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Jornal Brasil de Fato / RS - Número 37

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Foto: Guilherme Gandolfi

ALIENAÇÃO “QUEM REJEITA A POLÍTICA VAI PARTICIPAR DELA DE FORMA SUBMISSA”, AVISA ECONOMISTA PÁGIN A 3

RIO GRANDE DO SUL

ENGAJAMENTO BUSCANDO UM SENTIDO PARA A VIDA E PROPONDO UMA SOCIEDADE MELHOR. PÁGIN A 8

31 de julho de 2022 distribuição gratuita brasildefato.com.br

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brasildefato.rs

@BrasildeFatoRS

Ano 4 | Número 37

Ninguém vive sem ela mesmo que não saiba

Nenhuma sociedade sobrevive sem política. Sem pertencer a qualquer partido nossa vida está mergulhada nela o tempo todo. Todos fazemos política mesmo quando dizemos odiar a política. Veja nas páginas 4 e 5 porque isto acontece.

Foto: Drazen Zigic

POLÍTICA


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EDIÇÃO N O 37 - 31 DE JULHO DE 2022 - W W W.BRASILDEFATORS.COM.BR

CHARGE | Santiago

Opinião

Participação social e compromisso com a vida MIGUEL ANTÔNIO ORLANDI (*)

Editorial

Quem vai fazer a diferença ▶ Quando o Brasil se aproxima da mais importante eleição da sua história recente, alguns dados são animadores. Entre eles, o fato de que houve um aumento de 51,1% no número de jovens entre 16 e 17 anos que – mesmo sendo seu voto facultativo – habilitaram-se para votar. É uma sinalização interessante. Primeiro, porque pesa sobre esta faixa etária a crítica sobre uma suposta alienação. Segundo, porque, como mostram todas as pesquisas de opinião, entre os jovens é mais intensa a rejeição ao governo Bolsonaro. Considerando-se como jovem quem frequenta a faixa dos 16 aos 34 anos, são 52,7 milhões de eleitores e eleitoras nos dados do TSE. Há outro e ainda maior segmento onde é forte a aversão ao presidente. As mulheres respondem por 53% do eleitorado. São 82,4 milhões aptas a votar. E representam a maioria absoluta no eleitorado de 156 milhões de votantes. Os dois grupos têm sido ignorados pelas políticas públicas, sobretudo os jovens e as mulheres pobres da periferia. Ao seu lado, partilhando a mesma rejeição, estão os mais pobres e mais vitimados pela violência econômica e social que se abateu sobre o Brasil. São os 61,3 milhões que sofrem de insegurança alimentar. E, entre eles, os 15,4 milhões que padecem de insegurança alimentar grave. Em outras palavras, aqueles que não sabem se terão o que comer no dia seguinte. Três maiorias – mulheres, jovens e pobres – preparam sua resposta ao descaso ou à violência que sofrem. Muitos deles têm feito política no cotidiano, nas redes, nos movimentos, nos partidos, nas ruas. Em outubro, todos têm encontro marcado com a política nas urnas.

▶ As sociedades são construídas a partir do encontro de pessoas, de povos. Não existe sociedade de uma pessoa só. Após se reconhecerem como sociedade, estas pessoas geralmente fazem acordos e estabelecem regras de convivência, vivendo no presente e projetando conquistas para o futuro. Nestes espaços, a disputa de poder é exercida constantemente e nem sempre vence a maioria, ou mesmo quem busca tornar a sociedade mais justa e fraterna. Muitas vezes as forças da morte vencem batalhas e ceifam vidas, tudo sempre motivado por interesses, nas sociedades modernas, geralmente financeiros e de acúmulo de bens. É isso que gera a pobreza e todas as formas de exclusão social. Aqui entra o outro lado das sociedades: A solidariedade. Que para se concretizar, acaba passando por diversos momentos de tensionamento social, onde os grupos que buscam construir a participação social e garantir que todos tenham o lugar que buscam socialmente, onde livremente podem exercer a cidadania com justiça e fraternidade. Tal proposta é justamente a dos grupos da Ecosol, dos movimentos sociais, da busca pela garantia dos direitos humanos e também os que enfrentam as organizações do mal que insistem em dominar e reconquistar a cada dia bens e valores, acumular, nem que seja pela destruição da sociedade e da natureza. Para estes, a vida não é prioridade. O coletivo, menos ainda, porque ele

