www.fgks.org   »   [go: up one dir, main page]

O mar de Manu

Page 1

CIDINHA DA SILVA DE MANUMAR O

ILUSTRAÇÕES
J OSI AS MA RI NHO
ILUSTRAÇÕES J OSI AS MARI NHO
CIDI N HA DA SI LVA
M DE MANU AR O

Copyright © 2021 Cidinha da Silva (texto)

Copyright © 2021 Josias Marinho (ilustração)

Todos os direitos reservados pela Editora Yellowfante. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

Edição geral

Sonia Junqueira

Edição de arte e capa

Diogo Droschi

Revisão

Julia Sousa

Informações paratextuais

Renata Amaral de Matos Rocha

Dados Internacionais de Catalogação na Publicacão (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Silva, Cidinha da O mar de Manu [livro eletrônico] / Cidinha da Silva ; ilustrações Josias Marinho. -- 1. ed. -- Belo Horizonte, MG : Yellowfante, 2021.

HTML

ISBN 978-65-88437-98-8

1. Literatura infantojuvenil I. Marinho, Josias. II. Título. 22-137862

CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Literatura infantil 028.5

2. Literatura infantojuvenil 028.5

Eliete Marques da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9380

Anel Rodoviário Celso Mello de Azevedo, 25.764, galpão C

Jardim Vitória . 31975-275

Belo Horizonte . MG

Para Sueli Carneiro, que há 35 anos me oferece o céu para pescar estrelas.

4

1Manu tinha um sonho: pescar estrelas. O pai, Tidjane, relutava em comprar para ele a vara de pescar desejada. Tentou convencer o filho de como seria inútil uma ferramenta daquelas numa terra em que o mar morava tão longe. Entretanto, se Manu não tivesse herdado a teimosia do pai, não seria seu filho, a mãe dizia.

5

O menino mudou de tática e contou o sonho à mãe, Kadija, na esperança de que seu coração de água que circula por todos os lugares convencesse o pai. “Lembra, mãe, aquela história dos homens azuis do deserto contada pela vó Baya?” “Qual?”

Eram tantas. “Aquela de um Tuareg que se perde à noite no deserto. Ele espeta uma estrela com a ponta da lança para iluminar o caminho de volta.”

“Sim, lembro.” “Pois eu quero pescar estrelas, e o pai não quer comprar a vara.”

6

Kadija sorri. Ouve o filho, cozinha e pensa numa solução para o problema. Com a colher de pau, separa uma porção generosa de inhame cozido e coloca num prato fundo. Rega a raiz com o mel das abelhas doces e espalha sementes de cardamomo por cima. Envolve o prato numa folha de bananeira e o entrega ao filho para oferecer ao vendedor da vara de pescar, que naquele dia visitava a vila.

7

Manu sai de casa à procura do mascate e, quando o encontra sentado à sombra de um arbusto, estranha a tristeza em seus olhos. Estende as mãos, oferece o prato. Kofi sorri, agradecido, acostumado às gentilezas dos moradores da região. Sente o cheiro delicioso da iguaria.

8

Sentado ao seu lado, Manu pergunta a Kofi por que estava tão triste se havia vendido toda a mercadoria. Kofi desfaz o engano de Manu e conta que não vendera tudo. Faltava o produto mais caro. “E o que é?” “A vara de pescar portátil e eletrônica”, responde o mascate. “Os homens desdenharam da utilidade dela, e nem pude oferecê-la às mulheres, tão ocupadas elas andam.”

9

Os olhos do garoto quase saem das órbitas. Explica ao viajante que, diferentemente dos homens mais velhos, achava que a vara de pescar podia ter muitos usos. Há tantas estrelas no céu. É só olhar para cima, encontrar as Filhas da Noite e depois pescá-las.

