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POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
Migrações internacionais e refúgio
sob a ótica do governo Bolsonaro,
por Julia Bertino Moreira
As migrações internacionais vêm se intensi cando,
diversi cando e ganhando cada vez maior complexidade nas
relações internacionais contemporâneas. É de se ressaltar o
aumento nos movimentos migratórios que se dão no eixo
Sul-Sul, não apenas em relação àqueles tidos como forçados
– que envolvem refugiados, solicitantes de refúgio, apátridas
e deslocados internos, entre outras categorias migratórias –
como também em relação aos considerados voluntários,
segundo os quais pessoas se movem a m de aprimorar
suas condições de vida e encontrar melhores oportunidades
de trabalho. Dado do relatório da Organização Internacional
das Migrações (OIM) – organismo vinculado às Nações
Unidas – já apontava em 2015 que as migrações Sul-Sul
representavam 37% do estoque de migração internacional,
superando então as migrações Sul-Norte (OIM, 2015). Por
sua vez, o relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados (ACNUR) deste ano reiterou um dado já
conhecido dos relatórios anteriores: de que 80% dos
deslocamentos forçados tanto se originam do como se
destinam ao Sul Global (ACNUR, 2019).
Como o Brasil vem se colocando em relação às migrações
Sul-Sul? Pesquisadores salientam que o país passou a se
tornar um novo destino na rota das migrações
internacionais nos últimos anos (BAENINGER, 2017;
BAENINGER et al, 2018). Isso porque, diante do fenômeno
descrito por Pietro Basso (apud Baeninger, 2017) como
“periféricos na periferia”, o Brasil poderia ser visto ainda no
governo Dilma Rousse
(2010-2016) como centro da
periferia do sistema internacional. Nesta chave devem ser
considerados movimentos migratórios de haitianos e
haitianas, sírios e sírias – ambos países com os quais o Brasil
não faz fronteiras – e, mais recentemente, venezuelanos e
venezuelanas rumo ao nosso país.
Governo Bolsonaro: política externa, segurança
e refúgio
Com o novo governo empossado em janeiro deste ano,
mudanças foram percebidas não apenas no âmbito
doméstico, como também na política externa. O mesmo
pode se notar acerca da política migratória e de refúgio que
vinha se desenhando no país nas últimas décadas. Isso
porque, desde ao menos os anos 1990, o Brasil vinha
assumindo uma postura assertiva nos fóruns e instâncias
internacionais em temáticas correlatas a direitos humanos,
inclusive rmando compromissos com Convenções e outros
instrumentos jurídicos de alcance global e regional.
Contrariamente a este posicionamento, o atual presidente,
que já havia a rmado tempos antes de ser eleito, serem os
refugiados a “escória do mundo” (EXAME, 2015), teve como
uma das primeiras medidas nesta seara após iniciar seu
mandato se retirar do Pacto Global de Migrações da ONU,
seguindo outros países do Norte Global com claro discurso
xenofóbico – a exemplo dos EUA – e indicando afastamento
de instâncias multilaterais para debater a questão (FOLHA
DE S. PAULO, 2019).
Merece destaque igualmente a decisão do Comitê Nacional
para Refugiados (CONARE), presidido pelo agora rebatizado
Ministério da Justiça e Segurança Pública e vice-presidido
pelo Ministério das Relações Exteriores, de declarar a
cessação da condição de refugiado a três paraguaios
(AGÊNCIA BRASIL, 2019). O CONARE se trata de um órgão
colegiado de composição inter-ministerial com assento da
sociedade civil – representada pela Cáritas Arquidiocesana e
pelo Instituto de Migrações e Direitos Humanos – e direito a
voz ao ACNUR. Instituído pela lei brasileira de refúgio em
1997, o comitê passou a operar no ano seguinte e é
responsável pelo processo de reconhecimento do estatuto
de refugiado, bem como por declarar a perda e cessação
dessa condição, além de orientar e coordenar ações voltadas
à proteção, assistência e apoio jurídico aos refugiados
(BRASIL, 1997). Em decisão senão inédita ao menos atípica,
que contou com abstenção da sociedade civil, o CONARE
deliberou que cessaria o reconhecimento do estatuto
apenas a três indivíduos, quando usualmente se atribuía a
cessação por nacionalidade e, portanto, a grupos maiores
(como exemplos, podem-se citar angolanos e liberianos).