MUITAS VEZES AS FORÇAS DA MORTE VENCEM BATALHAS E CEIFAM VIDAS, TUDO SEMPRE MOTIVADO POR INTERESSES, NAS SOCIEDADES MODERNAS, GERALMENTE FINANCEIROS E DE ACÚMULO DE BENS. É ISSO QUE GERA A POBREZA E TODAS AS FORMAS DE EXCLUSÃO SOCIAL. oferece resistência. Assim, organizar em pequenos núcleos de resistência social, nossos irmãos e irmãs mais pobres, além de permitir que a vida renasça aí, garante que o bem-estar comum aconteça sem a necessidade do aniquilamento dos que mais precisam e são vítimas da persistente exclusão social gestionada pelos mais ricos. No contexto atual, além do mundo real, o mundo virtual tem papel decisivo nas organizações de massa e na construção da participação ativa e popular, para a organização de redes e coletivos, na formação humana e política, no acolhimento de imigrantes e qualquer ação que priorize a organização social para a participação de uma sociedade para a solidariedade. (*) Presidente da AVESOL (Associação do Voluntariado e da Solidariedade)

www.brasildefators.com.br (51) 98191 7903 redacaors@brasildefato.com.br /brasildefators @BrasildeFatoRS brasildefato.rs CONSELHO EDITORIAL Saraí Brixner, Sandra Lopes, Enio Santos, Neide Zanon, Ademir Wiederkehr, Luiz Muller, Télia Negrão, Diva da Costa, Grazielli Berticelli, Bernadete Menezes, Gelson José Ferrari, Salete Carollo, Cedenir Oliveira, Lucas Gertz Monteiro, Vito Giannotti (In memoriam) | EDIÇÃO Ayrton Centeno (DRT3314), Katia Marko (DRT7969) REDAÇÃO NESTA EDIÇÃO Ayrton Centeno, Fabiana Reinholz, Katia Marko, Marcelo Ferreira e Pedro Neves | DIAGRAMAÇÃO Marcelo Souza | DISTRIBUIÇÃO Alexandre Garcia e Saraí Brixner | IMPRESSÃO Gazeta do Sul | TIRAGEM 25 mil exemplares.


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3 Foto: Imprensa SMetal

Entrevista – Juliane Furno

“A solução dos nossos problemas passa sempre pela organização política”, aponta economista

Ela também acentua que o preço do feijão, da carne ou da luz são muito mais resultado da política do que da economia AYRTON CENTENO PORTO ALEGRE

▶ Menina, Juliane Furno não conviveu com livros em casa. Adolescente, não teve acesso a cursos, mas foi a primeira pessoa da família a entrar na faculdade. No caso, a Faculdade de Economia da UFRGS. O que aconteceu, diz ela, através do novo mundo que se descortinou junto com a tomada de consciência e o ativismo. “A militância me fez admirar militantes que estavam na universidade.” E seguiu o mesmo caminho. Economista, fez mestrado na Unicamp, onde estudou as alterações no mercado de trabalho das empregadas domésticas nos governos Lula e Dilma. Também cursou doutorado, quando estudou a política de conteúdo local para o setor de petróleo e gás, e – entre outras frentes – trabalhou na escola de formação sindical da CUT. Aqui, Juliane fala pouco de economia e muito sobre a importância da ação política nas nossas vidas.

BdF RS - Quando a política entrou na tua vida? Juliane Furno - O que me despertou foi um professor da 8ª série nas aulas de História sobre a II Guerra Mundial, a Guerra Fria... Depois fui estudar no Julinho (colégio estadual Júlio de Castilhos). Já na primeira semana teve uma manifestação contra o aumento das passagens e vi a violência da polícia. Entrei no PT e desde lá tenho uma vida marcada pela consciência de classe. BdF RS - Parte da tua participação política se deu no Levante Popular da Juventude. Qual o papel do Levante nos últimos anos para a politização dos jovens? Juliane - Quando estava no 3º ano do ensino médio conheci o Levante. É a minha experiência de vivência coletiva na política. É minha grande morada ainda hoje, meu alimento do espírito. É um movimento com a complexidade de estar na universidade, nas periferias, no campo. E com um espírito muito crítico que retoma a esperança e a rebeldia da juventude não para ser uma rebeldia vazia, mas ligada à concretização de um projeto de sociedade.

