifício rouxinol

(onde mora a mariela)

entrada

alternativa

clube

edifício cotovia

(onde mora a cecília)

torres

área leste



detet ive cecí lia e a águia de bronze

1. Águia de bronze não voa sozinha Só na quinta ou sexta vez que sua mãe lhe sacudiu as cobertas é que Cecília conseguiu abrir os olhos. O que não significava exatamente que estava acordada. – Anda, menina! Deixe de preguiça! – chamou ela, já ficando meio histérica. – Você vai se atrasar para a aula. Cecília girou sobre o colchão. Enxergou o relógio em formato de abóbora na mesinha de cabeceira: 5h45. – Aiiii... Ela suspirou de desespero. Como assim já era hora de acordar se ela sentia como se tivesse acabado de se deitar? – Daqui a pouco a escola vai mudar o seu nome na lista de chamada para “Atrasalda” – caçoou a mãe. – Ou para “Atrasília”. – Ela deu uma risadinha. – Atrasília tem mais a ver com Cecília, hehehe. – Acho que eu mesma vou mudar o meu nome para “Senhorita Sono” – replicou Cecília. Ela jogou as cobertas longe e se arrastou descalça para o banheiro. – Olha, eu assisti a esse arremesso de edredom – falou a mãe. – Não se esqueça, Baguncília, que você ainda tem que arrumar o quarto antes de sair. – Já sei, Coronel Bronca. – Então, acelera. Estou servindo o café na copa – fez uma pausa dramática e concluiu, antes de sair do quarto: – E Coronel Bronca é a senhora sua mãe! Mas não foi isso o que eu acabei de dizer?, resmungou Cecília. Ela se olhou no espelho sobre a pia. Viu duas olheiras profundas no rosto. Ou, melhor: viu um rosto por trás de duas olheiras enormes e medonhas. 7


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Seu banheiro era cor de abóbora. Era a sua cor favorita. Na verdade, a cor não era exatamente abóbora. Era alguma coisa entre o vermelho e o abóbora. O código da cor era o #e25d1b. Seu banheiro não havia sido feito exatamente nessa cor. Ela suspeitava que os azulejos ali fossem #ec8619, entre o tom abóbora e o laranja. Ou seria mais para o laranja? Cecília deu de ombros, abriu a torneira e lavou o rosto com o jato de água fria, acordando de vez. Depois de arrumar a cama e vestir o uniforme azul e branco do colégio, ela voltou ao espelho para escovar o cabelo. Notou que as olheiras haviam diminuído bastante. Quando entrasse na sala de aula, elas provavelmente já teriam sumido. – Anda, Cecília! – A mãe apareceu no quarto de novo. – Já são mais de seis! Você já está tecnicamente atrasadésima! – O que é “tecnicamente atrasadésima”? – Significa que, nesse ritmo, você só vai chegar na escola quando a última aula tiver terminado. – E isso é ruim? A mãe saiu do quarto sem responder. Mas Cecília já estava pronta. Ela puxou sua mochila com rodinhas até a sala e foi para a copa tomar café. Uma caneca de leite achocolatado já estava à sua espera. Ao lado, um prato, duas fatias de pão de centeio recém-tiradas da torradeira, uma manteigueira e um pote de requeijão. Embora meio brava às vezes, Juliana era uma mãe legal, carinhosa, animada e generosa. Cecília reconhecia que ela só brigava quando havia razão para isso. Quando Cecília custava a acordar, por exemplo (o que acontecia rigorosamente todos os dias). Quando ela tirava notas baixas (o que era raro, mas nunca nas aulas de História, que ela adorava). 8


Ou, pior de tudo, pela mania de Cecília de querer bancar a adulta. E de dizer aos adultos tudo o que pensava, como se fosse um deles. Uma das suas “vítimas” preferidas era Hélio Moacyr Moura, o síndico do condomínio onde elas moravam. Cecília detestava o “troglodita antipático” que administrava o condomínio há anos. Tanto que o apelidara de “Leôncio” – uma alusão à morsa do

cecília

desenho Pica-Pau, com quem o síndico era parecidíssimo. “Leôncio”, é claro, não fazia a menor ideia de que era chamado assim pelas costas. Se soubesse, seria bem capaz de colocar um piano pela boca de tanta raiva. Logo Cecília e a mãe estavam no elevador descendo para a garagem. Elas moravam no décimo andar do Edifício Cotovia, uma das dez torres distribuídas pelo condomínio. O carro de Juliana deixou a garagem e seguiu em direção à praça circular que ficava antes dos portões. Essa praça era quase toda ocupada por um chafariz com uma imponente águia de asas abertas no meio. Era uma estátua antiga e muito bonita de 1 metro de altura por 1,5 de largura, toda feita de bronze. Cecília percebeu que havia algo errado antes mesmo de o carro chegar à praça. O chafariz estava desligado, o que nunca acontecia naquela hora. Havia uma viatura da polícia encostada na pracinha. O síndico Leôncio agitava as mãos, enquanto discutia com os policiais. Lino Lopes, um dos vigias, estava do lado dele. Parecia tenso. Mas o mais estranho era a águia de bronze. 9


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Ela havia desaparecido. Juliana fez pouco caso: – Na certa, foi levada para limpeza. Esse síndico aloprado chamou a polícia à toa. Será?, pensou Cecília. – Mas ele está tão nervoso... – Como se isso fosse novidade. No dia em que o Hélio Moacyr não estiver nervoso, é capaz de chover girafas. O carro saiu do condomínio e ganhou a Avenida Itaguapé. Cecília virou-se para avistar o condomínio ficando para trás. Por entre as grades dos portões, ainda deu para ver um pouco mais do nervosismo do síndico. E da fonte vazia. Ela concordava com a mãe que Leôncio era maluco. Mas o sumiço da águia de bronze deixou-a perturbada a manhã inteira. Ela adorava a estátua. E sentiu que alguma coisa estava esquisita naquela história.

2. Uma relíquia da antiga fazenda – Ah, não acredito mesmo que alguém tenha roubado aquela estátua esquisita... – Mariela exclamou, depois que Cecília contou o que tinha acontecido. – Qual o louco que iria querer aquilo? As duas estavam em frente à escola, esperando a mãe de Mariela, que tinha ficado de passar para apanhar as duas. – Sei lá, ué. – Cecília sacudiu os ombros sem convicção. – Porque é bonita... – E suja... E é de bronze. Ainda se fosse de ouro... Mas bronze não vale nada. – Como é que você sabe disso? 10


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– Li em algum lugar – Mariela falou, cheia de si. – Bronze é cobre misturado com estanho. São dois metais baratos. Mariela Kassoma era a melhor amiga de Cecília. Ela nasceu em Angola e se mudou com os pais para o Brasil quando era bem pequena. Angola é um país da África onde se fala português, e isso facilitou bastante a vida de Mariela, que não precisou aprender uma segunda língua para fazer amigos na sua nova morada. As duas moravam em torres diferentes no Condomínio Quinta do Riacho. Cecília no Cotovia e Mariela no Rouxinol. O carro da mãe de Mariela parou na porta da escola. – OBA! – vibrou Cecília. – Mal vejo a hora de chegar no condomínio e saber as últimas notícias da estátua. – Vai ver ela voou... – ironizou Mariela. As duas pularam depressa no banco de trás do carro. – Boa tarde, mãe! – disse Mariela. – Boa tarde, dona Isabel – cumprimentou Cecília, fechando a porta do carro. – Boa tarde, meninas. Coloquem os cintos, que vamos zarpar! Quando o carro já estava em movimento, Cecília perguntou: – Alguma novidade sobre o roubo da estátua? – A águia de bronze? – perguntou Isabel. – Ainda não sabem se foi um roubo, Cecília. – O que o Leônc... – Mariela engasgou. Lembrou-se que mais ninguém além dela e de Cecília sabia do apelido “Leôncio”. Por isso, se corrigiu a tempo: – O que o nosso querido síndico acha? – Acha que foi roubo, claro. Ele está fazendo um escândalo por causa disso. Chamou a polícia, disse que iria aos jornais... Está feia a coisa. – Quer dizer que ele não sabe de nada mesmo? – indagou Cecília. 11


– Como assim? – É que o nosso síndico é meio birutinha, né? Ele podia ter mandado a estátua para alguém consertar alguma coisa e ter se esquecido que mandou. O carro dobrou à direita para entrar no condomínio. Passaram pela cancela e deram um alô para mariela

o vigia Lopes. Ele estava sorridente. Nem parecia que tinha aturado mais

cedo os gritos do síndico por causa do sumiço da águia de bronze. – Coitado do Lopes, é tão simpático – comentou Cecília. – Deve ser duro ter o Leôncio como chefe. – É mesmo – concordou Mariela. A maioria dos moradores do Quinta do Riacho gostava de Lopes, que estava há um ano no emprego. Antes de ser vigia, ele tinha trabalhado um tempo para um irmão de dona Mirtes, vizinha de Cecília no Cotovia. Foi ela quem levou Lopes para o condomínio depois que o irmão morreu. O carro contornou a praça do chafariz (sem a estátua no meio) e subiu pela ladeira que levava ao prédio de Cecília. – Dona Isabel, a Mariela pode almoçar lá em casa hoje? – perguntou Cecília, de repente, já tendo um milhão de ideias na cabeça. – Mariela está cheia de deveres para fazer em casa. – Por favor, tia. – Cecília juntou as mãos, como se fosse rezar. – É, mãe. – Mariela repetiu o gesto da amiga. – Por favor! Isabel olhou para trás e sorriu: – Tudo bem... tudo bem... Mas é só para almoçar. Às duas eu passo para te pegar, ouviu, Mariela? 12


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– Às três – negociou Mariela. – Às duas e meia, então. E não se fala mais nisso! O carro estacionou diante do Edifício Cotovia. As duas desceram. Isabel falou a Cecília: – Dê um abraço na sua mãe. Diz que eu ligo depois. – Pode deixar. Tchau! Cecília e Mariela subiram até o apartamento. A mesa do almoço estava posta quando elas entraram. Juliana deu um abraço em Mariela e declarou, na maior alegria: – Que bom que vamos ter mais um prato na mesa! Você gosta de estrogo...? – Juliana ia falar “estrogonofe”, mas as duas já tinham voado lá para dentro. Ela deu de ombros e voltou à cozinha. Cecília fechou a porta do quarto e começou a vasculhar os livros na sua estante, atirando alguns no chão. Mariela ficou confusa: – O que está fazendo? – Jogando vôlei. – Hã? – Procurando um livro, né, sua boba? Dããã... Só então Mariela entendeu que Cecília tinha sido irônica e fechou a cara antes de dizer: – Estou morrendo de rir. – ACHEI! Cecília mostrou a Mariela o livro que procurava: História da Quinta do Riacho. Um livro bonito, colorido, de capa dura e páginas com fotos e pinturas. Fora um presente de sua avó, já que a garota adorava ler. – Olha só que legal. Este livro conta a história da Quinta do Riacho – enquanto falava, Cecília ia folheando as páginas. – Era uma fazenda enorme que existiu aqui no passado. Pertencia ao Barão de Itaguapé. 13


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– Eu sei. O nosso condomínio foi construído num pedaço das terras dessa fazenda. – Isso mesmo. – Cecília continuou folheando o livro. – A fazenda tinha duas casas importantes. Uma era a sede da fazenda, um casarão onde morava a família do barão. A outra era o escritório dele. O casarão foi derrubado, mas a casa do escritório ficou de pé. – É a Casa Velha! Era assim que os moradores chamavam a antiga casa situada logo na entrada do Quinta do Riacho, que fora restaurada durante a construção do condomínio. Na Casa Velha ficavam o gabi­nete do síndico e salões para reuniões e festas. Cecília encontrou a página que estava procurando, na qual havia uma foto em preto e branco do casarão demolido. A foto tinha sido tirada em 1918. – Dá só uma olhada nisso. Mariela aproximou o rosto da foto e entendeu o que Cecília queria mostrar. A águia do chafariz enfeitava o topo da escadaria que levava à entrada principal da casa. Era uma foto marcante para Cecília. Sempre que passava diante da águia, ela se lembrava daquela imagem no livro. – Olha só: aqui diz – Cecília falava, enquanto lia o texto abaixo da foto – que essa águia de bronze foi feita na França, no século XIX. E que é a única peça que se salvou da demolição do casarão. – Iiihhh... É uma estátua rara. Pode ser então que valha muito dinheiro. Mesmo sendo feita de bronze. – Um bom motivo para alguém passar a mão nela, né? Mariela teve que concordar. 14


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– Só é. Mas quem iria fazer isso? A cabeça de Cecília já estava a mil. Imaginou montes de suspeitos, entre vizinhos, funcionários e o próprio síndico. Mas não queria tirar nenhuma conclusão antes de saber melhor o que aconteceu. – O que acha de darmos uma mãozinha para a polícia e fazermos uma investigação por conta própria? Mariela arregalou os olhos, espantada com a sugestão, e ficou encarando a amiga por um tempão. – Você está falando sério? – Estou com cara de quem está brincando? – Eu topo – Mariela vibrou. – Vou torcer para que o síndico seja o culpado. Ele é tão prepotente e metido a besta. Quem olha até pensa que é o imperador do condomínio.