Na prática, é possível depreender que a decisão colegiada
deixou de dar proteção por meio do instituto de refúgio a
perseguidos políticos em seu país de origem, gerando
insegurança a outras pessoas reconhecidas como refugiadas
ou que se dirigem ao país em busca de proteção. É válido
trazer como paralelo a este caso o de Cesare Battisti, que, tal
qual os paraguaios, havia sido reconhecido como refugiado
durante o governo Lula (2003-2010). Embora a sua
extradição já tivesse sido determinada pelo governo Temer e
tenha se dado a partir da Bolívia, o caso rendeu
aproximação com o ministro do interior italiano Salvini (EL
PAÍS, 2019). Assim, o governo Bolsonaro busca se discernir
dos governos petistas, com os quais se confronta política e
ideologicamente e, ao mesmo tempo, fortalecer alianças
com países alinhados ao conservadorismo, ao espectro mais
radical à direita e ao discurso anti-imigrantes.
Outra medida questionável foi a portaria de número
cabalístico 666, a qual previu o impedimento de ingresso, a
repatriação e a deportação sumária de “pessoa perigosa” à
nação (BRASIL, 2019), numa clara retomada dos preceitos
que regiam a política migratória brasileira durante o regime
militar, a partir de um viés securitário, tratando o imigrante
como nocivo, potencial perigo e inimigo da pátria. Não
apenas
esta
portaria
desrespeitou
dispositivos
constitucionais – dentre eles, a concessão de asilo e a
prevalência dos direitos humanos são princípios pelos quais
se rege o Brasil nas relações internacionais –, como colocou
em xeque o acesso ao estatuto de refugiado, uma vez que
pessoas
poderiam
ser
impedidas
de
ingressar
territorialmente no país para pedir refúgio. Da mesma
forma, a repatriação e a deportação sumária poderiam por
em risco as vidas, liberdade e segurança dessas pessoas que
fogem de seus países em busca de proteção.
Em contrapartida a tais medidas, o CONARE decidiu
reconhecer como refugiadas pessoas que migram da
Venezuela, atestando a situação do país como “grave e
generalizada violação de direitos humanos”, uma das
possibilidades previstas pela lei brasileira de refúgio
(CONARE, 2019). A mudança de rumos em relação ao caso
dos venezuelanos e venezuelanas, que até então eram
categorizados como migrantes fronteiriços a partir de
resolução especí ca, só pode ser explicada à luz do caráter
ideológico da política externa do governo Bolsonaro.
Classi car tais migrantes como refugiados e refugiadas
implica denunciar o país de origem – ou seja, a Venezuela –
como Estado que não respeita os direitos mais básicos de
sua população e, portanto, não se constitui como
democrático. Nesse sentido, mobilizou-se o refúgio como
parte da estratégia do posicionamento político perante a
comunidade internacional em relação ao país vizinho.
Considerações nais
Pode-se concluir que decisões como a cessação do refúgio
aos paraguaios, assim como a de oferecer cooperação em
relação ao caso Battisti seguem a lógica das relações
bilaterais a partir da pressão dos países de origem dos
refugiados. Em ambos os casos, o governo adotou
discursivamente a retórica de que o refúgio consistiria numa
salvaguarda a criminosos comuns, contrariando o
entendimento de que os refugiados eram perseguidos
políticos. De outro lado, valer-se do refúgio para o caso dos
venezuelanos e venezuelanas que chegam ao Brasil é um
mecanismo voltado a rotular a Venezuela como país violador
de direitos humanos, a designar a existência de uma crise
humanitária e a atribuir sua causa ao governo venezuelano.
