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O que aprendi sobre a felicidade com meu vizinho de 102 anos

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Best-seller do New York Times

David Von Drehle

O que aprendi sobre a felicidade com meu vizinho de 102 anos

“Recomendo demais este livro, cheio de histórias, sabedoria, bom senso e muitas risadas.” TOM HANKS



Tradução: Elisa Nazarian


Copyright © 2023 David Von Drehle Copyright desta edição © 2024 Editora Vestígio Publicado mediante acordo com a editora original, Simon & Schuster Inc. Todos os direitos reservados. Título original: The Book of Charlie: Wisdom From the Remarkable American Life of a 109-Year-Old Man Todos os direitos reservados pela Editora Vestígio. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora. direção editorial

capa

Arnaud Vin

Diogo Droschi (sobre imagem de Shutterstock)

editora responsável

Bia Nunes de Sousa

diagramação

Guilherme Fagundes

preparação de texto

Sonia Junqueira revisão

Natália Chagas Máximo Samira Vilela Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil

Drehle, David Von O que aprendi sobre a felicidade com meu vizinho de 102 anos / David Von Drehle ; tradução Elisa Nazarian. -- 1. ed. -- São Paulo : Vestígio, 2024. Título original: The Book of Charlie : Wisdom From the Remarkable American Life of a 109-Year-Old Man. ISBN 978-65-6002-020-7 1. Envelhecimento 2. Histórias de vida 3. Homens - Biografia 4. Jornalistas - Biografia 5. Longevidade I. Título. 23-183795

CDD-920.5 Índices para catálogo sistemático: 1. Jornalistas : Biografia 920.5 Tábata Alves da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9253

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Para Robert D. Richardson Jr. Bob 1934-2020 Professor, capitão, amigo



UM

Quando meus quatro filhos eram pequenos, eu me sentava com uma lanterna em frente ao quarto deles todas as noites, ali no chão do corredor escuro, e lia para eles livros infantis, um capítulo por vez. Lemos milhares de páginas de Harry Potter e fizemos centenas de donuts com o menino Homer Price. Passamos um tempo na rua Klickitat com as irmãs Ramona e Beezus, e nos hospedamos em Nárnia com as crianças da família Pevensie.* Devoramos os Diários de um banana e nos aventuramos pelas desventuras em série. Ficamos empolgados com O emblema vermelho da coragem e choramos com Where the Red Fern Grows [Onde cresce a samambaia vermelha]. E é claro que voltamos mais de uma vez para a fazenda Arable, onde milagres eram tecidos em A teia de Charlotte. *

Referência a livros infantis muito populares nos Estados Unidos. Homer Price é o personagem central de dois livros; o primeiro deles (1943) tem como título o nome do personagem, que está sempre se metendo em confusões e aventuras. Seu autor é Robert McCloskey, que também escreveu e ilustrou vários outros livros infantis. Ramona e Beezus são personagens de livros de autoria de Beverly Cleary, que começaram a ser publicados em 1950. Alguns deles foram publicados no Brasil pela Editora Salamandra. [N.T.] 7


Por muitos anos, desfrutei da audiência de ouvintes dedicados, mas assim que as crianças foram crescendo e tendo os próprios interesses, soube que o tempo que compartilhávamos estava chegando ao fim. Logo elas precisariam estudar para as provas, se ligariam no FaceTime e assistiriam à Netflix, que as absorveria noite adentro. O momento que eu temia chegou após virarmos a última página de mais uma aventura com Peter and the Starcatchers [Peter e os caçadores de estrelas]. Minha filha do meio sugeriu que suspendêssemos por tempo indeterminado nossas leituras noturnas, e os outros (mais rápido do que eu gostaria) concordaram. A certa altura, antes de chegarmos ao fim da nossa leitura, as crianças entenderam que o pai era algum tipo de escritor e começaram a me pedir para escrever um livro para elas, um que eu pudesse ler em voz alta, no escuro, com minha lanterna. Tive muita vontade de concretizar isso, sacar um pouco de magia do meu chapéu e tecê-la em um conto estimulante e divertido, uma história sobre jovens corajosos e criativos abrindo caminho em um mundo maravilhoso e perigoso. Mas cada uma das minhas tentativas de escrever um romance infantil acabava falhando de um jeito ou de outro. Aos poucos, percebi que meus dias de leitura se esgotariam com o desejo das crianças ainda não realizado, e que meu fracasso em oferecer uma história plausível seria mais uma das diversas maneiras pelas quais eu as decepcionaria. Um pai espera ser tão extraordinário quanto sua prole, em sua inocência, imagina que ele seja, de modo que nunca se desiludam com ele. Talvez alguns pais consigam isso. Da minha parte, o amadurecimento fez com que meus filhos percebessem minhas limitações 8