3. O espanador de lua Foi complicado para Cecília e Mariela almoçar naquela tarde, tendo que fazer cara de paisagem para que Juliana não desconfiasse que elas estavam planejando descobrir o ladrão da águia de bronze. Depois do almoço, as duas amigas voltaram para o quarto e retomaram a conversa de onde tinham parado: – E aí? – perguntou Mariela. – Como é que a gente vai investigar? – Investigando – respondeu Cecília, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo. – Mas eu nunca investiguei nada antes. Não sei por onde começar. 15


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Cecília pensou um pouco. – Acho que, antes de mais nada, vamos precisar de instrumentos. Todo detetive tem um monte de instrumentos para investigar. – Que tipos de instrumento? Cecília se lembrou de umas histórias policiais que tinha lido. Suas preferidas eram protagonizadas por Nancy Drew e, principalmente, por Sherlock Holmes. Os três mandamentos do bom detetive eram: saber reconhecer pistas, ficar invisível quando necessário e perceber quando alguém estava mentindo. – Primeiro, acho que vamos precisar de câmeras, gravador e aparelhos para a gente se comunicar. As duas pararam de repente, dando-se conta de uma coisa óbvia. – Peraí – foi Mariela que falou. – Nossos celulares já fazem isso tudo. – Verdade – riu Cecília, concordando e aliviada por não precisar carregar toda aquela tralha. – Além disso, binóculos são importantes. Para espionar a distância. Mariela se empolgou: – E óculos escuros. Para olharmos sem que percebam que estamos olhando. – Vamos precisar também de disfarces. Mariela franziu a testa: – Disfarces? – Para a gente poder circular por aí sem que nos descubram. Roupas diferentes das que a gente usa... Enchimento para colocar por baixo das roupas... Maquiagem... E perucas. – Minha mãe tem uns turbantes coloridos – empolgou-se Mariela, já antevendo toda a produção que faria em si mesma. – Mas não sei onde conseguir perucas. 16


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– Eu sei. – Ela se levantou. – Vem comigo. Cecília abriu a porta. Mariela ficou apreensiva: – Para onde? Toma cuidado. Sua mãe pode descobrir. – Fica tranquila. É só a gente fazer cara de quem não está fazendo nada de errado. – Não sei fingir desse jeito. – Então é melhor aprender. Faz parte do treinamento para virar detetive. Ouviram o barulho da louça sendo lavada na cozinha. Cecília e Mariela aproveitaram e foram andando na ponta dos pés até o armário do quarto de hóspedes. Tiraram lá de dentro uma arca grande de vime que estava cheia de fantasias. Entre elas, três perucas: uma loura, uma preta e outra de cabelos brancos. Havia também bigode e barba postiços, chapéus, lenços e máscaras de borracha. – Não tem risco da sua mãe descobrir que vamos usar essas fantasias? – perguntou Mariela. – Não. Ela só mexe nesse baú na época do Carnaval. Estamos em abril e o próximo Carnaval é só em fevereiro do ano que vem. Mariela exclamou, toda eufórica: – Lembrei agora! Minha avó, que mora em Angola, veio passar o Natal com a gente e me trouxe um estojo de maquiagem irado de presente. Ainda não usei, mas pode servir numa investigação. – Que máximo! Pode sim! Acho que com tudo isso o nosso equipamento de detetive está completo. Agora é começar a investigar. O celular de Mariela apitou. Isabel tinha acabado de mandar um recado pedindo a ela que descesse. A menina torceu os lábios, contrariada. – Agora não vai dar. Minha mãe está vindo me apanhar. 17


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– A gente começa mais tarde, então – sugeriu Cecília. – Assim você leva o estojo de maquiagem. Acha que dá para marcarmos uma reunião ainda hoje? – Se eu conseguir terminar meus deveres de casa, dá. – Você é a primeira da turma. Vai conseguir fácil. Minha dúvida é se sua mãe vai te deixar sair. – Minha mãe não vai estar em casa. Ouvi ela combinando com meu pai de os dois irem ao supermercado no final da tarde, depois que ele sair do trabalho. Essas compras costumam levar horas, porque eles vão até aquele hipermercado lá do outro lado da cidade. Só devem voltar lá pelas 20h. – Vamos combinar às 18h, então? Mariela se empolgou. – Vamos! Que tal na Casa Velha? – Fechado! Mariela entrou no elevador. Dois andares abaixo, ele parou e entrou um homem estranhíssimo carregando uma maleta de executivo. Era bem alto (devia ter quase dois metros de altura) e elegante (vestia terno e gravata). Mas tinha uma cabeleira farta e desgrenhada, que não devia ser penteada há anos. Parecia um espanador de Lua, de tão alto. Mariela tinha certeza de que nunca o vira antes. O Espanador de Lua entrou mudo e saiu calado do elevador. Não dirigiu sequer um “boa tarde” para Mariela. Além de não acostumá-lo a pentear aquele cabelo horrível, a mãe dele, pelo visto, não tinha lhe ensinado regras básicas de educação. Quando o elevador se abriu no térreo, Mariela teve uma vontade quase irresistível de falar “até logo para o senhor também”, mas se conteve. Os dois saíram pela portaria principal. Do lado de fora, o único carro parado era o de Isabel. Mariela viu quando o Espanador 18


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de Lua foi embora andando. Quase ninguém caminhava ali dentro. E foi muito estranho ver aquele homem alto, elegante e descabelado se afastando a pé pela calçada vazia do condomínio. Mariela precisava falar dele mais tarde com Cecília.

4. Uma sala acesa na noite – Querida – disse Juliana. Estava com uma bolsa pendurada no ombro e a chave do carro na mão. – Vou dar um pulinho no supermercado! Quer alguma coisa? Que você demore bastante, pensou Cecília. Ela já tinha terminado de fazer os deveres de casa, mas continuava debruçada na escrivaninha do seu quarto, fingindo ainda estar estudando. – Traz sorvete de chocolate? – ela perguntou. – Nem pensar. É muito engordativo. Peça outra coisa. – Hummm, pode ser gelatina então. De qualquer sabor. – De jeito nenhum. Essas gelatinas têm corantes e muita química. Não quer nada melhor? Cecília bufou. – Melhor de que tipo? Umas folhinhas de alface? Ou uns chuchus? – Não sabia que você gostava de chuchu. Quer quantos? Era zoação. Por que é que eu fui falar? – Não quero nada, mãe. Obrigada. – Não faz cerimônia, filhinha. Eu posso preparar uns chuchus cozidos para você. É supersaudável. Jesus, me salva dessa! – Eu queria sorvete de chocolate. Mas chuchu é a mesma 20


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coisa, né? – ela falou, irônica. – Pode trazer. Vou fazer um milk shake de chuchu. – Engraçadinha – bufou Juliana. – Se alguém telefonar e perguntar por mim, diga que estou no banho. Não quero que nenhum maluco por aí pense que você fica sozinha em casa. E saiu. Finalmente! Cecília ergueu os braços para o alto, agradecida, e voou para o baú do quarto de hóspedes. Já tinha pensado em tudo. Pegou uma peruca branca e um xale. Dali foi ao armário da mãe e apanhou uma echarpe estampada e uma bata que, no corpo miúdo dela, se transformava em vestido. Trocou de roupa, prendeu o cabelo com grampos e cobriu-o com a peruca. Depois pôs um xale sobre os ombros e passou a echarpe em torno da cabeça. Para arrematar, colocou um dos seus óculos escuros estilosos. Só não apanhou um de armação cor de abóbora (sempre o abóbora), pois alguém poderia reconhecê-la. Ela deixou o apartamento e desceu pelas escadas para fugir das câmeras do elevador. No térreo, evitou a portaria e saiu pela garagem. Procurou ficar curvada e andar bem devagar para imitar os passos de uma velhinha. Teve vontade de rir. Devia estar com uma aparência gozada. Aos poucos, foi vendo os contornos da Casa Velha. Ela tinha um telhado alto e pontiagudo que lembrava mansões de filmes de terror. Cecília olhou à volta. Não viu ninguém. Por um lado isso era bom, pois não haveria ninguém para atrapalhar a sua missão. Mas por outro era ruim, porque... porque... Cecília detestava admitir. Afinal, era uma detetive. Mas era porque dava um medo danado ficar andando ali no condomínio sozinha, à noite, e, ainda por cima, em direção a uma mansão antiga com jeito de mal-assombrada. 21


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De repente, mil cenas passaram pela sua cabeça. Ela imaginou a águia de bronze voando sobre o condomínio. Imaginou bruxas narigudas reunidas no sótão sob o telhado pontiagudo, rindo enquanto cozinhavam fantasmas num caldeirão fumacento. Imaginou o síndico saindo de um sarcófago dentro da Casa Velha, carregando a própria cabeça num dos braços e acenando sinistramente para ela enquanto soltava um sinistro “ooooiii”. Mas Cecília não parou de andar um só minuto. Sabia que tudo aquilo era fantasia. Mas que a casa era sombria, isso era. Ela chegou mais perto e reparou que a porta que dava para uma das sacadas no segundo andar estava aberta. E saía luz lá de dentro. Estranho, porque o síndico costumava estar em casa naquele horário. Aquela sala iluminada parecia meio suspeita... Cecília olhou para um lado, olhou para o outro, certificou-se de que não havia mesmo ninguém por perto e atravessou a rua em direção à Casa Velha. Alguns carros entravam e saíam do condomínio, mas felizmente nenhum passou por ela. Cecília ajeitou a echarpe em torno da peruca branca e encostou numa das paredes da casa, ficando bem embaixo da sacada que dava para a sala acesa. Tentou ouvir alguma coisa, mas a sacada era alta. Anotou mentalmente que precisaria providenciar um supermicrofone para escutar conversas distantes. Falaria sobre isso com a detetive Mariela, assim que tivesse oportunidade. Cecília decidiu descobrir o que estava acontecendo no cômodo aceso do segundo andar. Ela esgueirou-se até a frente da casa e constatou que a porta principal estava desguarnecida. Subiu os degraus lentamente e foi surpreendida por uma mão no seu ombro: 22


– BU! Cecília virou-se assustada. Uma bruxa encapuzada a olhava fixamente por trás de grossos óculos com lentes que mais pareciam fundos de garrafa. Estava toda vestida de preto e usava um chapéu pontudo. – Quem... é... você? – Cecília perguntou, sentindo os joelhos tremerem. – A águia está comigo – respondeu a bruxa, com uma voz anasalada e esganiçada. – Eu sei que você está procurando por ela. Cecília reconheceu a voz e arrancou o chapéu e o capuz da bruxa. – Mariela! A amiga começou a rir, mas Cecília não estava achando a menor graça. – Peguei você! – disse Mariela. – Não foi nada engraçado – retrucou Cecília, com o coração acelerado de susto. – Que roupa é essa que você está vestindo? – Ué, não era para vir disfarçada? – Disfarçada. Não fantasiada. Assim você vai chamar a atenção de todo mundo. – Eu não tenho um baú de fantasias como você. – Mariela retirou a máscara pavorosa. – Passei os últimos carnavais em Luanda. Essa roupa de bruxa foi da peça de teatro do ano passado lá no colégio. Eu era a Malévola. – Mas a roupa é a da Bruxa Malvada do Oeste. – Foi a única fantasia de bruxa que eu encontrei para comprar. 23


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Cecília percebeu que seria perda de tempo ficar discutindo aquilo e foi ao que interessava. – Tem uma luz acesa lá em cima. A essa hora a Casa Velha costuma ficar fechada. Acho que a gente deve subir e dar uma olhada. – É. Vai ver estão depenando a águia de bronze – riu Mariela, voltando a cobrir a cabeça com o capuz, mas abrindo mão da máscara e do chapéu. Cecília fez uma careta e as duas entraram. O salão principal da casa era muito bonito. Tinha o piso de mármore xadrez e um lindo lustre de cristal no teto. No fundo, uma escadaria opulenta com uma passadeira vermelha levava ao segundo andar. Havia um cheiro estranho no ar. De cimento, terra ou algo parecido. Talvez alguma parte da casa estivesse em obras. As duas subiram os degraus devagar, imaginando que a qualquer momento surgiria alguém para detê-las. Mas isso não aconteceu. Elas chegaram ao segundo andar e caminharam pelo corredor até uma porta entreaberta. Pelos cálculos de Cecília, a sala acesa ficava exatamente naquela parte da casa. A porta dava para um cômodo escuro de dar medo. Dali saía uma voz distante. – Será que essa é a porta de algum túnel? – sussurrou Mariela. Elas entraram e, quando os olhos se ajustaram ao escuro, descobriram que aquele cômodo era apenas uma espécie de sala de espera. A sala de espera do gabinete do síndico. Era a voz dele que as duas ouviram vinda de uma segunda porta. A porta do gabinete. E o homem parecia nervoso. 24


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– Não me interessa! – dizia Leôncio. – Exijo que a polícia fique fora disso! Não aconteceu nenhum roubo, pipocas! Como assim, nenhum roubo? Cecília e Mariela só não se entreolharam intrigadas porque estavam numa saleta escura. – Já disse! Essa águia é assunto meu! – prosseguiu o síndico, dando murros na mesa. Como não havia nenhuma outra voz ali, as duas detetives concluíram que Leôncio estava ao telefone. – Não houve denúncia. A polícia não entra mais aqui no condomínio. Estamos entendidos? – Quem são vocês? A voz viera de trás. Assustadas, Cecília e Mariela se viraram no momento em que um clarão intenso de luz quebrou a escuridão, cegando os olhos das duas por alguns segundos. E agora? – O que estão fazendo aqui na sala do síndico? – indagou a voz. – Espionando? Cecília e Mariela se encolheram num canto. A lanterna avançou um pouco mais. A voz completou, ainda mais firme: – Vou entregar as duas para o síndico. Ele vai saber o que fazer com vocês.