10

Kofi gosta do que ouve. Gosta dos pensamentos do menino. Amassa a comida com a mão, faz pequenos montinhos e come, concentrado. Enquanto se alimenta, pensa que certas coisas são úteis para realizar sonhos. Resolve presentear Manu com a vara, para que ele possa pescar estrelas.

Mesmo feliz, o menino a princípio não aceita. Teme que o pai brigue. Kofi o tranquiliza, sugere que mostre o presente primeiro à mãe, que o ensinou a sonhar. Ela amolecerá o coração do marido.

11
12

Antes de as cigarras cantarem chamando a noite, Manu já tinha saído da vila, sozinho, contrariando as recomendações da mãe. Só a vara de pescar portátil de programação eletrônica, presente do vendedor de coisas úteis aos sonhos, lhe fazia companhia.

2
13

Manu se afastava das casas e caminhava para a floresta, assobiando e planejando a pescaria de estrelas, quando ouviu um estranho barulho trazido pelo vento. Sentiu cheiro de perigo e subiu na primeira árvore à sua frente. Era a árvore da vida.

14

Instantes depois, um grupo de javalis passou por ali. Dois deles pararam, farejaram, esticaram os dentões e chamaram os outros de volta. Raivosos, olharam para cima e viram o menino. Conversaram entre si e resolveram derrubar a criança da árvore para devorá-la. Deram cabeçadas, morderam o tronco, cuspiram fogo pelos olhos... Desesperado, Manu rezava para todos os deuses infantis, conhecidos e desconhecidos, clamando por socorro.

15

Muitas cabeçadas depois, suas preces foram atendidas, e os javalis partiram. Achando-se seguro, o menino pensou em descer da árvore. Por sorte, uma das Filhas da Noite piscou as pontas para ele, convidando-o a pescá-la. Era o aviso de que o perigo apenas se escondera.

16

Manu aceita o chamado, mede a distância da árvore da vida até o primeiro andar do céu e programa a vara de pescar para vencer o percurso. Então dispara o anzol, que faz o caminho como linha de pipa e se engancha na estrela salvadora. Ela desce brilhante, pousa na mão do pescador, tão quentinha que ele quase a deixa cair.

17

Lá embaixo, os javalis reaparecem. Espantada, a estrela escapa e por pouco não cai na boca das feras. O novo amigo, atento, puxa-a para perto de si. Compreende que os bichos não partiriam tão cedo. Sua espera seria longa.

18
19

Manu joga paciência com o tempo. O cobertor de medo que tomara conta dele aumenta o frio na barriga à medida que a noite vai se fechando. Ele mira o céu, avista a segunda Lua, um filete crescente no meio do mês. Não tem outra opção: precisa passar a noite ali, sobre a árvore, até ter certeza de que os animais não voltarão.

20

Recorda-se de uma história sobre o desentendimento entre os homens e os animais, que sua avó Baya havia contado. Muito antigamente, quando os bichos falavam e confiavam nos seres humanos, um caçador especializou-se em enganar animais. Usava a magia para se transformar no próprio bicho caçado. Sob a forma de um javali, ele atraía os demais até uma clareira e lá, mantendo certa distância, voltava a ser homem e os abatia a tiros de espingarda.

21

O caçador tinha feito isso durante muitos anos, até que um dia um pequeno javali descobriu seu segredo. Era assim: para transformar-se em animal, o caçador dizia palavras mágicas; já para retornar à condição humana, ele comia folhas de um arbusto. Assim que o sujeito desapareceu do alcance da vista, o javali mirim aproveitou para recolher algumas folhas do arbusto e levá-las para os adultos examinarem.

22

Foi marcada uma reunião do conselho dos mais velhos, que examinou a planta. Os javalis adultos confabularam e deram aos mais novos a missão de destruir todos os pés da planta mágica que encontrassem, principalmente aqueles próximos às clareiras.

