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724 Direito Penal Esquematizado — Parte Especial Victor Eduardo Rios Gonçalves valor e os encaminhe aos cofres públicos, não haverá alteração na capitulação de crime simples. Caso se trate de valores indevidos e ele os desvie, incorrerá na forma qualificada do excesso de exação e, caso sejam valores devidos ao Estado, o desvio constitui peculato. 11.1.13. Corrupção passiva Art. 317, caput — Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena — reclusão, de dois a doze anos, e multa. 11.1.13.1. Objetividade jurídica A moralidade da Administração Pública e seu normal funcionamento. 11.1.13.2. Tipo objetivo O tipo penal elenca três condutas típicas: 1) Solicitar: significa pedir vantagem ao particular. Na solicitação, a conduta inicial é do funcionário público. Ele é quem pede algo ao particular. Se o particular dá o que foi pedido, não comete corrupção ativa por falta de previsão legal, conforme será estudado no art. 333. 2) Receber: entrar na posse. 3) Aceitar promessa: concordar com a proposta. No recebimento ou aceitação de promessa, a conduta inicial é do corruptor (particular). Nesses casos, o funcionário responderá por corrupção passiva e o particular por corrupção ativa. Tais condutas típicas referem-se, necessariamente, a uma vantagem indevida em razão do cargo. Assim, na corrupção passiva, a vantagem deve ser indevida porque tem a finalidade de fazer com que o funcionário público beneficie alguém em seu trabalho por meio de ações ou omissões. Ocorre uma espécie de troca entre a vantagem indevida visada pelo agente público e a ação ou omissão funcional que beneficiará o terceiro. Exs.: receber dinheiro para não multar alguém que cometeu infração de trânsito, para não fechar estabelecimento que não possui alvará, para fornecer habilitação a alguém que não passou no exame (neste exemplo, há concurso material com o crime de falsidade ideológica) etc. Nesse sentido: “Corrupção passiva. Escre­ vente de Cartório criminal que, em razão de suas funções, solicita vantagem indevi­ da para influir no processo por infração do jogo do bicho, acenando com eventual prescrição da ação penal. Crime de corrupção passiva caracterizado” (TJSP — Rel. Humberto da Nova — RJTJSP 16/4343); “Delegado de Polícia que recebe qualquer quantia para colocar em liberdade quem se encontra detido comete o de­ lito de corrupção passiva” (TJMT — Rel. Odair da Cruz Bandeira — RT 522/438). XI Dos Crimes Contra a Administração Pública 725 Na concussão, a vítima entrega a vantagem em razão de uma ameaça, para não sofrer um mal. Ela tem medo em razão da conduta do funcionário público. Na corrupção passiva, o particular visa obter benefícios em troca da vantagem prestada. Normalmente a vantagem indevida tem a finalidade de fazer com que o funcionário público pratique ato ilegal ou deixe de praticar, de forma ilegal ou irregular, ato que deveria praticar de ofício. É possível, todavia, que exista corrupção passiva ainda que a vantagem indevida seja entregue para que o funcionário pratique ato não ilegal. Tal entendimento doutrinário e jurisprudencial reside no fato de que a punição dessa conduta visa resguardar a probidade administrativa, sendo que o funcionário público já recebe seu salário para praticar os atos inerentes ao seu cargo e não pode receber quantias extras para realizar o seu trabalho. Nesses casos, há crime, pois o funcionário público pode acostumar-se e deixar de trabalhar sempre que não lhe oferecerem dinheiro extra. A corrupção passiva, portanto, pode ser: a) própria: quando se pretende que o ato que o funcionário público realize ou deixe de realizar seja ilegal. Ex.: oficial de justiça que recebe dinheiro para não citar alguém; b) imprópria: quando se pretende que o ato que funcionário venha a realizar ou deixar de realizar seja legal. Ex.: oficial de justiça que recebe dinheiro para citar alguém. Essa regra, entretanto, não deve ser interpretada de forma absoluta. A jurisprudência, atenta ao bom-senso, tem entendido que gratificações usuais, de pequena monta, por serviço extraordinário (não se tratando de ato contrário à lei) não podem ser consideradas corrupção passiva. Pelas mesmas razões, as pequenas doações ocasionais, como as costumeiras “Boas Festas” de Natal ou Ano Novo, não configuram o crime. Nesses casos, não há consciência por parte do funcionário público de estar aceitando uma retribuição por algum ato ou omissão. Não há dolo, já que o funcionário está apenas recebendo um presente. A propósito: “Excluem­se da incriminação de corrupção pequenas doações ocasionais, recebidas pelo funcionário, em razão de suas funções. Em tais casos, não há de sua parte consciência de aceitar retribui­ ção por um ato funcional, que é elementar ao dolo no delito, nem haveria vontade de corromper” (TJSP — Rel. Humberto da Nova — RT 389/93). 