5. A voz misteriosa por trás da luz Cecília prestou atenção na voz por trás da lanterna. O tom era ameaçador. Tudo indicava que a voz cumpriria sua ameaça. – A gente não estava fazendo nada de mais... – gaguejou Mariela. 25


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– Espionar o síndico não é nada de mais? – interrompeu a voz, acusadora. Cecília percebeu que tinha uma chance de escapar. A porta que dava para o corredor estava aberta. Se ela e Mariela saíssem correndo, logo chegariam à escada e, dali para o térreo, seria bem rápido. Então, resolveu enfrentar a voz da lanterna. Não havia outra coisa a fazer, já que estavam encurraladas. – Nós estamos investigando o desaparecimento da águia de bronze! – Vocês? Investigando? – riu a voz. – As próprias ladras querendo descobrir o roubo. Cecília ficou confusa. – Próprias ladras? Nós? – Você está insinuando que nós roubamos a estátua? – protestou Mariela. – Que outro motivo faria vocês virem bisbilhotar a conversa do síndico? – indagou a voz. – Vocês vieram para saber como estão as investigações e, assim, arrumar um jeito de atrapalhar tudo. – Isso é ridículo! – E mesmo detestando o Leôncio – prosseguiu a voz –, vou ter que denunciar vocês a ele pelo bem do condomínio. Leôncio? A voz chamou o síndico de Leôncio? Foi isso mesmo que Cecília e Mariela tinham ouvido. O que estava acontecendo, afinal? A luz ofuscante da lanterna na cara delas não permitia ver quem a segurava, mas Cecília decidiu correr o risco e tirar aquilo a limpo logo de uma vez. Ela avançou para a lanterna e segurou-a com força. – O que é isso, vovó? 26


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– Vovó é a vovozinha – respondeu Cecília, direcionando o feixe de luz para o alto até ela apontar para o rosto do dono da lanterna. – BÊ?! Mariela arregalou os olhos, surpresa. – Como é que é? É o Bê? Agora era Bê que estava confuso: – Como vocês sabem meu apelido? – Nós te demos o apelido, Bê! – vociferou Cecília. Bê ainda precisou de alguns segundos para entender: – Cecília? Mariela? – Gênio! – ironizou Mariela. – Que gênio é o Bê! A voz potente de instantes atrás tinha dado lugar ao garoto legal e meio tímido de sempre. Bernardo, ou simplesmente “Bê” para os íntimos. Bernardo era neto de um dos funcionários mais antigos do condomínio, o seu Felício. Morava com ele para aproveitar a proximidade com o colégio onde estudava, o mesmo de Cecília e Mariela. – Mas vocês estão... tão diferentes... – disse ele. – Cecília, você envelheceu bastante de uns dias para cá. E você, Mariela, está meio sinistra com esse capuz preto. – Estamos disfarçadas, seu tolo. – Cecília havia recuperado o controle da situação. – Não está vendo? – E parece que funcionou, pois você não reconheceu a gente – provocou Mariela. – Disfarçadas para quê? – Nós acabamos de te dizer, mas parece que você já esqueceu – retrucou Cecília. – Estamos investigando o sumiço da águia de bronze. Bernardo não disse nada. A lanterna continuava acesa, só que virada para o alto, iluminando indiretamente o rosto dos três. Pareciam três assombrações. 27



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– Você ainda está achando que foi a gente que pegou a estátua? – perguntou Mariela. – Não. Só estou um pouco decepcionado. – Com o quê? – Pensei que tivesse desvendado o enigma vendo vocês duas aqui. Cecília só não soltou uma exclamação porque o síndico poderia ouvir. – Quer dizer que você também está investigando o sumiço da águia? – Claro. Eu adoro aquela estátua. Não me conformo de ela ter sumido. Além do mais, quem solucionar esse mistério é capaz de virar um herói aqui no condomínio. – Peraí! – encrespou Cecília – Você está atrás da estátua ou de fama? – Das duas coisas. Por quê? Não pode? Nem Cecília, nem Mariela tiveram tempo de responder, porque ouviram passos do lado de fora. Ao mesmo tempo se deram conta de que o síndico não estava mais falando. Os passos foram ficando cada vez mais fortes. Quem quer que estivesse andando ali, só poderia estar vindo para a sala do síndico. Era a única que estava ocupada na Casa Velha naquele horário.

6. Um encontro muito suspeito Bernardo correu a lanterna pela pequena sala de espera. Havia dois sofás, uma escrivaninha com cadeira, uma estante com livros e bibelôs, e um vaso grande com palmeirinhas de folhas largas. 29


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Onde se esconder? Cecília tomou a iniciativa: – Mariela, vai para baixo da mesa – disse ela. – Eu fico atrás da planta. E você, Bê, se esconde atrás da porta. – Por que logo eu atrás da porta? – revoltou-se Bernardo. – Porque você está armado com uma lanterna e pode reagir se formos descobertos. Não havia tempo para discutir. Bernardo tomou sua posição no vão entre uma das bandas da porta e a parede. Cecília havia acabado de se enfiar atrás do vaso e Mariela sob a escrivaninha, quando a porta se abriu e uma figura alta entrou na sala. A pessoa tateou em busca do interruptor e acendeu a luz. Mariela aproveitou para esticar os olhos e arrepiou-se ao ver quem era. O Espanador de Lua. Ele, felizmente, não olhou para os lados e foi direto para a porta do gabinete. Deu duas batidinhas e entrou. – Ah, é você? – eles ouviram a voz do síndico exclamar. – Isso lá são horas de aparecer? – Toda hora é hora – respondeu o Espanador. Agora a porta estava novamente fechada e as vozes menos sonoras. – Resolveu o nosso assunto? – Você está achando que isso aqui é a casa da sogra? Desde quando você me dá ordens? Cecília, Mariela e Bernardo foram, cautelosamente, deixando seus esconderijos e posicionaram-se junto à porta para ouvir a conversa. – Não estou dando ordens – respondeu o Espanador de Lua. – Mas se eu quisesse, eu poderia. Trate de fazer o que deve ser feito. E rápido. Cecília, Mariela e Bernardo se entreolharam, tensos. 30


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– Já estou providenciando – respondeu o síndico, mais manso. – Era só o que eu tinha a dizer. Amanhã nos falamos de novo. Até lá, espero que o senhor já tenha uma resposta definitiva para mim. A conversa aparentemente havia chegado ao fim. Cecília se apavorou ao constatar que a porta seria aberta a qualquer momento. Ela fez sinal para Mariela e Bernardo e os três correram para fora da antessala. Talvez não desse tempo de sair da Casa Velha sem serem vistos pelo Espanador de Lua e, por isso, acharam melhor se esconder em outro lugar por uns dez minutos. Eles entraram numa espécie de depósito. Havia baldes, vassouras, material de limpeza e algumas estantes com rolos de papel higiênico, toalhas e produtos de limpeza. Deixaram a porta entreaberta para poderem observar o lado de fora. – Foram eles! – sussurrou Mariela, quase atropelando as palavras. – O síndico e esse Espanador de Lua estão juntos no crime. – Espanador de Lua? – Cecília ficou confusa. – É. Você viu como aquele cara sinistro é alto e cabeludo? O cabelo dele parece um espanador... E alto daquele jeito, pode alcançar a Lua... E então Mariela contou rapidamente que, quando saiu da casa de Cecília mais cedo, tinha descido com aquele sujeito no elevador. E que ele foi embora pelo condomínio a pé e não de carro como a maioria das pessoas fazia. Aliás, era cada vez menos comum andar a pé ali dentro. Uma pena. – Vocês ouviram a conversa do Espanador com o síndico, não ouviram? – perguntou Cecília. – Está na cara que eles passaram a mão na estátua e querem vendê-la. 31


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– Precisamos descobrir quem é esse cara – conclamou Mariela. – E uma pista está no seu prédio, Cecília. Ele desceu comigo no elevador quando eu saí da sua casa. Ele só podia estar saindo de um apartamento acima do seu. Pela fresta da porta, viram o Espanador saindo da sala do síndico e descendo pela escada. Logo depois foi a vez do síndico. Ele trancou a porta do gabinete e fez o mesmo caminho. Parecia bem nervoso. – Que droga, o Leôncio trancou a porta! – resmungou Mariela. – Logo agora que eu estava achando que a gente podia entrar lá e vasculhar tudo. – Podemos tentar entrar pela sacada – sugeriu Bernardo. – A porta dela é antiga e nunca fecha direito. – Como é que você sabe disso? – perguntou Cecília. – Já esqueceu que meu avô trabalha no condomínio? Volta e meia, o Leôncio pede a ele que venha aqui ajudar a desemperrar a porta. Ela vive dando problema. Essa casa, aliás, precisa de uma boa reforma. – Você tá maluco, é? – revoltou-se Mariela. – Você acha mesmo que a gente vai escalar a casa para alcançar a sacada pelo lado de fora? – Não precisa escalar. É só pular lá pela sacada ao lado. Elas ficam bem juntas. Não tem perigo. É só a gente pular devagar. – E se virem a gente? – insistiu Mariela, louca de vontade de abandonar aquela missão. – Bom – interveio Cecília. – Esse é um risco que a gente vai ter que correr. Pelo visto, Cecília já tinha concordado com o plano maluco. Mariela se deu conta de que era minoria ali. Dois votos contra um. 32


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– Se alguém te vir, Mariela – riu Bernardo –, é só vestir sua máscara. A pessoa vai pensar que é uma bruxa e sair correndo. – Ele apontou para as vassouras no armário. – Por que não leva uma dessas para completar o figurino? Mariela fez uma careta: – Engraçadinho.

7. Como assim?! A sacada ao lado dava para a sala de reuniões da administração do condomínio. A mobília ali se limitava a uma estante cheia de pastas e fichários e a uma mesa comprida com seis cadeiras à volta. Uma segunda porta ligava a sala ao gabinete do síndico, mas é claro que ela estava trancada. Essa porta era a última esperança de Mariela. Agora não tinha mais jeito: eles iam mesmo pular de uma sacada para a outra. A garota começava a suar frio. Cecília abriu cuidadosamente a porta dupla de madeira e vidro que dava para a sacada. Espiou o jardim lá embaixo. Deserto. – Por enquanto, tá limpo. Vamos! Ela tomou a frente e subiu no gradil de ferro que cercava a sacada, apoiou-se na parede e passou para a sacada vizinha com facilidade. A distância entre uma e outra era de cerca de meio metro. Em seguida foi a vez de Bernardo. Embora a ideia tivesse partido dele, o garoto já não estava tão confiante e chegou a tremer um pouco quando escalou o gradil. Ao passar para o outro lado, sentiu um alívio tão grande que chegou a ficar com sono por uns cinco segundos. 33


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E então chegou a vez de Mariela. Ela primeiro olhou demoradamente para o jardim do condomínio para ter certeza de que não havia mesmo ninguém espionando os três. No fundo, bem lá no fundo, Mariela até queria que houvesse, pois assim teriam um motivo forte para desistir daquele plano maluco. Mas não havia. Depois olhou para os dois amigos a postos na outra sacada. Bernardo já forçava a porta que dava para o gabinete do síndico. Cecília a encarava, aflita: – Anda, Mariela! – chamou ela. – Não temos a noite toda! – É que eu tô com meeeedo... – Medo de quê, garota? Você não viu que eu e o Bê pulamos na boa? – Não tenho vocação para Homem-Aranha. Bernardo conseguiu abrir a porta. Ele estava certo, ela era velha e fechava com dificuldade. – Escuta aqui, Mariela: se você não pular agora, eu e o Bê vamos entrar e você vai ficar aí sozinha. É o que você quer? Mariela deu de ombros. – Tudo bem. Eu entro de novo, desço a escada e volto para casa a pé. – Combinado – interveio Bernardo. – Mas não vamos contar a você o que descobrirmos aqui no gabinete. – É – concordou Cecília. – Você nunca vai saber quem é o Espanador de Lua, como ele se chama, o que veio fazer aqui e como ele e o síndico se conhecem. Mariela contraiu o rosto. – Isso é chantagem baixa. 34



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– É pegar ou largar – decretou Cecília. Vendo que não tinha alternativa, Mariela respirou fundo e subiu no balcão. Ele era antigo, de ferro trabalhado com grades que serpenteavam formando desenhos que lembravam flores, corações e outras formas menos claras. Essas grades serviam de degraus e Mariela pôs o pé direito no primeiro, o esquerdo no segundo. Não era tão difícil... Ela já se sentia mais segura quando, enfim, esticou uma das pernas para alcançar o balcão vizinho. Só que neste momento um morcego passou rente à parede da casa, emitindo um trissado agudo. Mariela levou um susto enorme e se desequilibrou justo quando estava a meio caminho das duas sacadas. A perna da frente não encontrou a segunda grade e a de trás já havia deixado a primeira. Mariela apoiou-se na parede, mas sentiu-se escorregar. – Segura aqui! – ela ouviu Cecília gritar, antes que seu braço esquerdo fosse agarrado por ela e por Bernardo ao mesmo tempo. – Aaaiii... – gritou Mariela, agarrando o balcão com o braço direito. – Fala baixo! – ralhou Cecília. – Vocês estão me machucando... – Você prefere que a gente te solte? – Maldito morcego – resmungou Mariela enquanto, auxiliada pelos amigos e agarrando o gradil, ganhava impulso e escalava o balcão. – Esse bicho não tinha uma hora pior para vir passear por aqui, não? O jardim seguia vazio. Mariela conseguiu chegar à sacada e parou para recuperar o fôlego. – Vocês viram que a culpa foi do morcego... Eu estava fazendo tudo direitinho. 36


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– A gente sabe. Agora vamos entrar antes que alguém aí fora veja a gente. A esta altura, Bernardo já estava no gabinete. Com a lanterna acesa, começava a fuçar a escrivaninha do síndico. Mariela e Cecília entraram, fecharam a porta da sacada e puxaram as cortinas para ninguém lá fora desconfiar que havia gente ali. Cecília acendeu o abajur sobre a escrivaninha. Bernardo ia protestar quando ela disse, calmamente: – Nós fechamos as cortinas. Pode desligar essa lanterna. O garoto obedeceu. Ele, Cecília e Mariela abriram uma a uma as gavetas da escrivaninha e folhearam a agenda do síndico, que estava sobre a mesa. – Olha só que coisa estranha – disse Cecília, apontando para a página do dia presente. Mariela e Bernardo esticaram os olhos, curiosos. – Mas não tem nada escrito aí – observou Bernardo. – Por isso é que é estranho. Agenda serve para marcar compromissos. Pela agenda, o síndico não tinha nenhum compromisso para hoje. – É mesmo – concordou Mariela. – Nem com o Espanador de Lua... Mas se o Espanador veio aqui é porque tinha marcado hora, não é? – Só se o Espanador veio de repente, sem avisar – especulou Cecília. – E a gente não pode esquecer que, antes, o síndico estava gritando com alguém ao telefone – completou Bernardo. – Eu ouvi muito bem ele dizendo que não aconteceu nenhum roubo, que a águia era assunto dele e que a polícia não iria mais entrar no condomínio. – Tudo muito esquisito – avaliou Mariela. – Aí tem coisa. E já que estamos aqui dentro, vamos procurar um pouco mais. Talvez a gente encontre mais alguma pista. 37