e deixassem de me pedir um livro escrito especialmente para eles. Mas, agora, eis aqui. Está claro que este não é o livro que desejaram. Embora haja uma grande quantidade de proezas, tragédias e divertimento nas páginas a seguir, nada disso envolve castelos, navios piratas, nem mesmo um terno romance. O personagem principal tem encantos inegáveis, mas não é nenhum herói nem super-herói. Este livro é desprovido de magos, órfãos que solucionam crimes, viagens no tempo ou compreensivas aranhas falantes. Não é o livro que meus filhos pediram, mas acredito que seja um livro do qual vão precisar. Porque é um livro sobre como sobreviver, e até mesmo prosperar, em meio às adversidades e a tantas mudanças revolucionárias. As crianças de hoje – as suas e as minhas – viverão suas vidas em um turbilhão de transformações. Algumas delas podem ser previstas. Outros desafios chegarão de forma tão abrupta quanto uma pandemia mundial. Suponho que carros que se autodirigem e robôs falantes sejam apenas o começo, lufadas de vento no lado brando da tempestade. Porque carros e robôs são instrumentos, e os instrumentos evoluem sem necessariamente mudar o mundo. Afinal de contas, minha própria geração chegou à idade adulta com rádios transistores e televisões de 19 polegadas. Agora, temos Spotify e TVs UHD de 85 polegadas. No entanto, continuamos escutando música em dispositivos portáteis e assistindo a filmes em 2D por detrás de uma tela de vidro. Uma mudança revolucionária é outra coisa. As revoluções têm o poder de refazer sociedades e sistemas culturais, econômicos e políticos. Pense na máquina de impressão de Gutenberg. Antes do aparecimento da prensa, não 9


havia motivo para a maioria das pessoas ser alfabetizada. A informação era transmitida lentamente e de modo pouco confiável, por via oral ou em manuscritos copiados a mão. O conhecimento acumulava-se com grande lentidão porque as pessoas só conheciam o que podiam aprender com os mais velhos em uma família ou aldeia. A máquina de impressão possibilitou, pela primeira vez, a conexão entre as pessoas de maneira barata e eficiente, através de longas distâncias e até do tempo. Os efeitos subsequentes foram extraordinários: a Reforma Protestante, o Iluminismo, as revoluções científicas e industriais, o advento da democracia e dos mercados livres, o fim da escravidão legal, a era da exploração, inclusive da exploração do espaço. Todas essas coisas tornaram-se possíveis com a impressão. Se tipos móveis – mero blocos de madeira e matrizes de chumbo – puderam fazer isso tudo, que mudanças poderiam ser forjadas por meio de uma revolução que coloca as bibliotecas e os idiomas mundiais na palma de cada mão e dá, a cada ser humano, o poder da comunicação de massa? A natureza do trabalho também está mudando, visto que cada vez mais a produtividade mundial deriva da interação de humanos com computadores. A História ensina que, no rastro das revoluções, seguem-se vastas turbulências no ambiente de trabalho. Quando a procura por alimento foi substituída pelo cultivo, o mundo de povos e nômades passou a ser um mundo de cidades, estados, nações e impérios. As culturas foram refeitas sempre que a industrialização e as economias de mercado substituíram a agricultura de subsistência. O mundo feudal de reis e czares tornou-se um mundo mecanizado de finanças e burocracias. Para alguns, o novo mundo foi de alienação e conflitos; para outros, foi um mundo de liberdade e 10