NÃO HÁ UMA MÃO DIVINA QUE COLOCA O PREÇO NAS MERCADORIAS

SE A GENTE NÃO SE ORGANIZA, ALGUÉM ORGANIZADO IRÁ NOS ORGANIZAR BdF RS - Muita gente olha para a ação política – sobretudo a política dos partidos – como uma atividade suspeita ou criminosa. A que se deve isso? Juliane - Talvez melhor que a coerção – a impossibilidade legal de associação política – seja essa maneira de criminalizar as organizações. Criminalizar a política como lugar do profano, do corrupto, dos interesses corporativos e as pessoas não se organizam e se acham autossuficientes. Outro elemento é a falta de esperança. A solução dos nossos problemas passa pela organização política. Na história da classe trabalhadora as grandes transformações foram obra de organizações políticas. Não é uma romantização. Nelas há uma perspectiva de mudança da sociedade como um todo e de comportamentos internos. É o que há de melhor. É viver em comunhão e solidariedade com os companheiros que dividem o mesmo sonho e a mesma perspectiva ideológica. BdF RS - O que dirias para quem torce o nariz e se omite de participar da vida política do país? Juliane - Esta pessoa está sendo

dirigida. O fato dela se omitir não significa que não participa. Ela participa de forma subordinada. Se a gente não se organiza, alguém está organizado e nos organiza sem a possibilidade de nos tornarmos sujeitos da nossa própria história. BdF RS - Como se explica à população que aquele choque semanal que ela leva no supermercado está intimamente relacionado com a escolha política feita em 2018? Juliane - Tudo é política e a economia é política. Não é uma ciência neutra. Como se a movimentação de variáveis econômicas se desse sem nada a ver com as decisões políticas. O preço dos alimentos, a (oscilação) do dólar em relação ao real ou a fuga de capitais são decisões da política econômica. O preço do feijão, da carne, da luz, não decorre de processos naturais. Não há uma mão divina que coloca o preço nas mercadorias. BdF RS - As pesquisas sinalizam que são as mulheres (53% do eleitorado) e os jovens que mais rejeitam o governo atual... Juliane - Tem a ver com dois elementos. O primeiro é dizer que as mulheres nascem de fraquejadas. E as falas de cunho machista. Para a juventude, a redução do FIES e do Prouni e o fim das políticas públicas para a cultura.


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PARTICIPAÇÃO

Quem não gosta de política vai ser mandado por quem gosta

É um ensinamento que existe há milênios mostrando que não há saída senão atuar politicamente Foto: Jorge Leão

AYRTON CENTENO

▶ Ninguém escapa da política, querendo ou não. “Quem não gosta de política, está condenado a ser dirigido por aqueles que gostam”, alguém já falou muito tempo atrás. A frase tem quase 2.500 anos e é atribuída a Platão, filósofo grego que viveu entre 428-348 antes de Cristo. Dá para dizer, então, que a gente não tem o direito de fechar os olhos para a política. Agindo assim, alguém vai mandar na nossa vida e nem poderemos reclamar. Ou pior ainda: vamos apostar na “antipolítica” e nos “antipolíticos” e vermos o desastre que vai ser. Há dois grandes problemas com a compreensão sobre o peso da política na vida de todo mundo: 1) confunde-se a política com a política partidária; 2) confunde-se política com a obrigação de votar de dois em dois anos. Um terceiro erro seria achar que não precisamos da política. A verdade é que todos nós fazemos política a todo momento. No fundo, a sociedade humana não existiria sem a política.