11.1.13.3. Sujeito ativo Pode ser qualquer funcionário público. Trata-se de crime próprio. Se o crime for cometido por policial militar, estará configurado o crime de corrupção passiva militar, descrito no art. 308 do Código Penal Militar. 11.1.13.4. Sujeito passivo O Estado. Na hipótese de solicitação de vantagem, o particular também é vítima. 11.1.13.5. Consumação Trata-se de crime formal. Consuma-se no momento em que o funcionário solicita, recebe ou aceita a vantagem. Na modalidade solicitar, pouco importa, para fim de consumação, se o funcionário público efetivamente obtém a vantagem visada. 726 Direito Penal Esquematizado — Parte Especial Victor Eduardo Rios Gonçalves Nas modalidades receber ou aceitar promessa de vantagem indevida, também não importa se o funcionário pratica ou não algum ato em face desta. A ação ou omissão, entretanto, não é mero exaurimento do crime, na medida em que o art. 317, § 1º, prevê que a pena será aumentada em um terço se, em consequência da vantagem ou promessa indevida, o funcionário público retarda ou deixa de praticar ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. O que em princípio seria exaurimento funciona como causa de aumento de pena por expressa previsão legal. A corrupção pode ser classificada, nesse contexto, como: a) antecedente: quando a vantagem é entregue ao funcionário público antes da ação ou omissão funcional; b) subsequente: quando a vantagem é entregue depois. 11.1.13.6. Tentativa Entende-se que a tentativa só é possível na modalidade solicitar (e quando feita por escrito). 11.1.13.7. Distinção a) O fiscal que exige ou solicita dinheiro para não cobrar tributo ou contribuição social pratica o crime previsto no art. 3º, II, da Lei n. 8.137/90 (crime contra a ordem tributária). Não há nesse caso concussão ou corrupção passiva, já que, atualmente, existe crime específico para a hipótese. Esse artigo é especial e tem uma pena mínima mais alta (3 a 8 anos de reclusão). b) A testemunha ou perito não oficiais que recebem dinheiro para cometer falso testemunho ou falsa perícia incorrem em crime do art. 342, § 2º, do Código Penal. c) O art. 299 da Lei n. 4.737/65 (Código Eleitoral) prevê crimes idênticos à corrupção passiva e ativa, mas praticados com a intenção de conseguir voto, ainda que o agente não obtenha sucesso. 11.1.13.8. Corrupção privilegiada Nos termos do art. 317, § 2º, se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem, incorre em pena consideravelmente menor — detenção, de três meses a um ano, ou multa. Nesta figura, o funcionário público não visa vantagem indevida. Ele pratica, retarda ou deixa de praticar ato com infração de dever funcional cedendo a pedido ou influência de terceiro. A diferença, portanto, em relação à corrupção passiva comum é que a razão de agir do funcionário público é outra. A corrupção passiva privilegiada é crime material em face da redação do dispositivo. Assim, só se consuma quando o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda o ato de ofício. 11.1.13.9. Ação penal É pública incondicionada. XI 727 Dos Crimes Contra a Administração Pública 11.1.13.10. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA Simples quanto à objetividade jurídica Próprio e de concurso eventual quanto ao sujeito ativo De ação livre e comissivo quanto aos meios de execução Formal e instantâneo quanto ao momento consumativo Doloso quanto ao elemento subjetivo 11.1.14. Facilitação de contrabando ou descaminho Art. 318. Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334): Pena — reclusão, de três a oito anos. 11.1.14.1. Objetividade jurídica A Administração Pública, no sentido de serem coibidos o contrabando e o descaminho. 