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Foi só a frase ser dita e a maior pista de todas se revelou para os três. Bem embaixo da agenda, um livro com a história da Quinta do Riacho estava aberto exatamente na página que falava da águia de bronze, com direito a uma foto colorida dela. O síndico pusera ali um cartão de visitas como marcador de páginas. O cartão era de um tal Jaderson Marques e trazia o logotipo e o nome da Viação Beleza, que operava os ônibus escolares do colégio onde Cecília, Mariela e Bernardo estudavam. Logo abaixo do nome de Jaderson, vinha grafado o seu cargo na firma: sócio-diretor. Ou seja, a Viação Beleza – ou ao menos parte dela – pertencia a ele. No verso do cartão, alguém anotara à mão, numa letra quase indecifrável: “Leo 32”. Os três se entreolharam. O que aquele cartão estava fazendo bem na página com a foto da águia de bronze? Seria esse Jaderson Marques o Espanador de Lua? Quem seria o Leo 32? Tudo talvez não passasse de uma grande coincidência e aquele cartão nada tivesse a ver com o desaparecimento da estátua. Mesmo assim, Cecília usou a câmera do celular para fotografá-lo dos dois lados. No dia seguinte, tirariam aquela história a limpo. – Pessoal, é melhor a gente ir embora agora – sugeriu Cecília. – Daqui a pouco nossas famílias vão começar a procurar pela gente. – É – concordou Mariela. – Sem falar que alguém da segurança pode perceber que tem gente no gabinete do síndico. Eles voltaram por onde tinham vindo, pulando de uma sacada para outra. Desta vez, para alívio de Mariela, nenhum morcego apareceu. Desceram a escada da Casa Velha até o térreo. 38


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E, neste momento, foram descobertos: – O que vocês estão fazendo aqui numa hora dessas? Os três se viraram e deram de cara com o vigia Lopes. Ele parecia mais surpreso do que bravo. Cecília não sabia o que dizer e acabou falando a verdade: – Viemos tentar descobrir alguma pista da águia. – A águia de bronze do chafariz? Os três fizeram que sim com a cabeça. Lopes abriu o maior sorriso. – Por que não disseram logo? Venham comigo. Cecília, Mariela e Bernardo se entreolharam sem entender nada. Lopes guiou-os por um corredor no térreo. O cheiro de obra que Cecília sentiu mais cedo ao entrar na casa ficou mais forte. Eles passaram por um buraco aberto no corredor, rodeado por entulho e cascalho. Uma pá de empunhadura verde-limão fosforescente estava fincada bem em cima de um monte de terra. Talvez fosse problema de encanamento. Uma casa antiga como aquela devia necessitar de obras o tempo todo. Caminharam até alcançar a antiga porta dos fundos da casa. Essa porta dava para um caminho de cascalho que conduzia à entrada principal do condomínio. Dali se tinha uma boa visão do chafariz principal. – Aí está ela – anunciou Lopes. – Parece que tudo não passou de um mal-entendido. Os três quase puseram o coração pela boca ao darem de cara com a estátua da águia pousada normalmente sobre o chafariz, como se nunca tivesse saído de lá. – Comecei meu turno faz dez minutos – disse Lopes. – Levei um baita susto quando vi a águia ali. Não sei como ela voltou, mas estou feliz por ver que ela está inteira. 39


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Cecília, Mariela e Bernardo olhavam para a estátua, espantados. Como assim?!

8. Mal-entendido coisa nenhuma! Na manhã seguinte, não se falava em outra coisa no condomínio: a águia de bronze não tinha sido roubada. Apenas retirada para uma limpeza. Tudo não passou, enfim, de um mal-entendido. Sorrindo de orelha a orelha, o síndico conversava com os condôminos, parecendo satisfeito com a novidade. Um roubo no Quinta do Riacho? Imagine! Aquele era o condomínio mais seguro da face da Terra. Jamais seria palco de um crime. Assim como ele, todos os moradores estavam convencidos do mal-entendido e aliviados pelo fato de o condomínio não ter sido vítima de um ladrão. Ou melhor: quase todos. – Mal-entendido coisa nenhuma! – disse Cecília ao encontrar com Mariela na garagem do colégio. – Só se roubo mudou de nome. – Mas a estátua está lá de novo, não está? – Mariela deu de ombros. – Vai ver foi só mesmo uma limpeza. – Então foi uma limpeza muito malfeita porque a águia continua tão encardida quanto antes. Mariela teve que concordar. – Lá isso é. 40


– Tem alguma coisa esquisita nessa história. A gente tem que descobrir o que é. Viram o carro da mãe de Cecília surgir na garagem. Juliana e Isabel se revezavam na tarefa de levá-las e apanhá-las na escola. – Eu só não entendo uma coisa – falou Mariela. – Se queriam levar a águia, por que a devolveram depois?

B e rnardo (bê)

– Se a gente tivesse essa resposta, o mistério já estaria solucionado – respondeu Cecília, acenando para o carro, que parou diante delas. – Eu estava pensando se alguém não teria esculpido uma águia idêntica para vender a original, que é antiga e deve valer uma nota. Mas não tem como aquela estátua não ser a de verdade. Só se o falsificador fosse um gênio, porque até as ferrugens estão todas lá. – Ferrugem seria fácil de produzir. Bastaria deixar a réplica da estátua uns cinco anos ao ar livre. Mas é claro que o falsificador não ia ter esse trabalho. – Cecília abriu a porta do carro e as duas se aboletaram no banco de trás. – Boa tarde, mãe. – Boa tarde, dona Juliana! – disse Mariela, fechando a porta. – Boa tarde, meninas. Como foi a aula? As duas fizeram suas melhores caras de meninas inocentes. – Maravilhosa – respondeu Cecília, toda fofa. Juliana espiou-as pelo retrovisor. – Hummm... Vocês estão com jeito de que andaram aprontando. Cecília anotou mentalmente que precisariam ter algumas au­ las de teatro para poderem investigar com mais naturalidade. 41


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Detetives não podiam despertar suspeitas assim, com tanta facilidade. – É que tem um garoto na minha sala que está a fim da Cecília – disse Mariela. Cecília fechou a cara para encarar a amiga. Que mentira era aquela? Juliana riu. – Ah, então tá explicado. Bem que eu percebi que tinha alguma coisa no ar. Era tudo uma estratégia de Mariela para desviar a atenção e tinha funcionado. Cecília continuou de cara feia para a amiga, mas, agora, só de mentirinha para que a mãe continuasse acreditando nelas. Nem Juliana, nem Isabel poderiam desconfiar que elas estavam investigando o mistério da águia. Mães eram totalmente confiáveis, desde que as filhas não fossem detetives. – Mas eu não tô a fim dele não, mãe – Cecília continuou alimentando a história. – É um chato. E fica implicando comigo o tempo todo. – Que bonitinho – comentou Juliana, dando uma risadinha. – Minha filhinha já vivendo as emoções do amor... Cecília e Mariela resolveram ficar quietas a partir daquele momento. Elas já tinham alcançado o objetivo de desviar a atenção de Juliana. Não havia razão para levar a brincadeira adiante. Depois de entrarem no condomínio, Cecília convidou Mariela para almoçar na casa dela. Juliana disse que seria ótimo, mas pediu a Mariela que consultasse Isabel antes. Mariela ligou para a mãe pelo celular e colocou o aparelho no viva-voz: 42


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– Mas outra vez?! – Isabel protestou, assim que ouviu a proposta. – Logo hoje que preparei uma muamba de peixe... – lamentou. – Por que você não convida a Cecília para almoçar conosco? O golpe fora baixo. Muamba de peixe era um dos pratos preferidos de Mariela. A garota visivelmente ficou com água na boca, mas Cecília lhe dirigiu um olhar severo, como quem diz: “nem pense em ceder”. – Não gosto de peixe, dona Isabel. Desculpe – respondeu Cecília, com a voz bem inocente. – Se ainda fosse uma muamba de frango... Pelo menos, não foi necessário mentir, pois Cecília, de fato, odiava frutos do mar. – Qualquer coisa que nade, eu estou fora – ela adorava dizer. Como Mariela não falou mais nada, Isabel não insistiu e a liberou para ir à casa de Cecília. – Às quatro horas você tem que estar em casa para estudar – avisou Isabel. – Te pego às três e meia, OK? Desligaram. Juliana entrou com o carro na garagem. Já no apartamento, as duas garotas se fecharam no quarto de Cecília, que, claro, era cor de abóbora. Ou melhor: da cor #ec8619. – Voltando ao nosso assunto – disse Cecília, aliviada por voltar a falar sobre o que realmente interessava –, nós precisamos examinar aquela estátua. Temos que descobrir por que alguém a tirou de lá e depois a colocou no lugar. – E ainda inventou a desculpa da limpeza que nunca aconteceu – completou Mariela. – Mas quem falou sobre a limpeza foi o síndico – disse Cecília. – A não ser que... – ...ele seja o ladrão – completou Mariela. – Vamos recapitular o que descobrimos ontem. Primeiro, o síndico estava falando 43


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com alguém ao telefone, exigindo que a polícia ficasse fora do caso e dizendo que não tinha acontecido nenhum roubo. – E realmente a águia não foi roubada – concordou Cecília. – Vai ver ele disse isso porque já sabia de tudo. – Logo depois – continuou Mariela –, o Espanador de Lua entrou no gabinete e os dois falaram de uma venda. Cecília ficou pensativa. – Será que esse cara é o Jaderson Marques do cartão na mesa do diretor? Ou o Leo 32? Cecília levou as mãos à cabeça, desnorteada. – Ai, é muita informação... Como é que a gente vai descobrir isso? – A resposta pode estar aqui mesmo. Cecília olhou em torno, confusa. – Aqui no quarto? – Não, aqui no seu prédio. Esqueceu que eu esbarrei com o Espanador no seu elevador? Ele estava descendo de um dos andares aqui em cima. Um dos seus vizinhos deve saber quem ele é. Cecília tentou imaginar quem poderia ser. O Cotovia tinha trinta apartamentos distribuídos em duas colunas de quinze andares cada. Cada elevador social do prédio atendia a uma coluna. Cecília morava no décimo andar. Ou seja: se o Espanador havia descido pelo elevador social, ele só podia ter visitado um dos cinco apartamentos acima. No décimo primeiro, morava dona Mirtes, neta do Barão de Itaguapé, antigo dono daquelas terras. Cecília tinha ouvido comentários no prédio de que Mirtes, embora fosse descendente do barão, atravessava sérias dificuldades financeiras e estava, inclusive, ameaçada de deixar o apartamento. Se isso fosse verdade, seria uma pena. Dona Mirtes era uma senhora muito doce e simpática, a avó que todo 44


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mundo gostaria de ter. Ela vivia sozinha com seu cachorrinho Lorde, um maltês fofinho. No décimo segundo, vivia a insuportável família Salgado. O marido, Régis, a mulher, Ilma, e o irritante filho deles, Cauã. O apartamento do décimo terceiro estava vazio. No décimo quarto morava uma família legal, os Agostini. O patriarca, Roberto, era um cozinheiro de mão cheia e preparava a melhor lasanha do mundo. Enfim, o décimo quinto andar era a casa de Tainara Aparecida, a extravagante ex-mulher de um jogador de futebol famoso, e da filha dos dois, Andinara, pouco mais moça que Cecília e Mariela. A mãe era uma perua metida, mas a filha era simples e legal. Qual deles? Só havia uma maneira de descobrir. E teria que ser agora.

9. Alguém está mentindo Da cozinha, Juliana avisou que o almoço ainda demoraria uma meia hora. E que, por isso, sim, Cecília e Mariela poderiam sair para dar uma volta, mas “sem sair do Cotovia”. Uma recomendação totalmente desnecessária, uma vez que a missão das duas era justamente dentro do Cotovia. Elas entraram no elevador e apertaram o “11”. Tocaram a campainha do apartamento de dona Mirtes, que atendeu carregando no colo o fofíssimo Lorde. – Olá, crianças – ela sorriu ao ver as duas. – Que alegria recebê-las aqui. Já almoçaram? 45


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Lorde se sacudia nos braços dela, eufórico com as visitas. Mirtes o soltou e o cãozinho correu para fazer festa com Cecília e Mariela. – Lorde adora visitas. Querem entrar? O cãozinho era muito simpático e distribuiu lambidas generosas para as duas. A vontade de Cecília era de levá-lo para casa. – Não, dona Mirtes, obrigada. Só viemos para fazer uma pergunta para a senhora. – A senhora, por acaso, conhece um homem alto, bem alto mesmo, com um cabelo preto meio bagunçado e que usa terno? – foi Mariela que perguntou. Mirtes pensou um pouco. – Ele esteve aqui ontem – lembrou Cecília. Mirtes balançou a cabeça. – Não, com certeza não. Só a polícia veio aqui. Cecília e Mariela arregalaram os olhos: – Polícia?! – Sim, para me fazer algumas perguntas sobre a águia de bronze furtada. Como ela pertenceu ao meu avô, o Barão de Itaguapé, a polícia decerto achou que eu poderia saber de alguma coisa. – E sabe? Mirtes riu. – Nada de relevante. Meu pai gostava de contar que a águia guardava um segredo valioso, mas eu e meu irmão cansamos de examiná-la e nunca descobrimos que segredo era esse. Com certeza, foi uma das muitas histórias que papai contava para nos distrair. Será que era mesmo só uma história? Cecília e Mariela ficaram tentadas a pedir que dona Mirtes contasse mais sobre esse “segredo valioso”, mas não queriam que ninguém desconfiasse 46



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que as duas estavam investigando a estátua. Dona Mirtes, afinal, podia muito bem ter sumido com a águia em busca desse tal segredo. Elas agradeceram e foram ao “12”. Ainda no hall do apartamento, dava para ouvir a zoeira no lar dos Salgado. Relutante, pois estava certa de que seriam muito mal recebidas, Cecília apertou a campainha. Dona Ilma Salgado abriu a porta e olhou abismada para as duas, como se fossem ETs. – Não estamos dando esmolas nem queremos comprar nada. Uma dama sempre agradável, pensou Cecília. – Bom dia para a senhora também, dona Ilma. – Boa tarde, você quer dizer. – Não deixava de ser impressionante ela não ter acrescentado um “sua estúpida” no final da frase. – Passa de uma da tarde e eu estou ocupadésima. – Viemos à procura do seu amigo – arriscou Mariela, sem se importar com o festival de grosserias. Ilma Salgado levantou uma sobrancelha. – Que amigo? – Aquele que esteve aqui ontem – acrescentou Cecília. – Um bem alto, de cabelo desgrenhado. Parece que ele deixou a carteira dele cair na portaria. Ilma gritou para dentro do apartamento: – SAL-GAAAAAA-DOOOO!!!! – QUE É, MULHER? – ouviram uma voz de homem gritando de volta lá de dentro. – VOCÊ CONHECE ALGUÉM ALTO, DE CABELO DESGRENHADO? – CONHEÇO! – VEM ENTÃO FALAR COM AS DUAS PIRRALHAS QUE ESTÃO AQUI NA PORTA! 48