SEM POLÍTICA, A VIDA SERIA UMA GUERRA

Se não houvesse a política para intermediar os conflitos, a vida em comunidade seria impossível. Viveríamos em guerra. Ela começa a partir do momento em que surgem os aldeamentos humanos. Não é por acaso que a palavra política deriva de “polis”, que é cidade em grego. Aliás, os antigos gregos são uma espécie de fundadores da política mais ou menos como a conhecemos hoje. Então, a política não é propriedade daqueles que elegemos para nos representar – vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e presidentes. Eles são nossos representantes políticos. Apenas isso. E temos o dever de cobrá-los sempre. Políticos somos todos. Por exemplo, quando deixamos de comprar em certa loja porque tem uma política racista de contratação de pessoal, o nosso gesto é político. Estamos dizendo que rejeitamos o preconceito. E comprar na mesma loja apesar de sabermos do racismo, também é uma decisão política. Estamos dizendo que “Não importa”, revelando que não temos empatia

A política não é propriedade daqueles que elegemos para nos representar. É preciso participar. Todos somos políticos

nem compromisso com a mudança. É possível até dizer que cada escolha que fazemos pode ser política. Organizar um mutirão para recolher lixo da praia ou deixar lixo na areia são escolhas políticas. São contrapostas e explicitam visões distintas da vida comunitária.

TOMAR VACINA É AGIR POLITICAMENTE

Usar máscara e vacinar-se para não ser contaminado pela covid-19 e para não contaminar os outros também é uma atitude política. Fazemos política quando escolhemos um jornal, uma rádio, uma TV, um site, um livro, um filme e, muitas vezes, até o time para o qual torcemos. As formas de participação são inumeráveis. E, claro, é decididamente política a nossa presença (ou a nossa ausência) nos debates do condomínio, da escola, do trabalho, do clube, da associação de bairro, do movimento, do sindicato. Quando nos unimos para pedir uma melhoria no bairro – um reajuste, um serviço, um semáforo, um asfaltamento, um posto de saúde, melhor policia-

mento, uma linha de ônibus. Como deu para ver, a política está entranhada no nosso cotidiano. Mesmo quando a pessoa diz que odeia a política está fazendo uma declaração política. Está, portanto,

agindo politicamente. Não há escapatória. Deixar como está para ver como é que fica é uma solução muito ruim, ainda mais em um ano tão decisivo para o Brasil. E esta também é uma declaração política...

Doze pitacos s ▶ “A política é a arte do possível. Toda a vida é política.” (Cesare Pavese, escritor antifascista italiano) ▶ “Que continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem.” (Bertolt Brecht, dramaturgo comunista alemão) ▶"Vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança." (Hannah Arendt, filósofa alemã naturalizada norte-americana) ▶ “A política é uma guerra sem

derramamento de sangue e a guerra uma política com derramamento de sangue.” (Mao-Tse-Tung, chefe da revolução chinesa) ▶ “A revolução é a harmonia da forma e da cor e tudo está e se move sob uma única lei: a vida. Ninguém se aparta de ninguém. Ninguém luta por si mesmo. Tudo é tudo e um.” (Frida Kahlo, pintora e revolucionária mexicana) ▶ “Não aceito mais as coisas que não posso mudar, estou mudando as coisas que não posso aceitar.” (Angela Davis, filósofa e liderança do movimento negro)


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Direita ou esquerda, qual é o seu lado? ▶ Com o debate político cada vez mais quente, a gente ouve falar muito em “direita” e “esquerda”. As duas palavras entraram com tudo nas nossas conversas. Mas de onde vieram? A divisão entre “esquerda” e “direita” remonta há mais de dois séculos. Foi batizada assim na Revolução Francesa (1789) quando uma rebelião peitou a nobreza, derrubou a monarquia e implantou a República. Os revolucionários tinham origem na alta e na baixa burguesia e nos trabalhadores da cidade e do campo. Durante uma assembleia para discutir os rumos da revolução, a alta burguesia, conservadora e mais próxima da aristocracia destronada, postou-se à direita da sala. Exigindo mais mudanças, a baixa burguesia e os trabalhadores ficaram à esquerda. Desde então, quem se alinha à defesa do capital, da tradição, da propriedade privada intocável e dos aspectos mais questionáveis da moral e da religião é descrito como “de direita”. No polo oposto, quem atua em favor de uma sociedade mais igualitária, com melhor divisão da renda nacional, fortalecimento do Estado como indutor do desenvolvimento e acesso a melhores serviços de saúde, educação e assistência social é “de esquerda”. Ao longo do tempo, esta divisão se tornou mais complexa com movimentos alinhados a um ou outro polo. Surgiram correntes de pensamento situadas à direita como o liberalismo e à extrema-direita, casos do nazismo e do fascismo. O Brasil teve um partido de perfil fascista nos anos 1930 que foi a Ação Integralista Brasileira (AIB). Hoje, com outras particularidades e sem a organização da AIB, o bolsonarismo ocupa este lugar. Em contraposição, a esquerda dividiu-se em socialista, comunista, anarquista, social-democrata, trabalhista e outros agrupamentos. Hoje, a maior corrente de esquerda ou centro-esquerda no país está identificada no PT e nos seus aliados.