11.1.14.2. Tipo objetivo Facilitar significa afastar eventuais dificuldades ou empecilhos que possam existir e que se interponham à prática do contrabando ou descaminho. Consiste, pois, em viabilizá-los. A conduta pode ser ativa ou omissiva, sendo necessário que o funcionário público atue (ou deixe de atuar) com infração de dever funcional. É ativa, por exemplo, quando o funcionário indica uma forma de o contrabandista desviar-se da fiscalização. É omissiva quando o funcionário, ciente de que há produto de descaminho em um compartimento, não o inspeciona, liberando as mercadorias. Trata-se, evidentemente, de crime doloso, que pressupõe a específica intenção de facilitar o contrabando ou descaminho. Caso o agente tenha recebido dinheiro ou outra vantagem, responderá por crime de corrupção passiva. O dispositivo em análise consagra outra exceção à teoria unitária ou monista, uma vez que o responsável pelo contrabando ou descaminho responde por crime autônomo, descrito no art. 334 do Código Penal. 11.1.14.3. Sujeito ativo Somente pode ser o funcionário público em cujas atribuições esteja inserida a repressão ao contrabando ou descaminho. Nesse sentido: “O crime do art. 318 do Código Penal tem como pressuposto a infração a dever funcional, somente poden­ do ser praticado pelo funcionário que tem, como atribuição legal, prevenir e re­ primir o contrabando ou descaminho. Assim, não pratica o delito em questão o funcionário estadual, em cujas atribuições não se inclui a repressão ao crime do art. 334 do Código Penal” (TRF — 1ª Região — Rel. Osmar Tognolo — DJU 10.09.1999, p. 278). 728 Direito Penal Esquematizado — Parte Especial Victor Eduardo Rios Gonçalves 11.1.14.4. Sujeito passivo O Estado. 11.1.14.5. Consumação No instante em que o funcionário público presta o auxílio (omissivo ou comissivo) a fim de facilitar o contrabando ou descaminho, ainda que este não se concretize. Trata-se de crime formal. A propósito: “O crime definido no art. 318 do Código Penal consuma­se com a efetiva facilitação por parte do agente, com consciência de estar infringindo o dever funcional, pouco importando que circunstâncias diversas impeçam a consumação do contrabando” (TFR — Rel. Min. Flaquer Scartezzini — DJU 25.10.1984, p. 17.896). 11.1.14.6. Tentativa É possível apenas na modalidade comissiva. 11.1.14.7. Ação penal É pública incondicionada, de competência da Justiça Federal. 11.1.15. Prevaricação Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena — detenção, de três meses a um ano, e multa. 11.1.15.1. Objetividade jurídica A moralidade na Administração Pública. 11.1.15.2. Tipo objetivo Nesse crime, o que faz o funcionário público agir ilicitamente no desempenho de suas funções são razões pessoais, e não a busca por uma vantagem indevida tal como ocorre na corrupção passiva. Na prevaricação, o funcionário, por exemplo, beneficia alguém por ser seu amigo ou parente, ou prejudica uma pessoa por ser seu desafeto ou concorrente etc. De acordo com o texto legal, na prevaricação, o funcionário deve ser motivado por interesse ou sentimento pessoal. O interesse pode ser de qualquer espécie (promoção no cargo, fama), inclusive patrimonial. Ex.: funcionário que determina a execução de uma obra a fim de valorizar terreno de sua propriedade. O sentimento pessoal, por sua vez, diz respeito à afetividade do agente em relação a pessoas ou fatos, como nos exemplos antes citados de amizade ou inimizade. O sentimento pessoal é do funcionário público, mas o beneficiado pode ser terceiro. XI Dos Crimes Contra a Administração Pública 729 Na prática é muito comum constatar que um funcionário agiu ou deixou de agir de forma irregular, porém, não conseguir desvendar o que o levou a atuar de tal maneira, isto é, não conseguir apontar qual sua motivação. Em tal caso, torna-se inviável a condenação por prevaricação, podendo ser o funcionário responsabilizado apenas administrativamente pela ação ou omissão indevidas no desempenho da função. Assim, é absolutamente necessário que o Ministério Público descreva na denúncia por prevaricação qual o interesse ou sentimento pessoal do réu que o levou a agir ilicitamente. Não basta dizer que ele agiu por interesse ou sentimento pessoal, devendo ser esclarecido exatamente em que este consistiu. A propósito: “No crime de prevaricação, inepta a denúncia que não especifica