www.fgks.org   »   [go: up one dir, main page]

As mil e uma histórias de Manuela

Page 1

M arcelo M aluf

Ilustrações: W eberson s antiago

Marcelo Maluf

Ilustrações: W eberson s antiago

Para Daniela, que sonha junto comigo.

Para o Raul, que acabou de nascer.

Para Gulliver e Anima, meus queridos gatos.

6

MANUELA COMIA LIVROS.

DEVORAVA principalmente os de fantasia e suspense. Gostava dos mais azedos, com sabor de torta de limão. Das histórias mais românticas ela não gostava muito, tinham gosto de doce de batata doce, dizia. Preferia as histórias que deixavam um gostinho amargo na boca.

7

NAO QUERIA livros novos: os usados tinham sabores cheios de surpresa.

UM LIVRO lido por muita gente, pensava, poderia conter mil temperos.

8

AO COMPLETAR sete anos de idade, Manuela já havia comido toda a biblioteca do avô.

9

ELE TINHA tentado trocar livros por chocolate.

– MAS, VOVO – a menina dizia –, nenhum chocolate é melhor que um livro de poesia! Nem os amargos!

10
E O AVO, que era um grande leitor, pensava: “Não é que a minha neta é mesmo esperta?!”.
11

DEPOIS, já não tendo mais livros em casa, Manuela passou a comer os livros da biblioteca da escola.

COMIA DEVAGARZINHO. Pedacinho por pedacinho. Queria saboreá-los com calma. Deliciosamente.

12

ALGUMAS PALAVRAS, como entranha , víscera , âmago e Pindamonhangaba , a deixavam engasgada. A menina ia direto para a enfermaria.

Pra isso, o melhor remédio era: COMER TRES PAGINAS DE ALICE NO PAIS DAS MARAVILHAS.

Desengasgava que era uma beleza!

13

CERTA VEZ, a professora perguntou à Manuela:

– Por que, em vez de comer, você não lê os livros?

14

– PROFESSORA – respondeu a menina –é que os livros têm sabores tão diferentes que eu não consigo parar só na leitura: fico tremendo de vontade de experimentar, sentir o sabor de cada página, de cada palavra, de cada ponto e vírgula! Quando vejo, já estou comendo!

15

O MAIS ENGRACADO é que, quando perguntavam à Manuela o que diziam os livros que ela comia, a menina contava um misto da história do livro com uma história que ela mesmo inventava.

16

POR EXEMPLO: tinha a história do cão Juvelino, que entrava num armário e saía pelos fundos num país cheio de faunos que moravam em pêssegos gigantes, monstros de sete cabeças, sacis e fadas que só usavam calças jeans. Lá, nesse país que se chamava Terra do Nunca e de Ninguém, o Juvelino era um príncipe e só andava sobre duas patas.

17

UM DIA, porém, após saborear as Reinações de Narizinho , Manuela percebeu, nas costas da mão direita, um pedacinho de papel do livro.

SOPROU, mas o papelzinho não voou. Tentou tirar com um piparote. Nada: o papel era uma espécie de pelo encravado na pele de Manuela.

18

NOS DIAS SEGUINTES, outros papéis brotaram: páginas e páginas nasceram e encobriram o corpo inteiro da menina, a ponto de ela quase sufocar.

COM O PASSAR DOS DIAS, Manuela foi encorpando, ganhando novas páginas, foi virando outra coisa, tomando novas formas.

19

ATE QUE duas páginas mais duras nasceram em suas costas, como uma espécie de capa que protegia seu corpo.

JA NAO ERA mais possível andar ou brincar. Manuela ficava o dia inteiro deitada na cama, era triste de ver. O avô lhe dava os livros na boca, fazia aviãozinho com as páginas.

20

A MENINA mastigava sem ânimo, muito lentamente. Os movimentos de suas mãos, pés e pescoço estavam bastante limitados. Sozinha, não conseguia pegar quase nada.

21

MANUELA olhava por entre as folhas do livro em que havia se transformado e se preocupava: “Desse jeito eu posso morrer sufocada”.

TENTOU MORDER a si mesma para saber que gosto tinha. Sentiu uma dor horrível, mas o gosto era de torta de maracujá, bem azedinha, e ela ficou com muita fome.

22

FOI AI que a menina teve a ideia de escrever as histórias que estavam em suas páginas para depois comê-las.

23

FEZ UM ESFORCO e começou a escrever, bem devagar. Escreveu e escreveu dias e dias, quase sem parar. Tudo aquilo que estava em seu corpo e em sua mente foi ganhando vida no papel, e suas ideias foram crescendo, crescendo...

24

E QUANTO MAIS Manuela escrevia, mais as páginas que estavam grudadas em sua pele iam encolhendo e desaparecendo dentro dela.