sobre política ▶ “Existem dois tipos de político: os que lutam pela consolidação da distância entre governantes e governados e os que lutam pela superação dessa distância.” (Antonio Gramsci, filósofo marxista italiano)

▶ “Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor.” (Desmond Tutu, arcebispo sul-africano)

▶ “As ideias dominantes numa época nunca passaram das ideias da classe dominante.” (Karl Marx, filósofo alemão)

▶ “Quem é feminista e não é de esquerda, carece de estratégia.Quem é de esquerda e não é feminista, carece de profundidade.” (Rosa Luxemburgo, filósofa e economista polaco-alemã)

▶ “Ele (Jesus Cristo) foi o primeiro comunista. Repartiu o pão, repartiu os peixes e transformou a água em vinho.” (Fidel Castro, revolucionário e líder cubano)

▶ “Envolver-se na política é uma obrigação para o cristão. Nós, cristãos, não podemos nos fazer de Pilatos e lavar as mãos. Não podemos!” (Papa Francisco)

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Três tragédias provocadas pela antipolítica no Brasil

1964

▶ O presidente João Goulart foi deposto por um golpe militar. Apoiados por partidos de direita, os militares eram críticos da política brasileira, que consideravam corrupta. Entendiam que seriam mais capazes para administrar o país. Resultou em uma tirania de 21 anos que se valeu de censura, perseguições, prisões, tortura e assassinatos. Quando assumiram, a inflação – que criticavam – era de 80% ao ano. Quando partiram, era de 230%. Quando assumiram, a dívida externa era de US$ 3,3 bilhões. Quando partiram, era de US$ 105,1 bilhões. Aumentara 32 vezes.

1989

▶ As mesmas forças que deram o golpe de 1964 elegeram Fernando Collor presidente. Ele representava o setor mais atrasado das elites, mas foi vendido como a personificação da “nova política”. Era o “Caçador de Marajás” que limparia o Brasil, jogando no lixo a “velha política”. Confiscou a poupança e seu mandado só durou dois anos. Caiu em 1992 no bojo do processo de impeachment movido por denúncias de caixa 2 e deflagrado pelas acusações contra seu tesoureiro de campanha, P.C. Farias.

2018

▶ Após 28 anos de mandato como parlamentar folclórico e irrelevante que passara por nove partidos, Jair Bolsonaro chegou à presidência. Apesar disso, a exemplo de Collor, apresentou-se como novidade. Era o inimigo da política e dos políticos. Com fama de machista, racista, xenófobo e misógino, tem gestão desastrosa em todos os campos: economia, saúde, meio ambiente, educação, ciência, cultura, política externa, proteção social. Com ele, o Brasil continua vivendo a tragédia da pandemia, com mais de 675 mil mortes. E, com 33 milhões de pessoas sem ter o que comer, voltou ao mapa da fome.


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Democracia

Sistema que significa “poder do povo” corre riscos no Brasil Foto Bárbara Dias / Fotoguerrilha

A palavra democracia ganha destaque em ano de eleições, quando o voto pode mudar os rumos da nação. Contudo, seu significado vai bem além de eleger candidatos MARCELO FERREIRA PORTO ALEGRE