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Dito isso, Ilma afastou-se para o interior da casa, sem se despedir. Instantes depois, um homem careca, que vestia camisa social e bermuda, apareceu. – O que é que vocês querem? – Bom dia, seu Salgado. Régis Salgado não respondeu. – Estamos procurando um amigo seu que perdeu a carteira na portaria – disse Mariela. – Ele é alto, tem o cabelo bagunçado... – Já sei. Minha mulher acabou de descrevê-lo para mim. Descrevê-lo aos gritos, Cecília teve vontade de acrescentar. – Ele esteve aqui ontem à tarde – informou Mariela. – Não esteve ninguém com essas características aqui ontem. – Mas o senhor acabou de gritar... quer dizer... de dizer para a dona Ilma que conhece alguém alto e de cabelo bagunçado. – Mas essa pessoa não esteve aqui ontem. Vocês não ouviram? Mariela e Cecília se entreolharam, sem nada dizer. – Era só isso? Então, tchau! E Régis Salgado bateu a porta na cara delas. – Que gente fina, né? – comentou Mariela, irônica, quando as duas entraram no elevador e apertaram o “13”. – Acho que eles estão escondendo o jogo – disse Cecília. – Primeiro, o seu Salgado diz que conhece o homem e depois fala que ele não esteve aqui. – Vamos ficar de olho. O elevador chegou ao “13”. Cecília tocou a campainha do apartamento, mas ninguém veio atender, confirmando a informação de que o imóvel estava vazio. Elas subiram, então, ao “14”. Quem abriu a porta foi Roberto Agostini, uma espécie de Régis Salgado às avessas. Simpático, risonho e agradável. Estava com um aven­tal e, da cozinha, vinha um aroma agradável de molho de tomate. 49


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Ele abriu os braços numa demonstração de alegria. – VIVA!!! Vocês aqui?! Que maravilha!! Chegaram bem na hora, pois estou finalizando um soberbo fettuccine à bolonhesa à moda Roberto Agostini. O aroma era tentador demais e Agostini era um cozinheiro de primeira, mas as duas eram obrigadas a recusar. Se não, Juliana daria um chilique. – Fica para outro dia, seu Roberto. Obrigada. Viemos saber se o senhor conhece um homem. Cecília e Mariela deram a ele uma descrição do Espanador de Lua. Agostini, após um pouco pensar, balançou a cabeça. – Talvez seja o advogado da minha mulher. Ela está movendo uma ação contra um sujeito que bateu no carro dela há duas semanas. Eu não estava em casa quando ele veio, mas acho que foi nesse horário que vocês disseram. Não sei como ele é fisicamente. Mas por que vocês não voltam aqui à noite? Teodora já vai estar em casa e ela poderá responder melhor. – Ele então abriu um sorrisão e acrescentou, animadíssimo: – Avisem antes, se vierem mesmo, e eu preparo um divino cannoli siciliano, recheado com mascarpone e baunilha. O cara era mesmo vidrado em cozinhar. Cecília e Mariela agradeceram e foram, então, à cobertura, onde vivia Tainara Aparecida, a ex-mulher de Anderson Evanilson, um dos maiores jogadores de futebol da atualidade. O hall da cobertura era bem mais extravagante do que o dos outros apartamentos. O piso era de granito negro brilhante. As paredes tinham sido revestidas com um horrendo papel de parede com estampa de zebra. Uma sanca dourada decorava o teto. Elas tocaram a campainha, que reproduzia o som de sinos numa igreja. 50


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Um mordomo uniformizado, impecável, veio abrir a porta. – Pois não? – indagou ele, com a voz afetada. – O que as senhoritas desejam? Tudo ali era exagerado. – Dona Tainara pode atender? – Cecília perguntou. – Ela está viajando. – E a filha? – quis saber Mariela. As duas pensaram que o mordomo iria enxotá-las, mas, apesar de cheio de pose, ele era educado e respondeu polidamente: – Foi junto. – Faz muito tempo que elas viajaram? – indagou Mariela. O mordomo pensou um pouco. – Uma semana, aproximadamente. Ou seja, antes do sumiço da águia, constatou Cecília. – O senhor sabe se alguém esteve aqui ontem? – ela perguntou. O mordomo empertigou o nariz, ressabiado. – Alguém...? – Sim – respondeu Mariela. – Um homem alto, de cabelo desgrenhado. O mordomo pareceu perturbado. E custou a responder, o que intrigou Cecília e Mariela. – Não veio ninguém aqui. – Tem certeza? – insistiu Cecília, desconfiada. – Já disse que ninguém esteve aqui. – O mordomo educado deu lugar a um outro, bem ríspido. – Agora, se me dão licença, tenho trabalho à minha espera. Passem bem! E fechou a porta sem a menor cerimônia. Mal-educado!

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10. Cecília tem uma ideia – Alguém mentiu para a gente – declarou Cecília, enquanto desciam de volta ao 10º andar. – Quem você acha que foi? – Para mim, foi esse mordomo. Ele leva o maior jeito de mentiroso – comentou Mariela. – Trabalho à espera com a patroa viajando? Ele pensa que engana quem? Entraram no apartamento sentindo o aroma de feijão refogado vindo da cozinha. – Bem na hora! – gritou Juliana. – Já ia mandar o porteiro caçar vocês pelo prédio. O almoço está indo para a mesa. Cecília e Mariela foram lavar as mãos e aproveitaram para trocar mais algumas ideias. – De quem você suspeitou? – perguntou Mariela. Cecília enxaguou bem as mãos e apanhou a toalhinha para se secar. – Bem, os Salgado são sempre suspeitos para mim. Também não fui com a cara daquele mordomo de nariz empinado. – Você acha que foi ele que apanhou a estátua? – Nos livros policiais, o mordomo é sempre o principal suspeito – disse Cecília, dando de ombros. – Mas pode ter sido a patroa dele. – Mas a mulher não está viajando? – E daí? Ela pode ter viajado de propósito para não ser incriminada. Enquanto isso, pagava alguém aqui para fazer o serviço. A perua tem dinheiro. Também desconfio dos Salgado. Não gostei da grosseria deles. Gente grossa é sempre culpada de alguma coisa, mesmo que não saiba. – Isso sem falar na dona Mirtes e o tal segredo valioso que haveria dentro da águia. 52


– Pois é. Dona Mirtes disse que achava que o segredo era história do pai, mas ela pode muito bem ter falado isso de propósito, para despistar a gente. Mariela terminou de secar as mãos e as duas foram caminhando para a copa. Elas sabiam que precisariam descobrir a identidade do Espanador de Lua, mas temiam que isso demorasse muito ou que acabasse

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não dando em nada. O mais lógico a fazer era mudar o foco da investigação. Mas Cecília agora estava obcecada em descobrir quem era aquele cara esquisito. Foi durante o almoço que ela teve uma ideia. Uma ideia de gênio. Os elevadores tinham câmeras. Ou seja: era só verificar nas gravações do dia anterior e ver qual botão do elevador o Espanador tinha apertado. Por que ela não pensou nisso antes?! A partir daquele momento, Cecília não conseguiu pensar em mais nada. O apetite foi para o espaço e ela começou a contar os minutos para descer até a portaria e tirar aquela história a limpo. É incrível como nesses momentos de ansiedade o relógio parece sempre se arrastar. O almoço levou mais quinze minutos, mas para Cecília era como se tivesse se passado uma hora. Com direito, é claro, a um puxãozinho de orelha da mãe: – Você deixou quase metade do prato, filha. Por que você se serve de tanta coisa, sabendo que não vai comer tudo? 53


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Cecília teve vontade de bufar, mas quanto menos polêmica criasse, mais rápido Juliana a liberaria para descer. – Desculpe, mãe. – Ela fez uma voz bem doce, bem humilde. – Eu sei que não se deve jogar comida fora. Vou prestar mais atenção das próximas vezes, está bem? Juliana chegou a arregalar os olhos, surpresa com a reação mansa da filha. – Bom, pelo menos você comeu a salada, o feijão e o arroz – ela comentou. – Não vai desmaiar enquanto faz os deveres de casa. Cecília tinha pilhas de coisas para estudar, mas a investigação estava em primeiro lugar. – Vou estudar com a Mariela. Mariela acompanhava calada a conversa. – Que bom – exclamou Juliana. – Querem estudar aqui mesmo na mesa? É mais confortável para vocês, não é verdade? Vou recolher tudo e liberar o espaço. – Não, mãe. Vamos para a casa dela. Mariela sacou que Cecília tinha algum plano e entrou na onda dela: – Tem que ser lá em casa, tia. Vamos precisar de dois livros que ficaram lá. Juliana deu-se por satisfeita e liberou as duas. Logo Cecília e Mariela estavam falando com o zelador na portaria. Cecília imaginou que seu Helder, que sempre fora um amor de pessoa, liberaria fácil o acesso das duas às gravações do circuito interno de vigilância do Cotovia, mas não foi bem assim. – Só com a autorização do síndico – disse ele. – Mas é muito importante, seu Helder – Cecília quase suplicou. O zelador olhou-a desconfiado: – Se é tão importante, procurem o síndico e falem com ele. 54


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São as normas do condomínio. Como pedir autorização do síndico, se ele podia ser aliado do Espanador de Lua? Se Leôncio suspeitasse que elas estavam investigando o sumiço e o reaparecimento da águia de bronze, ele seria capaz de colocá-las sob vigilância 24 horas por dia. Cecília e Mariela precisavam ter acesso ao computador da portaria por dois ou três minutos, não mais do que isso. Para isso, teriam que tirar seu Helder dali. Cecília lembrou-se de que todos os funcionários do condomínio trabalhavam em turnos. Seu Helder entrava às duas da tarde e ficava até as 10 da noite. Ou seja, se quisessem tentar convencer outro zelador, teriam de esperar até muito tarde, num horário impossível para as duas saírem de casa. Além disso, elas não tinham nenhuma garantia de que o zelador da noite facilitaria a vida delas. O que fazer? Cecília colocou a cabeça para trabalhar. Um plano logo surgiu. E ela pegou o celular no bolso para fazer uma ligação urgente.

11. O casal misterioso do apartamento vazio Meia hora depois, Bernardo, disfarçado com boné, óculos escuros e um casaco de moletom vermelho, apareceu no Cotovia carregando uma pá. Ele localizou as câmeras de vigilância que monitoravam o entorno do prédio e escolheu uma estrategicamente localizada próximo a um dos canteiros floridos que enfeitavam a entrada. Bernardo calculou que a câmera focalizava bem o canteiro e, depois de estufar o peito e ajeitar o boné, começou a movimentar 55


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a pá, dando a entender que começaria a escavar o canteiro. No momento em que Bernardo enfiou a pá na borda do canteiro, tomando o cuidado para não esbarrar em nenhuma flor, seu Helder surgiu da porta principal do Cotovia. – Ei, você – gritou o zelador, enfurecido. – O que pensa que está fazendo? Bê deu a resposta ensaiada pelo telefone com Cecília um pouco antes: – Eu vi quando um rato enorme correu para cá e se meteu num desses canteiros. Seu Helder fez uma careta ressabiada: – Não vi nenhum rato. – Claro que não viu – retrucou Bernardo, com deboche. – O senhor estava lá dentro. E o rato estava aqui fora. Dããããã... Enquanto isso, no interior da portaria, agora desguarnecida, Cecília e Mariela saíram de trás da porta que ligava a portaria à parte de serviço e correram até a bancada do zelador. Ali estava o monitor do computador dividido em várias telas menores, cada qual mostrando uma parte do prédio monitorada pelas câmeras. Num dos quadradinhos, elas viram seu Helder discutindo com Bê, que segurava uma pá. O zelador estava distraído e, com sorte, ainda levaria alguns minutos para voltar ao seu posto. Mas isso não era garantido e, por isso mesmo, elas precisavam ser rápidas. – Vamos. Depressa! – disse Cecília quase se jogando no teclado. – Você se lembra a que horas o Espanador de Lua esteve aqui ontem? – Foi quando eu saí da sua casa, pouco depois de a minha mãe mandar uma mensagem pelo celular pedindo que eu descesse. – Mariela pescou seu celular do bolso e acessou o aplicativo 56



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de mensagens, logo localizando a que procurava. – Aqui está: a mensagem chegou às duas e trinta e dois da tarde. Cecília e Mariela começaram a vasculhar o computador em busca do arquivo com as gravações do elevador da sua coluna. Mas nenhuma das duas estava familiarizada com o sistema e a sensação era a de que tinham entrado num labirinto digital, sem saber muito bem para onde ir. Os diretórios eram nomeados com siglas esquisitas, tipo PRT1, PRT2, PRT-GRG, ELVD1, ELVD2, e por aí vai. Cecília começava a suar de nervosismo, mas se forçou a ficar calma. Entrar em desespero era a pior coisa que podia acontecer com alguém que queria resolver alguma coisa. Ela respirou fundo enquanto esquadrinhava atentamente os diretórios e bastou um pouquinho de concentração para começar a decifrar as siglas. PRT1 e PRT2 deviam ser, respectivamente, “PORTARIA 1” e “PORTARIA 2”, ou seja: as portarias do condomínio (1) e do prédio (2). PRT-GRG, com certeza, era “PORTÃO-GARAGEM”, a porta da garagem. E, seguindo essa lógica, ELVD1 e ELVD2 só podiam significar ELEVADOR 1 e ELEVADOR 2, os elevadores principais de cada uma das colunas do prédio. Bernardo continuava distraindo o porteiro lá fora. Cecília olhou animada para Mariela e disse: – Agora vai ser rápido. Mas não seria. No segundo seguinte, as duas ouviram a porta de um dos elevadores se abrindo. Mariela e Cecília só tiveram tempo de se esconder sob a bancada, antes que alguém se aproximasse. – Seu Helder? Era a voz do Espanador de Lua. Mas o que aquele homem tinha vindo fazer de novo no prédio? Aí tinha coisa... 58