25

ATE QUE SUMIRAM.

QUANDO COLOCOU o ponto final na história, Manuela percebeu que havia escrito o seu primeiro livro, e que ele era resultado dos inúmeros livros que havia comido – mas, ao mesmo tempo, não era nenhum deles.

26

Era um novo livro, diferente de todos os outros.

Era O SEU livro.

DEVOROU-O LOGO EM SEGUIDA: GLUP!

INTEIRINHO PRA DENTRO.

27

Esse foi o jeito que Manuela descobriu pra existir no mundo:

COMENDO LIVROS E ESCREVENDO,

ESCREVENDO E

COMENDO LIVROS,

que era pra não sufocar, ela dizia.

28

INFORMACOES PARATEXTUAIS

As mil e uma histórias de Manuela é um conto de Marcelo Maluf sobre uma menina que gosta muito de ler! Ela gosta tanto de livros literários que devora todos que vê. E não os devora apenas com os olhos: acaba os comendo também, literalmente! E, de tanto devorar livros, acaba se transformando em um livro. Nessa aventura fantástica, Manuela conta com a ajuda de uma pessoa muito importante, o seu avô! Sua professora também aparece na história para lhe dar algumas dicas.

O GENERO TEXTUAL CONTO

Estudante, a obra As mil e uma histórias de Manuela, de Marcelo Maluf, é um conto com elementos fantásticos. Trata-se de uma narrativa curta, com poucos personagens, sobre uma experiência vivida pela protagonista Manuela, uma menina que gosta muito de ler e de comer livros. O conto de Marcelo Maluf é repleto de metáforas que se mesclam com informações literais – o gosto dos livros e das histórias ora é simbólico, ora há sugestões de ser literal, visto que Manuela de fato os come.

O AUTOR

Nasci em 15 de janeiro de 1974, na cidade de Santa Bárbara D’Oeste, a 150 km da capital paulista. Exatamente às 11 horas e 15 minutos. Sou escritor e professor de criação literária. Estudei Artes na faculdade e tenho alguns livros publicados.

Comecei a escrever minhas histórias depois que fiquei trancado, por uma noite, na biblioteca municipal da pequena cidade onde nasci. Eu tinha 11 anos, e os livros me atraíam de uma maneira maluca. Eu ainda não sabia o motivo, mas queria sempre tê-los por perto. Naquela madrugada, os livros me serviram de travesseiro e cobertor. Primeiro a biblioteca foi meu refúgio, depois um lugar onde vivi aventuras em busca do mistério que é existir neste mundo. Creio que de tanto gostar de ler, um dia eu também quis contar minhas histórias e, por isso, me tornei escritor.

Escrever As mil e uma histórias de Manuela me fez aprender muita coisa sobre os livros, como, por exemplo, é preciso mastigá-los bem, senão ficamos com dor de barriga. E, assim como a Manuela, eu também saboreio as páginas dos livros tanto quanto uma boa torta de chocolate. E é desta maneira que eu vivo: escrevendo e comendo, comendo e escrevendo...

O ILUSTRADOR

Nasci em 1983. Moro no estado de São Paulo, numa cidade chamada Mogi das Cruzes, com minha esposa Stella e meus filhos Enrique e Mariana. Além de ilustrar e escrever livros, dou aulas na Universidade de Mogi das Cruzes e na Quanta Academia de Artes.

Me identifiquei demais com a Manuela neste livro, porque eu também sempre gostei muito de ler. Já pensei em comer alguns livros também, mas desisti porque não queria perder nenhum pedaço deles.

29
~
^ ~

Copyright © Marcelo Maluf (texto)

Copyright © Weberson Santiago (Ilustrações)

Todos os direitos reservados pela Editora Magia dos Livros. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

edição geral

Sonia Junqueira

projeto gráfico e editoração eletrônica

Christiane Costa

revisão

Carolina Lins

informações paratextuais

Dafne Barbosa Cortez

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Maluf, Marcelo

As mil e uma histórias de Manuela [livro eletrônico] / Marcelo Maluf ; ilustração Weberson Santiago. -- 2. ed. -- Belo Horizonte, MG : Magia dos Livros, 2021.

HTML

ISBN 978-65-993976-2-2

1. Literatura infantojuvenil I. Santiago, Weberson. II. Título.

21-88454

Índice para catálogo sistemático:

1. Literatura infantil 028.5

2. Literatura infantojuvenil 028.5

Tábata Alves da Silva - Bibliotecária - CRB-8/9253

CDD-028.5

Rua Senador Teixeira da Costa, 18

Bairro Floramar . 31742-063

Belo Horizonte . MG

Este livro foi composto com tipografia Gatineau.
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.