▶ Criada na Grécia antiga, no século 6 A.C, a expressão significa “poder do povo” (do grego demokratía: demos = povo, kratos ou "poder") e se transformou no decorrer da história. É praticada na maioria dos países, inclusive no Brasil, onde está sob risco. Para Florestan Fernandes, fundador da Sociologia Crítica no Brasil, a democracia brasileira não era completa, pois não chegava às camadas mais pobres. O sociólogo Jorge Branco explica que a afirmação se refere ao sentido substantivo de democracia diferente do que hoje existe. Branco repara que o sistema democrático se originou nas revoluções burguesas movidas contra as monarquias, pregando a igualdade associada à propriedade. “Isso permitiu à nova classe emergente, que se tornou hegemônica, ter propriedade sobre a

O assassinato de Marielle Franco foi mais do que um atentado contra uma parlamentar, foi uma tentativa de impedir a ampliação da democracia aos que historicamente estiveram afastados dos espaços de poder na sociedade

terra, a indústria e o comércio.” Já o sentido substantivo é uma ideia mais ampla. As classes trabalhadoras se apropriaram dela para defender uma sociedade igualitária no século 20. “É a ideia de que igualdade não pode ser determinada apenas pela formalidade da lei para que, depois, a dinâmica econômica estabeleça desigualdade através da propriedade e da riqueza”, argumenta. O movimento constante da democracia levou à conquista de di-

reitos sociais como voto feminino, férias remuneradas, 13º salário, licença-maternidade e sistemas de saúde e educação públicos. Sempre dependendo da participação política, que a professora de Serviço Social da Unisinos e integrante da Rede Solidária São Léo Marilene Maia observa ser um exercício que acontece a todo o momento na vida das pessoas. “Mesmo quem não quer falar em política estabelece relações e, por consequência, está fazendo política”, assegura.

▶ Muita gente tem se manifestado em defesa da democracia. É uma resposta aos ataques do presidente Jair Bolsonaro ao processo eleitoral e ao STF. A “Carta aos Brasileiros”, lançada no final de julho, somou mais de 600 mil de adesões em menos de uma semana, assinada inclusive por banqueiros e empresários. “Setores da sociedade civil agora aderem àquilo que vinha sendo denunciado, há muito tempo, pelos trabalhadores organizados, intelectuais e setores populares”, comenta o cientista político Benedito Tadeu César, integrante do Comitê em

Foto: Reprodução/Conteúdo Estadão AE

Uma carta para barrar o golpe

A Carta aos Brasileiros, que foi lida pelo professor Goffredo Telles Jr. no pátio da Faculdade de Direito da USP, em 1977, serviu de inspiração para o manifesto desse ano

Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito, entidade que vem advertindo para o risco de golpe por parte de Bolsonaro. Na sua avaliação, a democracia está em risco porque as instituições se deixaram levar pela

trama que resultou no golpe de 2016 e na criminalização da política. “Resultou no governo Bolsonaro, que declarou que não aceitará o resultado das urnas caso seja derrotado por elas, o que todas as pesquisas indicam que acontecerá”.

AVA NÇOS E RE TROCE S SOS

Ela ressalta que democracia é uma forma de fazer política em constante disputa, recordando a afirmação da filósofa Marilena Chaui. “Hoje, apesar dos avanços alcançados desde os anos 1980, que implicaram na afirmação da democracia como sistema de governo do Estado brasileiro, a democracia ganha novas ameaças. As disputas eleitorais têm demonstrado isso”, afirma. O sociólogo nota que a ascensão da extrema direita no Brasil é calcada em um processo político de rejeição à democracia e à política construído pelas elites do país para impedir avanços sociais. “É uma luta para tirar os trabalhadores do centro da política e permitir que, em nome do bom governo, se mantenham as regras de responsabilidade fiscal, sonegação, isenções fiscais, superávit primário para pagar a dívida, ao invés de investir em saúde ou de diminuir a jornada de trabalho e aumentar a massa de salários”, exemplifica. Ele defende que a democracia brasileira avance de um sistema que permite a igualdade formal e o voto para ser uma economia e um regime político que garantam a igualdade. Para Marilene, o caminho é a participação popular, “em especial daqueles que historicamente têm sido excluídos dos processos de afirmação da vida em suas múltiplas dimensões”.