o sentimento pessoal que anima a atitude do autor” (STF — Rel. Décio Miranda — RJT 111/288); “Cuidando­se de crime de prevaricação, é inepta a denúncia que não especifica o interesse ou senti­ mento pessoal que o autor buscou satisfazer, por infringência ao art. 41 do CPP” (STJ — Rel. Costa Leite — RSTJ 7/108); “Não é suficiente que a denúncia, cuidan­ do de delito de prevaricação, afirme, genericamente, que o acusado agiu para a satisfação de interesse pessoal. É preciso que o especifique e consigne, de forma expressa, em que consistiu tal interesse, sob pena de inépcia” (Tacrim-SP — Rel. Camargo Sampaio — RT 578/361). O atraso no serviço por preguiça ou desleixo não constitui, por si só, o crime de prevaricação, podendo configurar infração administrativa. Nesse sentido: “O erro, a simples negligência, apenas poderão determinar a responsabilidade civil ou legi­ timar sanções de outra natureza. Para caracterizar o delito exige­se o propósito deliberado, a intenção direta” (STF — RE 10.351 — Rel. Orozimbo Nonato — 2ª Turma — RF 120/357). Caso, entretanto, fique demonstrado que o funcionário, por preguiça, deixa efetivamente de realizar suas funções, comete o crime, como, por exemplo, o Oficial de Justiça que não vai procurar as testemunhas para serem intimadas para ficar jogando cartas. As condutas típicas são três: a) retardar: atrasar; b) deixar de praticar: omitir por completo; c) praticar: realizar, levar a efeito o ato. Nessas duas primeiras modalidades, basta que a conduta ocorra indevidamente (elemento normativo), enquanto na última exige o tipo penal que o fato se dê contra expresso texto de lei. A conduta pode se referir a qualquer ato de ofício, assim entendido todo aquele que se encontra dentro da esfera de atribuição do agente. 11.1.15.3. Sujeito ativo Qualquer funcionário público. 11.1.15.4. Sujeito passivo O Estado e a pessoa eventualmente prejudicada pela ação ou omissão funcional. 730 Direito Penal Esquematizado — Parte Especial Victor Eduardo Rios Gonçalves 11.1.15.5. Consumação No exato instante em que o funcionário omite, retarda ou pratica o ato de ofício, independentemente de qualquer resultado. 11.1.15.6. Tentativa Possível apenas na modalidade comissiva. 11.1.15.7. Distinção O crime em estudo não se confunde com a corrupção passiva privilegiada, em que o agente age ou deixa de agir cedendo a pedido ou influência de outrem. Na prevaricação não existe este pedido ou influência. O agente toma a iniciativa de agir ou se omitir para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Assim, se um fiscal flagra um desconhecido cometendo irregularidade e deixa de autuá-lo em razão de insistentes pedidos deste, há corrupção passiva privilegiada, mas, se o fiscal deixa de autuar porque percebe que a pessoa é um antigo amigo, configura-se a prevaricação. 11.1.15.8. Ação penal É pública incondicionada, de competência do Juizado Especial Criminal. 11.1.15.9. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA Simples quanto à objetividade jurídica Próprio e de concurso eventual quanto ao sujeito ativo De ação livre e comissivo ou omissivo quanto aos meios de execução Instantâneo quanto ao momento consumativo Doloso quanto ao elemento subjetivo 11.1.15.10. Figura equiparada — omissão do dever de vedar acesso a telefone móvel ou rádio a pessoa presa A Lei n. 11.466/2007 inseriu no art. 319-A uma nova figura criminosa, com a mesma pena da prevaricação, exceto multa, para punir o diretor de penitenciária e/ou agente público que se omite em seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. A necessidade de inserção desse dispositivo no Código Penal deve-se à constatação de que enorme número de presos têm tido acesso a telefones celulares com os quais comandam quadrilhas de dentro das cadeias, cometem crimes (extorsões, estelionatos, extorsões mediante sequestro) e organizam fugas. O crime aqui em análise é próprio e só pode ser cometido por diretor de penitenciária ou agente penitenciário. A conduta típica é exclusivamente omissiva. Caso o funcionário introduza o aparelho no presídio, incorre no crime do art. 349-A do Código. Caso se omita ou introduza o aparelho no presídio em troca de vantagem indevida, responde por corrupção passiva. A consumação se dá com a omissão e a tentativa não é possível.