aspirações. As mulheres puderam ter menos filhos, por exemplo, o que resultou em mais longevidade e tempo para pensar. Os filhos que tiveram foram mais bem alimentados e enfrentaram menos trabalhos pesados. Mais longevidade veio a significar tempo para a educação, e a educação ensinou as pessoas a sonhar. Atualmente, poderíamos supor que os pais sempre esperaram que seus filhos embarcassem em futuros mais brilhantes, mas, pela maior parte da história da humanidade, eles presumiram que seus filhos fossem sofrer vidas tão brutas e curtas quanto as suas. Palácio ou choupana, o local de nascimento de uma pessoa determinava seu destino. Acredito que a revolução digital já começou a produzir efeitos tão dramáticos e amplos, em todos os aspectos, quanto os produzidos pelas revoluções passadas. A política está sendo transformada pelo poder perturbador das redes sociais. Nossas fontes de notícias e informação – os mananciais do diálogo cívico – estão se revelando sob o poder de escolhas infinitas. Rituais de acasalamento estão sendo reformulados por casamenteiros algorítmicos e bares virtuais de solteiros. Instituições estão sendo solapadas, enquanto ameaças outrora localizadas, de terrorismo a novos vírus, tornaram-se globais. Os pais querem dar aos filhos as ferramentas de que precisam para vencer na vida, mas nossas crianças estão se lançando em um mundo tão estranho e imprevisível que é inevitável que um pai se preocupe se os instrumentos de hoje não serão o fardo de amanhã. Deus não permita que nosso conselho as leve na direção errada. Assistindo à crescente magnitude da revolução digital, passei a temer não saber o suficiente sobre mudança para ajudar meus filhos. Entendo de mudança no que se refere 11


a dispositivos, mas, em comparação, presenciei pouco dela no que diz respeito a culturas e sociedades em sua totalidade. Embora, ao longo dos anos, tenha me deslumbrado com muitas maravilhas tecnológicas, minha vida não foi tão diferente da vida dos meus pais. Minha mãe e meu pai cresceram quando o rádio era uma novidade, e vivi para ver o rádio fragmentar-se em radiodifusão, satélite e transmissão sem fio. Mas meus pais e eu vivemos todos na era do rádio. O mesmo poderia ser dito de aviões, jornais, motores de combustão interna, rede de televisão, republicanos versus democratas, “medicina moderna” e milhares de outras categorias que trouxeram estabilidade a nossa vida, mesmo quando as novas geringonças nos surpreenderam. No entanto, durante a vida de meus filhos, as próprias categorias podem ser eliminadas, e novas categorias criadas. Dei-me conta de que preciso recuar uma ou duas gerações para encontrar um modelo para eles – um verdadeiro surfista em um mar de mudanças. Tive que retroceder aos últimos anos do passado agrário, tempo em que as pessoas de classe média viviam sem eletricidade ou água corrente, os seres humanos não voavam e não existiam antibióticos. Precisei descobrir alguém cuja vida pregressa tinha sido reconhecida por fazendeiros da era de Napoleão ou de Leonardo da Vinci. Alguém do mundo em que coches puxados a cavalo ultrapassavam em muito o número de automóveis, em que as imagens não se moviam e os reis governavam impérios. Um cidadão nascido no começo dos anos 1900 que conseguisse viver até os 2000 teria um pé plantado na era dos animais de tração e da difteria – época em que apenas 6 por cento dos americanos terminavam o Ensino Médio – e o outro plantado na era das estações 12


espaciais e da cirurgia robótica. Tal pessoa teria ido do filme O nascimento de uma nação até o documentário sobre Barack Obama; da proibição do voto feminino a mulheres governando nações e corporações; de jantares dominicais nas igrejas da vizinhança ao frenesi dos jogos de futebol de domingo, quando cada grande jogada é instantaneamente reprisada em telas do tamanho de um prédio de cinco andares. Nenhum pé humano havia tocado os polos sul ou norte, ou o pico do Everest, quando esse cidadão nasceu, mas ele viveria para ver as pegadas do homem na Lua. As crianças do início dos anos 1900 que viveram até uma idade avançada viram sua vida e suas comunidades, seus locais de trabalho e de culto, suas famílias e seus costumes abalados, invertidos, detonados e refeitos. Entraram no mundo exatamente no momento em que (segundo Henry Adams) “o pescoço da história [foi] quebrado pela irrupção súbita de forças totalmente novas”, e viveram em meio às consequências disso, em constante mudança. O que foi preciso para prosperar e encontrar felicidade enquanto se vivenciava tantas rupturas? Fosse o que fosse, são essas as ferramentas que gostaria de passar para meus filhos: ferramentas para resiliência e tranquilidade através de um deslocamento massivo e de incertezas. Decidi escrever para eles um livro que desvendasse os segredos da vida dentro da tempestade. E, uma vez que entendi que essa era minha tarefa como pai, teria ido até os confins da Terra para encontrar tal narrativa. Mas isso se revelou desnecessário, porque em uma fulgurante manhã de agosto, da garagem de casa, vi minha história ali parada, bem do outro lado da rua.

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