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Cultura

Dicas de filmes sobre política

JANGO (1984) - de Silvio Tendler: O documentário retrata toda a história de Jango, desde a sua formação até a entrada na política, o golpe e o exílio no Uruguai. Década de 1960, Guerra Fria. No Brasil, João Belchior Marques Goulart, mais conhecido como "Jango", um líder de esquerda e então presidente do país, se encontra em uma crise com ambos os lados da política e sofre um golpe militar que resultaria em uma ditadura de três décadas. Importantes intelectuais e personalidades que participaram dessa fase concedem entrevistas para o documentário que retrata um dos mais marcantes momentos políticos do Brasil.

O DIA QUE DUROU 21 ANOS (2012) - de Camilo Tavares: Documentário sobre a influência norte-americana no golpe militar, com a grande pressão exercida pelo governo dos Estados Unidos para a retirada de Jango do poder.

NO (2012) - de Pablo Larraín: Chile, 1988. Pressionado pela comunidade internacional, o ditador Augusto Pinochet aceita realizar um plebiscito nacional para definir sua continuidade ou não no poder. Acreditando que esta seja uma oportunidade única de pôr fim à

ditadura, os líderes do governo resolvem contratar René Saavedra para coordenar a campanha contra a manutenção de Pinochet. Com poucos recursos e sob a constante observação dos agentes do governo, Saavedra consegue criar uma campanha consistente que ajuda o país a se ver livre da opressão governamental.

UMA NOITE DE 12 ANOS (2018) - de Alvaro Brechner: O filme é baseado no livro “Memorias del calabozo”, que narra a história de três dirigentes tupamaros, dentre os nove classificados como “reféns” pela ditadura militar uruguaia. O longa se baseia em fatos para reviver a trajetória de superação de Pepe Mujica, Mauricio Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro, três

homens que resistiram à prisão durante a ditadura militar uruguaia, que durou de 1973 a 1985.

TORRE DAS DONZELAS (2018) - de Susanna Lira: A diretora definiu seu filme como um apelo à resistência. Torre das Donzelas debate e denuncia as experiências cruéis e brutais a que as mulheres prisioneiras foram sujeitas durante o período da Ditadura Militar brasileira (1964-1985), através dos relatos de diversas mulheres perseguidas e presas e das quais se destaca a ex-presidenta brasileira Dilma Rousseff.

BACURAU (2019) - de Kléber Mendonça Filho: A história conta sobre uma comunidade ameaçada no interior do sertão nordestino e que sofre com falta de água e de políticas públicas. Curiosamente, um dia essa cidade desaparece do mapa e seus habitantes ficam sem sinal de internet. o filme é bastante fiel à realidade nacional, contando inclusive com a população local em seu elenco, o que foi essencial para retratar um

Brasil cheio de desigualdades, mas sobretudo de resistência popular.

PRIVACIDADE HACKEADA (2019) - de Karim Amer e Jehane Noujaim: Se você não viu, deve ver. O documentário mostra em detalhes o escândalo das empresas de consultoria Cambridge Analytica e Facebook acusadas de hackearem informações pessoais de 240 milhões de pessoas para criar perfis políticos e influenciar as eleições americanas de 2016. Esse escândalo levantou a discussão mundial em torno da ação das grandes empresas como Google, Facebook, Instagram, etc., gigantes das redes sociais, que coletam e vendem, sem autorização, as informações digitais das pessoas. O filme veio à tona pela primeira vez durante o Festival de Cinema de Sundance e foi divulgado no início da campanha presidencial dos EUA de 2020. Ele fornece uma noção sobre o novo mundo em que vivemos ao abordar o escândalo sob o ponto de vista de várias personagens, como Brittany Kaiser, ex-diretora de desenvolvimento de negócios da Cambridge Analytica, responsável por delatar tudo o que estava sendo feito pela empresa.

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Participação

As vozes de quem faz política muito além do voto

“Sentido para vida”, “Combater o racismo”, “Organizar a luta” são algumas das razões destes militantes para estarem na linha de frente ▶ O que é fazer política? Fizemos esta pergunta para gaúchos e gaúchas do campo e da cidade que fazem da política o seu cotidiano. Não é política partidária, embora também essa seja digna. Fazem política na associação, no movimento, no sindicato, no grupo, na cozinha solidária, no coletivo enfim. O objetivo de todos? As respostas são diversas. “Dar sentido à própria existência”, “Não estar alheio ao coletivo”, “Dar o pão para os filhos”, “Sairmos desse caos”, “Combater o racismo e o machismo”, “Decidir sobre o orçamento público”, “Contribuir para a democracia” são algumas delas. Talvez todos os propósitos possam ser sintetizados em uma frase: Buscar uma vida e uma sociedade melhor.