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O Espanador bateu no tampo da bancada sucessivas vezes, como se estivesse tocando uma campainha. – Seu Helder? – gritou ele – Onde é que está o senhor? Cecília e Mariela engoliram em seco ao vê-lo estender o braço até o interfone e fazer uma chamada. – Alô? O porteiro não está aqui. Vou precisar de mais uns minutos... O que aquele sujeito estava planejando? Por que queria tanto falar com o porteiro? – Vou procurar por ele e já dou notícias – suspirou o Espanador, parecendo aflito. – Obrigado, até já! Ele saiu ventando da portaria. Cecília e Mariela contaram até dez antes de deixarem devagar o esconderijo. Perceberam que o Espanador tinha encontrado seu Helder lá fora, pois o ouviram pronunciar um impertinente “Ah, o senhor estava aí?”. Mais que depressa, Cecília voltou a mexer no computador. Acessou o diretório ELVD1, procurou os vídeos do elevador da sua coluna. Abriu-o e buscou pelas imagens feitas no dia anterior, a partir das 14h32. Localizou o momento em que o Espanador de Lua entrou na cabine e apertou o botão do térreo. Foi às 14h36. Às 14h37 foi a vez de Mariela entrar e pressionar o mesmo botão. Os dois saíram juntos às 14h39. Cecília retrocedeu o vídeo. Ela queria saber a hora em que o “Espanador de Lua” tinha chegado e para que andar ele tinha ido. Em quinze segundos, Cecília teve a resposta: ele entrou no elevador acompanhado de um casal que Cecília nunca vira antes às 13h58. Ficaram quase meia hora. O casal foi embora às 14h27. O Espanador de Lua ainda permaneceu sozinho no apartamento por nove minutos até sair às 14h36. 59


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Ainda mais intrigante era o andar para onde eles tinham ido. Cecília viu muito bem quando o Espanador de Lua apertou o “13”. O andar do apartamento vazio. Será que o casal tinha contratado o Espanador para passar a mão na águia e escolheu o apartamento como ponto de encontro? A estátua talvez estivesse escondida lá dentro e o casal tinha ido pagar pelo serviço. Se foi assim, por que ela voltou ao seu lugar poucas horas depois? E como eles tinham conseguido a chave do apartamento? Mistério... Cecília e Mariela fecharam o arquivo e as diversas janelinhas que exibiam a imagem de partes do edifício retornaram à tela. Bernardo continuava conversando com seu Helder. O Espanador não estava mais lá, mas uma quarta pessoa tinha aparecido. Cecília reconheceu logo: era o vigia Lopes. Seu Helder fez um gesto com os braços, como se dissesse “caiam fora!”, e os três sumiram da tela. Obviamente seu Helder estava voltando para a mesa dele e Cecília e Mariela trataram de sair depressa dali, antes que fossem flagradas. Elas saíram da portaria no momento em que o zelador voltou à sua cadeira. Aparentemente, ele não notou nada de anormal no computador. UFA! – Esse mistério está cada vez mais complicado – comentou Mariela. – Está mesmo – concordou Cecília. – Estou louca para encontrar o Bê e ouvir dele o que aconteceu. – Ele deve estar indo para o salão – disse Mariela. – Vamos depressa! Elas tinham marcado de se encontrar com Bernardo no salão de festas do Cotovia quinze minutos depois do início da operação. As duas chegaram logo, mas Bernardo ainda não estava lá. 60


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Passaram-se cinco, dez, quinze, vinte minutos e nada de ele aparecer. Cecília e Mariela entreolharam-se preocupadas. – Cadê ele??!! – indagou Cecília. – E eu lá sei? Vamos ligar para o celular dele? Vai ver aconteceu algum imprevisto. Elas fizeram várias tentativas, mas o celular de Bernardo estava desligado. – Será que ele se esqueceu que tinha que encontrar a gente aqui? De repente, Mariela pulou da cadeira onde estava sentada, dando o maior susto em Cecília. Os olhos dela brilhavam. – JÁ SEI! Cecília a olhava, espantada. – Já sabe o quê? – A pá. Eu estava tentando lembrar onde eu tinha visto aquela pá. Só pode ter sido aquela da obra. – Que obra, Mariela? Você ficou doida? – Você é que está esquecida. Não se lembra de ontem à noite, quando saímos da Casa Velha por aquela porta dos fundos? Tinha uma obra ali dentro. Cecília lembrou-se. – E uma pá igualzinha àquela que o Bê estava segurando ali, enfiada num monte de terra. A parte de cima do cabo dela era verde. Um verde-claro berrante. Só pode ser a mesma. – Tem razão. O Bê deve ter se lembrado da pá também. Depois da encenação com o seu Helder, ele pode ter passado na Casa Velha para devolvê-la. – Vamos para lá, então – disse Cecília, levantando-se. Elas deixaram o salão de festas. Quando estavam saindo do Cotovia, elas viram um ônibus escolar subindo a rua do 61


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condomínio. Cecília deu uma olhada casual para o veículo quando ele passou por elas e viu gravado na lateral “Leo 32”. O misterioso “Leo 32” não era uma pessoa. E, sim, o número de um dos ônibus que faziam a rota dentro do condomínio, que pertencia à Viação Beleza, empresa de Jaderson Marques, cujo cartão estava na agenda do síndico. Cecília estava tentando ver onde aquela informação poderia ser útil na investigação, quando comentou: – Se o Lopes estiver na Casa Velha, podemos perguntar se ele sabe do Bê. Os dois saíram juntos do Cotovia. – Acho difícil que ele esteja lá. Não é o turno dele. Cecília franziu a testa: – Peraí. Você falou “turno”? Ela parou, congelada, na calçada. Uma história muito mal contada tinha acabado de ficar clara na sua cabeça. – Caramba, Mariela! – ela exclamou. – Acho que já sei quem mentiu para a gente! E explicou tudo à amiga.

12. O segredo da águia de bronze Leôncio, ou melhor, Hélio Moacyr Moura, o todo-poderoso (pelo menos era como ele se achava) síndico do Condomínio Quinta do Riacho deixou sua sala, furioso. Odiava ser interrompido no meio do trabalho, ainda mais por duas fedelhas que deviam estar em casa brincando em vez de encher a paciência dos adultos. – Só espero que seja muito importante – esbravejou ele, descendo a escadaria principal da Casa Velha. – Senão essas meninas vão ver só. Elas que se cuidem. 62


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No térreo, Leôncio perguntou onde estavam Cecília e Mariela, e um faxineiro indicou os fundos do casarão. O síndico entendia cada vez menos. O que elas queriam, afinal? Ele entrou no corredor que levava à antiga porta de serviço e deu de cara com as meninas de pé junto ao buraco escavado. – O que significa isso? – indagou Leôncio, irado. – O que significa isso perguntamos nós – devolveu Cecília. – O que significa isso aqui? – Ela apontou para o buraco. – Você se refere ao buraco? – Não – respondeu Mariela, irônica – A Cecília apontou para o buraco, mas ela estava se referindo à Lua que vai brilhar à noite. O senhor viu como o céu está limpo lá fora? Hoje vai ter Lua. O síndico não gostou nem um pouco de ouvir aquela gozação vinda de uma garota que podia ser sua neta. – Escutem, suas pestinhas, vocês não têm dever de casa para fazer, não? Nem desenho para assistir na TV? – Não – disse Cecília, muito calma, tornando a apontar para o buraco. – E o senhor não respondeu à nossa pergunta. O que significa isso? Leôncio não sabia aonde elas queriam chegar. – Isso é o que você está vendo, menina! Um buraco. – Sabemos que é um buraco – falou Mariela. – O que queremos que o senhor explique é por que esse buraco foi escavado. A expressão de Leôncio fechou de vez. – Desde quando eu tenho que dar satisfações a vocês? – Desde que nós moramos no condomínio e temos o direito de saber. – Os condôminos são os pais de vocês! – rosnou o síndico. – A eles eu devo explicações. Vocês não passam de duas... de duas... menores de idade! 63


Cecília e Mariela se entreolharam e decidiram pegar mais leve. – Custa o senhor nos responder, seu Hélio? – Cecília, por pouco, não falou “Leôncio”. – Não estamos querendo saber nada de mais, estamos? – A não ser que seja segredo e o senhor esteja escondendo a verdaLINO LOPES

de – provocou Mariela. A intenção era deixar o síndico na defensiva e fun-

cionou direitinho. – Tudo bem, eu falo – bufou ele. – Houve um vazamento aqui ontem. A casa é antiga e precisa de manutenção constante. Fui informado de que era uma obra de emergência e autorizei que fosse feita logo. Cecília e Mariela trocaram olhares novamente. – Então, o senhor soube do vazamento ontem? – indagou Mariela. – E autorizou a obra ontem? E ela começou ontem? – Tudo ontem? – acrescentou Cecília. – Tem certeza? O rosto do síndico era raiva pura. – Eu estou falando grego por acaso?! – Ele estava quase gritando. – Eu não acabei de dizer que foi ontem? “Ontem” tem algum outro significado na língua portuguesa que não seja “ontem”? – O senhor sabe se tinha alguma coisa aí embaixo? – perguntou Mariela, ignorando a grosseria. O síndico ergueu uma sobrancelha. – Que tipo de coisa? – Alguma coisa valiosa, que levasse alguém a escavar um buraco 64


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desse tamanho – completou Cecília. – Porque encanamento não tem nenhum. E muito menos vazamento. É só olhar direitinho. Ressabiado, o síndico se aproximou do buraco e examinou tudo com atenção. Aos poucos, a raiva no seu rosto foi dando lugar ao espanto. Não é que as meninas estavam certas? – Além disso, a obra está parada – falou Mariela. – Seja o que for que estivesse aí embaixo, já foi encontrado. Hélio “Leôncio” Moacyr coçou o bigode. – Não entendo o que poderia ser. – Essa parte da casa já foi escavada alguma vez? – perguntou Cecília. – Até onde eu sei, nunca. – Então pode ser que, desde que a Casa Velha era o escritório do Barão de Itaguapé, ninguém mexeu aqui...? – sugeriu Mariela. – Com certeza. – O síndico parou de repente e perguntou: – Mas por que todo esse interrogatório? Cecília e Mariela trocaram um olhar tenso, uma consultando silenciosamente a outra sobre se deviam dizer toda a verdade. – Bernardo, nosso amigo, neto do seu Felício, desapareceu – desabafou Cecília. – E achamos que isso tem a ver com o buraco. E com o que aconteceu com a águia de bronze – complementou Mariela. Leôncio arregalou os olhos, espantado. – Isso é uma completa maluquice. É muito mais provável que o seu amigo tenha saído para dar um passeio e esteja de volta a qualquer instante. Cecília resolveu falar: 65


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– A gente soube, de uma fonte confiável, que dentro da estátua havia um “segredo valioso” – ela usou exatamente as palavras empregadas por dona Mirtes, nem uma letra a mais ou a menos. – Alguém deve ter descoberto a existência desse segredo – continuou Mariela. – Por isso pegou a estátua, encontrou o que procurava e a devolveu para o lugar. Leôncio pareceu atordoado: – Certo. Mas o que esse segredo, considerando-se que ele exista de fato, tem a ver com o buraco? – Não sabemos ainda – disse Cecília – Mas podemos saber se o senhor nos deixar dar uma olhadinha na águia de bronze. Em vez de soltar o seu costumeiro “não”, o síndico pensou um pouco e concordou. No fundo, pareceu tão ou mais curioso do que as meninas para desvendar o enigma. A águia, afinal, sumira e reaparecera inexplicavelmente e o Leôncio, com certeza, ainda devia estar se perguntando o que tinha acontecido. Ele mobilizou vários funcionários e a pesada águia logo foi retirada do pedestal no centro do chafariz. Os funcionários a deitaram no chão. Sua base era um pouco cavada para dentro. Cecília, Mariela e o síndico agacharam-se e, ao olhar para dentro dela, descobriram uma rosa dos ventos, com uma inscrição talhada embaixo: A porta principal é sul. Desça três metros a nordeste. Calcularam rapidamente. A entrada dos fundos ficava exatamente na parte nordeste da Casa Velha, considerando que a entrada principal se situava no sul. 66


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– Havia mesmo alguma coisa valiosa enterrada na Casa Velha – disse Mariela. – Isso prova que alguém que sabia do mapa foi atrás dela. – Por um acaso – indagou Cecília ao síndico –, quem avisou o senhor sobre o vazamento foi o vigia Lopes? Leôncio olhou para ela espantado. – Foi. – Como a gente suspeitava – disse Mariela. – Como vocês adivinharam que foi ele? – Depois a gente conta – falou Cecília, aflita. – Temos que agir depressa! Nosso amigo pode estar correndo perigo. Cecília, Mariela e Leôncio saíram da Casa Velha no momento em que um carrão prateado se preparava para deixar o condomínio. Cecília olhou casualmente para o veículo. Os vidros estavam parcialmente abaixados e a menina gelou ao ver quem era o motorista. – Não deixe esse carro sair daqui! – pediu ela ao síndico. Leôncio virou-se para ela, sem entender nada. – Acho que o nosso amigo pode estar no porta-malas – complementou ela, correndo em direção ao carro.