Passaram-se alguns dias e noites. Mais uma vez, o caçador lançou mão de seu expediente desonesto para caçar. Seguiu o ritual de atrair os animais até a armadilha, mas, na hora de voltar à forma humana para matá-los, não encontrou a planta no lugar de sempre. Os animais, então, contra-atacaram e puseram fim à sua deslealdade.

23

3

O primeiro vaga-lume da noite pisca sua luzinha na testa do menino. Manu compreende que o ataque dos javalis não tinha sido gratuito. Os bichos só entendem o mundo pelo olhar da família, e acharam que Manu, um humano, devia pertencer à família do caçador. Dessa forma, os javalis o viam como traiçoeiro e o atacaram para se proteger.

25

Manu pesca mais duas Filhas da Noite, transforma-as em travesseiro e reafirma a necessidade de dormir no alto da árvore, mesmo sabendo que os amigos e parentes, na vila, deviam estar preocupados, procurando-o.

26

Antes do amanhecer, uma estrela cadente se joga do céu no colo de Manu para acordá-lo. E conta que a luz da Lua tinha explicado aos javalis que não havia parentesco entre ele e o caçador.

27
28

O menino agradece aos deuses infantis por tê-lo protegido, segura as três Filhas da Noite e a última estrela, despede-se delas e as coloca no galho mais alto da árvore, para facilitar a viagem de volta para casa. Desce da árvore da vida e dirige-se à vila, pensando em uma maneira de os homens se reconciliarem com os javalis.

29

INFORMAÇÕES PARATEXTUAIS

A OBRA

No livro O mar de Manu , temos a oportunidade de conhecer um menino africano que pescava estrelas em algum lugar entre três países não banhados pelo mar: Níger, Burkina Faso e Mali. Você já pescou estrelas?

Manu é fortemente inspirado pela lenda dos Tuareg, um povo nômade originário da região onde se passa a história – e é o garoto quem nos leva a conhecer um pouco da cultura e das tradições locais. Este conto é encantador, amplia nosso olhar para a diversidade dos povos e a valorização de todos eles, abrindo caminhos para o diálogo sobre o tema “Encontros com a diferença”.

O GÊNERO LITERÁRIO

O gênero predominante em O mar de Manu é o conto infantil. Possui um enredo pouco extenso, tempo e espaço restritos, poucos personagens, e nos conquista pela poesia que lhe é particular. Duas outras camadas, entretanto, juntam-se à narrativa em questão: a lenda do povo Tuareg e a fábula, no tocante à personificação dos javalis e a uma possível moral da história. Essa narrativa nos convida a conversar sobre a relação entre seres humanos e animais, como sugere Manu, ao final do conto.

A AUTORA

Meu nome é Cidinha da Silva, sou mineira de Belo Horizonte, e daqui a pouco vocês entenderão por que é importante falar de Minas Gerais na minha vida.

A história do Manu, protagonista deste livro, se passa em algum lugar entre três países da África Ocidental chamados Mali, Burkina Faso e Níger. Uma das coisas que esses países têm

30

em comum é que não são banhados pelo mar. E quem não tem o mar no seu lugar de nascimento, como Manu e eu, costuma fazer projeções no céu inventando o mar até chegar o dia de encontrá-lo. E o céu de Minas é de uma beleza sem par. Você conhece?

Espero que a viagem de Manu seja sua também.

O ILUSTRADOR

Sou Josias Marinho, um professor-artista que busca estabelecer diálogos entre suas poéticas e o ensino escolar. Um rondoniense construindo laços com as brasilidades ao seu redor. Caçula de nove irmãos, trago, no meu fazer artístico e no modo de me relacionar com o mundo, o que aprendi com minha mãe e meus irmãos, sobrinhos e sobrinho-irmão. Sou oriundo da comunidade quilombola Real Forte Príncipe da Beira, às margens do rio Guaporé. Professor de Artes Visuais no Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Roraima (CAp/UFRR), sou também autor de outras belas obras.

31
Este livro foi composto com tipografia Duper.
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.