Muito já se escreveu sobre a utilização do refúgio como
instrumento de política externa, sobretudo ao longo da
Guerra Fria, a depender das relações com os países de onde
provêm os refugiados (TEITELBAUM, 1984; LOESCHER, 1996).
Ao que tudo indica, o governo atual deve operar cada vez
mais nessa linha, além de reforçar a perspectiva securitária
frente a migrantes, caminhando na contramão do
paradigma de direitos humanos, a despeito da insegurança
provocada a pessoas que se movem enfrentando as maiores
adversidades em busca de resguardar sua própria
sobrevivência.
Referências Bibliográ cas
ACNUR. Global Trends: forced displacement in 2018. 2019.
Disponível
em:
https://www.unhcr.org/5d08d7ee7.pdf
(https://www.unhcr.org/5d08d7ee7.pdf)
AGÊNCIA BRASIL. Ministério revoga refúgio de paraguaios
acusados de extorsão. 23 jul. 2019. Disponível em:
http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-
07/ministerio-revoga-refugio-de-paraguaios-acusados-deextorsao
(http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/201907/ministerio-revoga-refugio-de-paraguaios-acusados-de-extorsao)
BAENINGER, R. Migrações transnacionais de refúgio no
Brasil. In: LUSSI, C. (Org.) Migrações internacionais:
abordagens de direitos humanos. Brasília, CSEM: 2017. P. 1330.
BAENINGER, R. et al. Migrações Sul-Sul. Campinas: NEPO,
2018.
BRASIL. Lei n. 9.474 de 22 de julho de 1997. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9474.htm
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9474.htm)
BRASIL. Portaria 666 de 25 de julho de 2019. Disponível em:
http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-666-de-25-dejulho-de-2019-207244569
(http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-666-de-25-de-julho-de-2019207244569)
CONARE. Refúgio em Números: 4a edição. 2019. Disponível
em:
https://www.acnur.org/portugues/wpcontent/uploads/2019/07/Refugio-emnu%CC%81meros_versa%CC%83o-23-de-julho-002.pdf
(https://www.acnur.org/portugues/wp-content/uploads/2019/07/Refugioem-nu%CC%81meros_versa%CC%83o-23-de-julho-002.pdf)
EL PAÍS. Battisti, uma página da história da Itália atrás das
grades após quatro décadas. 14 jan. 2019. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/14/internacional/154
7488803_294050.html
(https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/14/internacional/1547488803_2940
50.html)
EXAME. Setembro de 2015: Bolsonaro chama refugiados de
“escória do mundo”. 22 set. 2015. Disponível em:
https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-chamarefugiados-de-escoria-do-mundo/
(https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-chama-refugiados-de-escoriado-mundo/)
FOLHA DE S. PAULO, 2019. Brasil deixa Pacto Global de
Migração da ONU. 8 jan. 2019. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/01/brasil-deixapacto-global-de-migracao-da-onu.shtml
(https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2019/01/brasil-deixa-pacto-globalde-migracao-da-onu.shtml)
LOESCHER, G. Beyond charity: international cooperation and
the global refugee crisis. New York; Oxford: Oxford university
press, 1996.
OIM. Global Migration Trends: facts sheet. 2015. Disponível
em:
https://publications.iom.int/system/ les/global_migration_tr
ends_2015_factsheet.pdf
(https://publications.iom.int/system/ les/global_migration_trends_2015_fact
sheet.pdf)
TEILTELBAUM, M. Immigration, refugees and foreing policy.
International migration review, New York, v. 38, n. 3, p. 429450, 1984.
Sobre a autora
Julia Bertino Moreira é professora da Universidade Federal
do ABC (juliabertinobr@yahoo.com.br)
Como citar este artigo
Cite this article as: Editoria, "Migrações internacionais
e refúgio sob a ótica do governo Bolsonaro, por Julia
Bertino Moreira," in Revista Mundorama, 25/11/2019,
https://mundorama.net/?p=26743.
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