Me jogo todos os dias nas lutas sociais organizando jovens e mulheres para lutarem por uma sociedade melhor. Vendo a fome de perto, os desempregados, não consigo me calar. Procuro chamar a atenção da sociedade para sairmos desse caos." K ARINA RODRIGUES, MOVIMENTO NACIONAL DE LUTA PELA MORADIA/RS

Os sindicatos são instrumentos fundamentais na luta pela democracia e defesa dos direitos dos trabalhadores. É muito importante participar politicamente da vida do país a partir dessas entidades. Assim se amplia a luta, a consciência de classe e consequentemente, a qualidade de vida das pessoas." ENIO SANTOS, FEDERAÇÃO DOS METALÚRGICOS/RS

Nossa vida é feita de ações políticas que se dão no dia a dia, mas para além disto, se engajar em causas sociais, coletivas é ser protagonista de um projeto de vida. Para mim, fazer política é dar sentido a própria existência." CÉLIO GOLIN, GRUPO NUANCES

O MAB nos traz uma clareza sobre o quanto somos lesados com relação ao preço alto da energia, dos combustíveis... Nos dá ferramentas para argumentar e buscar justiça. Estou no movimento porque ele me representa e me faz entender qual o meu papel na sociedade.” ISABEL KLEIN, MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS (MAB)

Participar da vida política é decidir o futuro. E não falo só do voto na eleição. Debater um projeto de sociedade e os problemas do bairro com vizinhos e amigos. Saber lidar com as diferenças, refletir, investigar e dialogar. Não deixar para outros as decisões e ações que estão ao nosso alcance." DIEGO GONÇALVES, ASSISTENTE SOCIAL E MILITANTE

O conceito de política está deturpado por conta de atos individuais. A participação não deveria passar somente pelo dever de votar. Exercer a cidadania é engajar-se nas pequenas práticas diárias. Ocupar os espaços coletivos, os fóruns de discussão ou participar da associação do bairro.” MELISSA BARGMANN, COORDENADORA DA AÇÃO DA CIDADANIA/RS

A importância da comunidade e do povo estarem envolvidos nesses atos sociais é de conhecer os nossos direitos. Como o direito à moradia, ao trabalho e salário digno, transporte público de qualidade, acesso à saúde. E sabendo que, ao acordar, teremos o pão para os nossos filhos." DENISE CUNHA, COZINHA COMUNITÁRIA DA LOMBA DO PINHEIRO

Buscar esta construção é exercer o seu direito em um Estado Democrático de Direito que precisa promover igualdade de oportunidades para todes. E na defesa de direitos básicos como saúde, educação e outros. Nosso papel é contribuir para que a participação política seja comum a todes e que os resultados sejam coletivos." EDUARDO TAMBORERO, GRUPO DE RAP PRECONCEITO ZERO

Política é decisão sobre questões da tua vida. Por exemplo, se o governo vai investir em armas ou livros, em bancos ou em saúde e educação. O voto é importante, mas também que você participe das decisões sobre o que fazer com o dinheiro dos impostos. O mecanismo pra isso é a participação popular. Para isso precisamos estar organizados, daí a importância dos movimentos populares, associações e coletivos.” GUILHERME GONZAGA, PROFESSOR DA UNIPAMPA, CAMPUS DOM PEDRITO

Política vai além do voto consciente. É consciência de classe. É necessário o entendimento sobre a desigualdade. Mas também dar continuidade à luta iniciada por nossa ancestralidade por políticas públicas eficazes. Para ocuparmos espaços de poder, onde possamos construir uma real democracia, sem desigualdade étnico-racial, de gênero e social. A política é construída diariamente. Por uma democracia sem racismo e machismo!” LETÍCIA NASCIMENTO, COORDENADORA DO COLETIVO MÃES DA PERIFERIA


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