13. O chilique do espanador Cecília quase se jogou na frente do carro, que deu uma freada, fazendo os pneus cantarem. Por pouco não passou por cima da menina. – Ei, Hélio Moacyr! – gritou o motorista ao síndico, pondo a cabeça para fora do veículo. – O que essa garota pensa que está fazendo? Era o Espanador de Lua. E parecia furioso. 67


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– O que você tem no porta-malas? – quis saber Cecília. – Hã? – Abra o porta-malas, Sálvio – pediu o síndico. – Por favor. Sálvio? Então esse era o nome do Espanador? O homem bufou, mas obedeceu. Dali de onde estava, destravou o porta-malas e Cecília, Mariela e Leôncio correram para trás do carro. Bernardo não estava ali dentro. – Acho que eu mereço uma explicação, não é? – Sálvio esbravejou. Cecília e Mariela ficaram sem graça. Mariela disse: – É que agora há pouco a gente viu o senhor muito nervoso procurando o seu Helder, porteiro do edifício Cotovia... – Claro. Eu precisava sair com o carro da garagem e o portão não abria de jeito nenhum. Precisei ir atrás dele no térreo... Cecília e Mariela se entreolharam. Se aquilo era mentira, o Espanador estava sendo bem convincente. – Precisamos entrar, Sálvio – disse o síndico, abrindo uma das portas de trás do carro. – É uma emergência. – E o que eu tenho com isso? – O homem estava irado e não gostou nada quando Hélio, Cecília e Mariela, sem a menor cerimônia, se aboletaram no banco traseiro. – Não vê que estou acompanhando clientes? Cecília e Mariela cumprimentaram o casal sentado no carro – o homem no banco do carona e a mulher atrás. Era o mesmo casal que aparecia com o Espanador na gravação do circuito de TV. – Sálvio, eu já disse que é uma emergência. Um menino está correndo perigo. O Espanador teve um chilique: – E você tem a pachorra de dizer isso na frente dos meus clientes? Primeiro, eu quase perdi a venda do apartamento porque a 68



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águia de bronze tinha sumido. Agora que ela reapareceu, um garoto corre perigo. E vocês ainda acharam que eu estava com ele no meu porta-malas. Assim, eles não vão mais querer comprar o apartamento. – Não tem problema, sr. Sálvio – disse a mulher, docemente. – Vamos resgatar o tal garoto. – A senhora vai desistir do apartamento? Crimes podem acontecer em qualquer lugar, e esse condomínio sempre foi muito tranquilo. – Não é hora de discutir isso, sr. Sálvio – foi a vez de o marido falar. – Se tem alguém correndo perigo, temos que ajudar. Vamos atrás do garoto. Depois voltamos a falar sobre o apartamento. Sálvio suspirou, contrariado, e deu partida no carro. – Para onde? – ele perguntou ao síndico. – Dobre à esquerda e vá em frente! Sálvio obedeceu e acelerou. Cecília aproveitou para perguntar: – O senhor está vendendo o apartamento do 13º andar do Cotovia para esse casal? – Sim. Eu sou corretor de imóveis – respondeu ele. – O apartamento estava para ser vendido a um outro interessado, quando a águia desapareceu. Ele desistiu porque achou que o condomínio não era seguro. Na cabeça dele, se uma águia daquele tamanho, colocada na parte mais vigiada e movimentada do condomínio, podia ser levada sem que ninguém visse, nenhum outro lugar aqui dentro estaria protegido. Então por isso ele entrou furioso no gabinete do síndico na noite anterior, exigindo que o caso fosse solucionado e a águia reaparecesse. Ele estava com medo de que isso chegasse aos ouvidos dos interessados no apartamento e os desencorajasse de fazer a compra. 70


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Cecília estava revoltada consigo mesma. Tinha investigado o suspeito errado o tempo todo. Por sorte, encontrou a pista certa e agora estavam a poucos instantes de capturar o verdadeiro criminoso. E tudo porque Mariela comentou que aquele não era o turno de Lopes. Mais cedo, enquanto bolavam um plano para mexer no computador de seu Helder, Cecília se lembrou de que os funcionários do condomínio trabalhavam em turnos de oito horas. Seu Helder era um dos três zeladores do Edifício Cotovia e só ficava lá à tarde. Mas Lopes estava sempre trabalhando no condomínio. A qualquer hora. Cecília o tinha visto na manhã anterior conversando com o síndico e a polícia depois que a águia havia desaparecido. Quando voltara da escola horas depois, Lopes estava novamente na entrada do edifício. À noite, enquanto ela, Mariela e Bê saíam furtivamente da Casa Velha, deram de cara com ele, que os guiou por uma porta alternativa. E agora, Lopes tinha aparecido no Cotovia para retirar a pá das mãos de Bê. Afinal, em que turno ele trabalhava, já que estava no prédio em todos os horários? Só que nem sempre fora assim. Lopes só trabalhava no horário da manhã. No resto do dia, folgava e não costumava ser visto no prédio. Isso mudou de ontem para hoje, justamente depois do sumiço da águia de bronze. Ele tinha trabalhado durante um tempo para um neto do Barão de Itaguapé. Devia conhecer a história que dona Mirtes – irmã do seu ex-patrão – ouvira do pai, de que a águia guardava um segredo valioso. E tinha resolvido desvendá-lo. 71


Luis eduardo matta

O carro acelerou ainda mais. Leôncio ligou para a polícia, enquanto ia dizendo a Sálvio para onde seguir.

14. Um plano que quase deu certo Sentado, com os pulsos atados atrás das costas, Bernardo viu o baú sendo aberto. – Veja só que beleza – exclamou Lopes, terminando de levantar a tampa. Dentro do baú, barras de ouro dividiam espaço com muitas moedas, a maioria de ouro e prata, e pedras preciosas. – Agora esse tesouro é todo meu. Os olhos do vigia brilhavam quase tanto quanto o ouro dentro do baú. Bernardo estava assustado. – Eu juro que não tinha visto esse baú lá na Casa Velha quando fui apanhar a pá – disse ele. – Mentira sua. Aquele era o único lugar no condomínio onde você não devia ter entrado hoje. – Lopes fechou o baú, trancou-o e colocou-o num carrinho de mão. – Bem, não temos tempo a perder. Logo estarão aqui atrás de você. Hora de cair fora. Agora estava tudo explicado: Lopes trabalhou por cinco anos para um neto do Barão de Itaguapé, dono da Quinta do Riacho, onde foi erguido o condomínio. Ele revelou a Bernardo que, durante esse tempo, teve acesso a algumas caixas esquecidas no sótão da casa. Nelas encontrou um pequeno baú com fotos antigas e uma caderneta do próprio barão, falando da existência do tesouro e mencionando claramente que o mapa estava na águia de bronze. 72


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O patrão já era idoso e morreu pouco tempo depois. Imediatamente, Lopes entrou em contato com a irmã dele, dona Mirtes, e pediu-lhe que o ajudasse a arrumar um trabalho no condomínio. Mirtes atendeu ao pedido. O condomínio estava mesmo contratando novos funcionários, e Lopes não teve dificuldade de conseguir um emprego como vigia. Vigias circulavam bastante pelo condomínio, tinham acesso a praticamente todos os lugares, e isso facilitaria muito a sua tarefa de apanhar a águia quando surgisse uma oportunidade. Seria imprudente fazer o serviço logo depois de começar no emprego. Por isso, ele esperou seis meses. Durante esse tempo, procurou ser sempre muito amável e prestativo e conquistar a confiança e a simpatia dos moradores, dos outros funcionários e, principalmente, do síndico. Também aproveitou esse período para se familiarizar com todo o circuito interno de vigilância – principalmente com as câmeras instaladas no entorno da águia. Um plano aparentemente perfeito. E tudo teria dado completamente certo se aquele garoto não tivesse se metido na Casa Velha para apanhar a pá. O garoto jurava que não tinha visto nada de mais, mas o baú ainda estava do lado da pá, coberto pela terra retirada do buraco. Lopes não tivera tempo de levá-lo de lá. O garoto tinha escalado o montinho de terra para alcançar a pá e, sem querer, tropeçou numa quina do baú. Mesmo que ele estivesse sendo sincero ao dizer que não vira nada, deixá-lo solto seria muito risco. – Vamos – ordenou Lopes. – Você vem comigo. Bernardo obedeceu. O vigia o seguia de perto, empurrando o carrinho de mão. Eles passaram por uma porta e entraram 73


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numa garagem escura onde uma caminhonete estava parada. Lopes usou toda a sua força para colocar o baú no bagageiro. Bernardo pensou que o veículo iria vergar para trás com tanto peso. – Aonde é que vocês pensam que vão?! Bernardo e Lopes se viraram na direção de onde viera a voz, uma voz de menina. A luz da garagem se acendeu, revelando um grupo de policiais, tendo Cecília, Mariela e o síndico à frente. Mais atrás, estavam um casal bem vestido e um homem esquisito, alto e de cabelo desgrenhado, que lembrava um espanador. – Um baú! – exclamou a mesma voz. Era Cecília quem falava. – Então era isso que estava naquele buraco? Lopes chegou a pensar em fugir, mas desistiu ao perceber que estava encurralado. Só lhe restava se entregar. – Que coisa feia, hein, seu Lopes? – falou Mariela. – Roubar o condomínio e ainda por cima levar nosso amigo junto? O síndico andou alguns passos, ficando à frente de todos. – Lopes, esses homens, como você pode ver, são da polícia. Parece que você está encrencado. Cecília e Mariela correram para desamarrar Bernardo e deram o maior abraço nele, enquanto a polícia algemava e levava Lopes. Enfim, o caso da águia de bronze estava solucionado.

15. Três detetives e um segredo Lopes foi preso, o corretor Sálvio conseguiu vender o apartamento e Cecília ganhou um simpático casal de vizinhos no 13º andar do Cotovia: os Gomide. 74


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O síndico queria ficar com pelo menos metade do tesouro, mas, contrariadíssimo, acatou a ordem da Justiça para entregá-lo à dona Mirtes, única herdeira viva do Barão de Itaguapé. Dona Mirtes passava por problemas financeiros e, com o tesouro, pôde quitar suas dívidas e garantir sua permanência no apartamento. Cecília ficou feliz da vida. Dois dias depois da solução do mistério, Cecília e Bernardo foram à casa de Mariela para estudar inglês e aproveitaram para trocar algumas ideias sobre a investigação. Isabel tinha preparado diongo de banana e bolo de mandioca, doces típicos de Angola, acompanhados de refrescos. Ela deixou os três à vontade na sala do belo apartamento no 8º andar do Edifício Rouxinol. Bernardo já estava recuperado da tensão que viveu quando Lopes tentou raptá-lo. Ele comentou: – Se não fosse por vocês, o Lopes teria escapado. – Se não fosse por nós três – corrigiu Cecília. – Você ajudou bastante, Bê. – É, não podemos mesmo contar com o cascateiro do nosso síndico – disse Mariela. – Ele fez de tudo para atrapalhar a investigação. – Só porque o Espanador de Lua fez pressão – lembrou Cecília. – Ele não queria que a polícia se metesse aqui no condomínio porque isso poderia atrapalhar os negócios dele. – Pois é, imaginem se saísse na imprensa que o Quinta do Riacho tinha virado caso de polícia? – supôs Bernardo. Eles tinham descoberto que o corretor Sálvio costumava negociar a compra e venda de muitos apartamentos no condomínio. Era uma espécie de corretor oficial do Quinta do Riacho. – Pelo menos eles deram uma ajuda na hora de pegar o Lopes – reconheceu Cecília. 75


Luis eduardo matta

– É verdade – concordou Mariela. – Mas isso não quer dizer que a gente possa contar com eles. – Não é porque o síndico ficou do nosso lado dessa vez que ele deixou de ser o tirano que a gente conhece – acrescentou Cecília. – Vamos ter que ficar de olhos bem abertos. – Do que está falando? – quis saber Mariela. – Assim como o caso da águia, outros crimes poderão acontecer no condomínio. Nós três vamos precisar ficar atentos. E agir sempre que for necessário. Bernardo quase engasgou com o bolo de mandioca. – Eu também?! – ele perguntou, entre surpreso e animado. – Qual foi a parte do “nós três” que você não entendeu, Bê? Mariela pensou um pouco e, por fim, concordou: – Tudo bem. Só acho que a gente precisa manter segredo so­ bre o nosso grupo. Ninguém no condomínio pode saber que somos detetives. – Xiii, meu avô saca tudo o que acontece – disse Bernardo. – Isso vai ser complicado... – Não para um detetive – falou Cecília. – E você agora é um detetive, Bê. Vai se acostumando. Os três combinaram que se reuniriam, pelo menos uma vez por semana, para conversar sobre os acontecimentos no condomínio e avaliar se precisariam entrar em ação para resolver algum enigma. Quinze minutos depois, Isabel apareceu para trazer mais refrescos e encontrou Mariela, Cecília e Bernardo estudando calmamente. Ela não fazia ideia das aventuras que a filha e os dois amigos tinham vivido naquela semana. Por enquanto, o segredo deles estava bem guardado. 76



Va m o s f a l a r sobre

este livro

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Investigando a obra... Caro leitor e cara leitora, muito prazer! O livro Detetive Cecília e a águia de bronze, que você acabou de ler, é o resultado de um trabalho coletivo feito com muito cuidado. Como você sabe, o escritor Luis Eduardo Matta foi responsável por escrever o texto e o artista Fábio Sgroi foi quem ilustrou a história, dando vida, formas e cores para os personagens. Mas o que talvez você ainda não saiba é que muitos outros profissionais também colocaram a mão na massa para que o livro pudesse chegar até você do jeitinho que ele é. Esses profissionais são Seção elaborada por Andréia Manfrin Alves, bacharel em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Didática do Ensino de Francês pela Sorbonne Université. Trabalha há 15 anos como revisora, preparadora, editora e tradutora de textos, e escreve materiais de apoio para livros de literatura há pelo menos cinco anos. É também atriz, locutora e contadora de histórias e adora envolver toda a sua formação prática e teórica no trabalho com textos em diferentes vertentes. A literatura infantojuvenil é a menina dos seus olhos.

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editores, revisores, diagramadores, entre outros, além de todos os profissionais da gráfica, que cuidam de diferentes aspectos da impressão do livro até ele chegar à mão do leitor. Olhando livros diversos em uma livraria ou biblioteca, você verá que este produto final pode ter vários formatos, tamanhos e conteúdos. Um livro pode conter um conjunto de poemas, uma peça de teatro, uma história curta, uma narrativa comprida... E cada um desses textos pode trazer algo diferente para o leitor. Um dos tipos de texto usados para contar histórias é o narrativo, que envolve personagens, ações, tempo e espaço determinados, tudo liderado por um narrador e geralmente escrito em prosa (diferente dos textos em versos, como em um poema). O gênero literário narrativo é o mais amplo quando se trata da diversidade de formas e conteúdos. Ele possui quase uma infinidade de subdivisões, passando por contos, crônicas, fábulas, novelas, romances, e muitos outros, já que todos eles ainda podem ser combinados, resultando em tipos de textos que vão além dos tradicionais. Além disso, dentro de cada uma dessas categorias, que também podem ser chamadas de gêneros textuais, há uma grande variedade de subcategorias. Há, por exemplo, o romance policial, que possui as características do gênero textual romance e trata especificamente de crimes e investigações. Esse tipo de narrativa foi a inspiração para o livro que você acabou de ler, Detetive Cecília e a águia de bronze; mas será que a história de Luis Eduardo Matta pode ser considerada um romance policial? 79


Primeiro, precisamos confirmar se o texto é narrativo. Ele tem personagens? Tem começo, meio e fim? Acontece em um determinado espaço e tempo? E o mais importante... Tem narrador? Esse ser, que pode ser um personagem do livro ou apenas alguém que narra a história, descreve os personagens, suas conversas e ações, acompanha tudo e está sempre presente em uma narrativa. Assim, sabendo de tudo que você já leu sobre Cecília e suas aventuras, podemos dizer que a obra é uma narrativa, correto? Agora, o segundo passo é inserir a obra dentro das subdivisões da narrativa. Entre o conto – texto curto que gira em torno de um único conflito, com poucos personagens e poucas variações de espaço e tempo – e o romance – narrativa longa, com grande desenvolvimento das tramas e das personagens e tempos e espaços mais complexos – está a novela, uma narrativa de tamanho intermediário, com mais tramas do que um conto e menos desenvolvimento do que um romance. Apesar de ser um pouco difícil definir uma novela, pois suas características são bem amplas e estão presentes nos outros gêneros narrativos também, é possível inserir Detetive Cecília e a águia de bronze nessa classificação. Vamos olhar um pouco para o livro e buscar entender por que ele é considerado uma narrativa do gênero textual novela? Folheie as páginas e observe as ilustrações dos personagens, tentando se lembrar também das outras que aparecem ao longo da história. Além dos três pequenos detetives – Cecília, Mariela e Bernardo –, há ainda uma série de personagens importantes, como as mães das garotas, o síndico, os moradores do condomínio, os vigias, o homem estranho que chamaram de Espanador de Lua, entre outros, não é verdade? Todas essas figuras se envolvem nas aventuras e reviravoltas que remontam ao conflito 80


principal: o roubo da estátua. Além disso, essas tramas acontecem em momentos e espaços diferentes – não é à toa que há um mapa do condomínio Quinta do Riacho nas primeiras páginas do livro. Se essa narrativa fosse um conto, não haveria tantos personagens, tramas e variações de espaço e tempo, e o livro também seria um pouco mais curto. Mas por que, então, não é um romance? Essa pergunta é um pouco mais complexa, mas, para respondê-la, devemos olhar para o desenvolvimento da história e dos personagens. Toda a narrativa gira em torno da investigação do roubo da estátua, não há subtramas paralelas. Imagine, por exemplo, se Juliana, a mãe de Cecília, quisesse se mudar do condomínio após o crime; sabendo disso, a garota teria que resistir à decisão da mãe, lidar com a ideia da mudança para um lugar desconhecido, com o afastamento de seus amigos, tudo isso enquanto tenta resolver o mistério do roubo. Seriam diferentes conflitos paralelos! Se o livro que você leu fosse um romance, os personagens teriam traços de personalidade mais aprofundados (sabemos que Cecília não gosta de acordar cedo, que Mariela é de Angola e que Bernardo é tímido, mas essas informações são pontuais), as tramas seriam mais complexas, o ritmo da narração mais lento e a história, mais extensa. Você concorda com essa análise? Destacaria outras informações para essa obra? Consegue se lembrar de algum outro livro que tenha lido que você acredita que seja também uma novela? Que tal comentar sobre ele com seu professor e colegas, para confirmar suas hipóteses? 81


Histórias investigativas Assim como há vários tipos de narrativas, você sabia que há vários subgêneros de novela? A história que você acabou de ler, por exemplo, pode ser classificada como uma novela investigativa ou policial. O termo novela você já sabe o que é, mas e a novela investigativa? Como o próprio nome diz, as histórias investigativas abordam tramas em que há algum mistério a ser investigado e desvendado. Esse mistério, normalmente, faz parte de algum crime cometido logo no início da história, e pode se tratar de um roubo, um assassinato, um desaparecimento etc. Esse crime vai ser investigado e, esperamos, desvendado pelo detetive (ou pelos detetives no caso da história de Cecília; afinal, ela não age sozinha, não é mesmo?), policial ou outra figura disposta a encontrar a solução para o problema, e todo o desenrolar da trama culmina nessa solução, que é o clímax da história. Para ficar mais claro, clímax de uma história é o momento em que a narrativa atinge seu momento crítico, que leva a história a se encaminhar para o final (ou desfecho). O crime é o ponto central da trama, certo? Então o clímax é a descoberta do culpado e sua punição pela justiça – afinal, não devemos fazer justiça com as próprias mãos, tanto nas histórias de ficção quanto na vida real. Pois bem, agora que você já conhece as principais características da novela investigativa, consegue perceber como o livro Detetive Cecília e a águia de bronze se encaixa nesse tipo de texto? Vamos pensar juntos. 82


O mistério inicial da trama é o desaparecimento da estátua de bronze. Durante o desenrolar da história, Cecília, Mariela e Bernardo tentam descobrir por que ela desapareceu, por que retornou misteriosamente para o seu lugar, quem estaria por trás desse estranho episódio e por que razão, certo? No decorrer da narrativa, surgem diferentes suspeitos: Leôncio (ou melhor, Hélio Moacyr Moura), o Espanador de Lua (digo, Sálvio) e também os vizinhos dos andares acima de Cecília, já que Sálvio foi visto descendo de elevador vindo de um dos andares superiores ao dela. O clímax da história acontece quando Cecília associa o momento do desaparecimento da estátua com o fato de que um dos funcionários estava sempre pelo condomínio, mesmo fora do horário de seu turno de trabalho, e também com o desaparecimento de Bernardo depois que ele usa a pá que estava guardada na Casa Velha. O desfecho se dá com a prisão do suspeito pela polícia. Com certeza, você deve ter tido os seus suspeitos durante sua leitura. Algum detalhe da história chamou sua atenção antes mesmo de a narrativa apresentar alguns fatos de forma mais explícita? Você adivinhou quem foi o culpado? Compartilhe com os colegas suas suspeitas e se houve alguma surpresa. Elementar, meu caro leitor

Histórias de investigação, crimes e suspense, como esta que você leu, são muito famosas e costumam atrair e agradar leitores de todas as idades. Um dos autores mais famosos do mundo nesse gênero é o inglês Arthur Conan Doyle, criador do personagem Sherlock Holmes, um investigador inglês do século XIX, que com seu parceiro, o doutor Watson, desvendava os mais complicados crimes. Uma das frases mais famosas desse detetive 83


é “Elementar, meu caro Watson”, que prova que ele estava sempre de olho em todos os detalhes de um crime, o que o ajudava a desvendar até mesmo os mais misteriosos. Outro personagem marcante de histórias desse tipo é Arsène Lupin, do escritor francês Maurice Leblanc. Arsène Lupin é um personagem francês e todas as suas narrativas se passam na França, ou em países que ele visita ao longo de suas aventuras. Conhecido como o “ladrão de casaca”, Lupin, ao contrário de Sherlock Holmes, é o responsável pelos roubos, desaparecimentos e sequestros sem solução. Esses dois personagens fizeram tanto sucesso que suas histórias foram adaptadas para o cinema e se transformaram também em seriados, quadrinhos e muito mais. E você acha que só personagens masculinos podem virar grandes heróis das histórias de investigação? Então, se ainda não conhece, você precisa conhecer Enola Holmes, a personagem adolescente que, assim como Cecília, também adora desvendar um mistério. Ela foi criada pela escritora estadunidense Nancy Springer. Enola é a irmã caçula de Sherlock Holmes, e também se aventura em investigações de crimes e desaparecimentos, tentando, ao mesmo tempo, se desvencilhar dos preconceitos de gênero impostos a figuras femininas. A personagem também fez um grande sucesso e esses romances se transformaram em um filme. Da mesma forma, outra personagem, assim como Lupin, também ficou famosa por ser a vilã: Carmen Sandiego, que apareceu originalmente em um jogo para computador, com o jogador assumindo o papel de detetive para encontrar a superladra. Esse jogo fez tanto sucesso, que virou um seriado de TV. Mais recentemente, a personagem ganhou uma nova série, desta vez assumindo o papel de heroína da história. 84


E você, conhece outras histórias de investigação? Quem é seu personagem predileto? Que tal trazer outros livros com histórias investigativas para a sala de aula e trocá-los com os colegas?

Luis Eduardo Matta, o autor “Nada como um thriller após o outro.” Luis Eduardo Matta

O escritor Luis Eduardo Matta, autor do livro que você acabou de ler, é um grande escritor de thrillers. Você sabe o que é isso? Esse termo vem do inglês e dá nome a uma narrativa ficcional que pode ser uma peça de teatro, um filme ou um livro, e suas principais características são a atmosfera de suspense e mistério envolvendo algum tipo de crime. Acho que você leu um desses livros, não é mesmo? Luis Eduardo Matta nasceu no Rio de Janeiro em 1974 e escreveu seu primeiro livro aos 18 anos: Conexão Beirutelibaneses pelo lado paterno, o que certamente o estimulou a escrever esse primeiro livro. Escreveu outros thrillers ao longo dos anos, até decidir escrever também para o público infantojuvenil. Em 2007, lançou Morte no colégio, publicado na coleção Vaga-Lume. 85

Arquivo pessoal

-Teeran. O autor é descendente de


A personagem detetive Cecília, aliás, já participou de outras aventuras de investigação. Além do sumiço da águia de bronze, ela também desvendou outros mistérios, como a poluição do riacho próximo do condomínio onde mora (Detetive Cecília e o mistério do riacho, 2018) e outro sobre um apagão no condomínio, que deixou todos sem comunicação – nem sinal de telefone nem internet – na semana em que um quadro valioso de uma grande artista plástica brasileira iria a leilão (Detetive Cecília e a área de sombra, 2021). Alguns jornais e revistas já publicaram críticas a respeito da produção literária de Luis Eduardo Matta, apontando o autor como um dos grandes escritores do gênero investigativo no Brasil. Se você quiser conhecer um pouco mais da vida do Luis Eduardo e também de seus livros, acesse o site: www.lematta.com (acesso em: 7 out. 2021). Lá você encontrará a lista de todos os livros que ele já publicou, entrevistas e muito mais. Pode ter certeza de que conhecer o autor e saber das suas inspirações vai contribuir para você aproveitar melhor tudo o que suas obras podem oferecer.

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Fábio Sgroi, o ilustrador “[...] eu já desenhei muito livro, sabe? Se você for numa livraria, você vai, com certeza, topar com um livro meu por aí.” Fábio Sgroi

O ilustrador Fábio Sgroi nasceu na cidade de São Paulo, em 1973, e tem uma carreira de 22 anos no Arquivo pessoal

mercado editorial, ilustrando livros literários, paradidáticos e didáticos de várias editoras e escritores importantes, como Ruth Rocha, Walcyr Carrasco, Jonas Ribeiro, Tatiana Belinky, entre outros. Você conhece algum deles? Se sim, talvez já tenha visto os desenhos do Fábio. Ele também já trabalhou com histórias em quadrinhos e charges institucionais e educativas. Fábio ama desenhar – como dá para perceber –, mas também tem um grande apreço pela educação e a literatura. Além de ilustrador, ele também é professor, pesquisador e escritor! E todos esses trabalhos parecem interligados, pois sua pesquisa “Deu pra entender ou quer que eu desenhe?” é sobre arte e educação, assim como seus livros, também voltados para a educação infantil, e seus cursos, que tratam de diversas formas de arte, literatura e educação. Como escritor, já foi finalista do prêmio Jabuti 2014, na categoria “Melhor obra didática”, com o livro Viagem por dentro do

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cérebro, criado em parceria com o psiquiatra Daniel Martins de Barros. E os méritos não param por aí. Sua obra Ser criança é – estatuto da criança e do adolescente para crianças foi adotada pelo Governo Federal e distribuída em escolas públicas e bibliotecas de todo o país. No blog dele, disponível em fabiosgroi.blogspot.com (acesso em: 7 out. 2021), você encontrará todos os seus livros e o portfólio de ilustrações, além de seu projeto de pesquisa e cursos e oficinas ministrados por ele. Fique por dentro do trabalho desse grande profissional.

Até as próximas leituras! Espero que você aproveite bastante as informações deste material, e que volte a se aventurar muitas vezes com o trio Cecília, Mariela e Bernardo, encontrando, a cada releitura, novas pistas, novos indícios e novas informações deixadas no texto pelo narrador e pelos personagens, para que você se torne um leitor cada vez mais preparado e um detetive tão perspicaz quanto os três amigos. Quando você retornar ao texto, lembre-se de prestar atenção em detalhes que passaram despercebidos, fique alerta para as informações que o texto oferece e também aos detalhes das ilustrações, para que sua imaginação possa acompanhar a história bem de perto, visualizando os personagens e suas diferentes reações e expressões. Ah, e não se esqueça: se algum acontecimento cotidiano lhe parecer um pouco estranho, fique de antenas ligadas e preste atenção nos pequenos detalhes; afinal, eles podem ser a chave para desvendar esse mistério.

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LU I S E D

Luis Eduardo Matta

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águia de bronze Ilustrações: fábio sgroi

Detetive Cecília e a águia de bronze

Cecília decidiu descobrir o que estava acontecendo no cômodo aceso do segundo andar. Ela esgueirou-se até a frente da casa e constatou que a porta principal estava desguarnecida. Subiu os degraus lentamente e foi surpreendida por uma mão no seu ombro: – BU! Cecília virou-se assustada. Uma bruxa encapuzada a olhava fixamente por trás de grossos óculos com lentes que mais pareciam fundos de garrafa. Estava toda vestida de preto e usava um chapéu pontudo. – Quem... é... você? – Cecília perguntou, sentindo os joelhos tremerem. – A águia está comigo – respondeu a bruxa, com uma voz anasalada e esganiçada. – Eu sei que você está procurando por ela.

U A R D O M AT TA

Livro Professor


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