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Ténis

O fim de João Sousa chegou: o melhor tenista português de sempre vai retirar-se no próximo Estoril Open

Temia-se que fosse isto. Aos 34 anos, João Sousa convocou uma conferência de imprensa, no Jamor, para anunciar o final de carreira. O melhor tenista português de sempre, que foi número 28 do ranking e conquistou quatro títulos ATP, cedeu às “muitas dores” que o corpo lhe dava e a mente sentia. Vai despedir-se dos courts daqui a um mês, no próximo Estoril Open, onde conseguiu a maior conquista da carreira

Diogo Pombo

TIAGO MIRANDA

O boné com a pala virada à retaguarda, sempre para trás, amparou-lhe a queda à terra. Deixou o corpo tombar, inerte por momentos, só as mãos a taparem a cara no típico gesto de incredibilidade humana. Há quase seis anos, a pala branca do que lhe tapava a cabeça era suja com pó de tijolo e a t-shirt dele, encharcada de suor, também a ensopar-se da matéria alaranjada que polvilhava a conquista que o tenista mais ansiava. Quando se ergueu do court, sorridente e já crédulo do fulgor efusivo que conseguira alastrar pela arena, João Sousa tirou o boné, exibiu a marca do bronzeado a dividir-lhe a testa e destapou os longos cabelos. E sorria, finalmente.

Ao final da manhã desta terça-feira, de camisa e à civil, sem rastos do sol na cara, um embargado João Sousa sentou-se diante de família, amigos, patrocinadores e jornalistas na Federação Portuguesa de Ténis, com a terra laranja do court do ‘centralito’ do Jamor à distância de um olhar pela janela. Com discurso ensaiado, nem por isso a sair-lhe mais fácil, deu a confirmação do que a chamada para o evento prenunciara: “Após um período de muita reflexão e consideração, decidi retirar-me do ténis.” Aos 34 anos, o primeiro em tanta coisa, entre elas chegar ao top 50, ao 40 e ao 30 do ranking mundial, a jogar na segunda semana de Grand Slams e em duas edições dos Jogos Olímpicos, confirmava o seu fim.

Disse João Sousa, combalido na feição, que “infelizmente os últimos tempos têm sido difíceis” e com “uma série de lesões” cruéis, são-sempre, que o “têm impedido de jogar ao mais alto nível”. O sangue a ferver na guelra “como [lhe] é característico” fê-lo “lutar contra isso”, mas “o corpo e a mente” cansaram-no e “dado dores diárias”. E o seu final com as raquetes só poderia ser onde o escalou ao seu apogeu - “O Estoril Open será o último torneio da minha carreira.”

Tinha ele 28 anos, em 2018, quando ganhou o Estoril Open não em sua casa, que é Guimarães, mas na ‘casa’ do maior torneio português, conquista que o ilusionava há muito. Era o terceiro título ATP na carreira do fervoroso jogador de coração posto na pega da raquete, se João Sousa agarrava nela então empunharia também a emoção e aquele périplo na terra batida em que superou Daniil Medvedev, Pedro Sousa, Kyle Edmund, Stefanos Tsitsipas e Frances Tiafoe destrinçou amarras. O português libertou-se ao ganhar em Portugal e a nação vibrou com ele, que já era o melhor tenista da história do país e teve o Presidente da República a entrar-lhe balneário dentro quando acabara de sair do banho e tinha a toalha à cintura.

O Estoril sucedeu a Kuala Lumpur (2013) e a Valência (2015) no rol de vitórias de João Sousa, o volátil jogador que barafustava com ele próprio e nunca enjaulou as manifestações de sentimentos às quais os códigos não escritos do ténis impõem a contrição. Vetado à solidão no campo, quem o pratique deve ser um monge budista de auto-controlo e João nunca o foi, nem após o acentuar da veia solitária da modalidade que a pandemia impôs a todos: por essa altura, as lesões apareceram para lhe darem companhia, primeiro o pé e a seguir o pulso e depois as tropelias mentais de saber o nível de ténis que teve e lhe era cada vez mais difícil retornar. Mesmo assim, a Malásia e a Espanha e a Portugal sucedeu a Índia.

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JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa

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JOSÉ SENA GOULÃO/Lusa

O torneio de Pune, em 2022, seria o derradeiro dos seus gritos, o alcunhado como Conquistador a berrar o “espírito de conquista” de que o próprio se gabou na conferência de despedida enquanto ria ao ver o vídeo dos tributos de quem se cruzou com ele - de Gastão Elias a Nuno Borges, de Rui Machado a Juan Carlos Ferrero, acabando no pai Armando, na mãe Adelaide e no irmão Luís, a abrirem um pouco dos seus corações para João Sousa verter um pouco do seu pelos olhos. “Tudo isto não seria possível sem a minha família, como é óbvio. O apoio incondicional deles, o amor, o carinho e tudo o que sacrificaram para eu fazer o que gosto. Foram, sem dúvida, a base do meu sucesso e estou-lhes eternamente grato por isso”, concedeu o tenista.

Foram 220 jogos ganhos e 268 perdidos na história que teve o seu raiar na Guimarães que nunca lhe abandonou o sotaque e o trampolim em Barcelona, para onde viajou em adolescente, sozinho, a ter de estudar enquanto jogava e aprendia os dois idiomas com que haveria de emagrecer a solidão que todo o jovem sentiria a mudar de ares tão cedo. Em adulto conheceria Frederico Marques, treinador experiente nas dores porque antes fora jogador e que “esteve sempre ao lado” de João Sousa com “a sua sabedoria, ambição, dedicação e orientação” em “todos os momentos”. Ambos pródigos nos bonés na cabeça, o mais velho seria “fundamental” a moldá-lo “como tenista e pessoa”.

Entre eles ficará muita história, como a da “borracheira” que escalou aquando da “primeira vez” em que decidiram “beber um copo” numa madrasta semana em que João perdeu “dois jogos seguidos com match points” a favor. Outros terão sido as ocasiões em que “privaram” pessoalmente com Rafael Nadal, os oitavos de final frente ao espanhol no court central de Wimbledon onde “não [teve] hipóteses”; aquela vez na relva de Halle, na Alemanha, em que a bola ressaltou na tela da rede e a malandrice do destino a fez cair no lado de João Sousa, que “ficaria com dois pontos de break” contra Roger Federer (a quem ganhou um set) se a vontade da amarela tivesse sido outra. Estas foram algumas memórias evocadas pelo futuro antigo tenista no seu ato falado de despedida.

O adeus com a raquete será daqui por um mês e uma semana, João Sousa anda a “treinar quase todos os dias” e não sabe ainda se vai afinar a precária forma física em algum torneio prévio o Estoril Open (30 de março a 7 de abril). Disse e repetiu que nunca ligou a números nem a conquistar, confessou que “o João pequeno” que fez as malas para Barcelona “era muito inconsciente”, não poderia imaginar que escalaria à 28.ª posição do ranking, jogaria oito finais ou viveria por dentro 38 Grand Slams. “Quando se trabalha e trabalha bem as coisas acontecem”, ditou, como seu mantra de carreira. “No meio de tudo isto, a minha capacidade de trabalho é a minha maior virtude.”

Depois do ténis ainda não sabe bem o que fará, mas, provavelmente, voltará ao ténis de alguma forma e capacidade. “Embora encerre aqui esta fase da minha vida, o meu compromisso com o ténis e o desenvolvimento desportivo em Portugal permanece inabalável. Permanece o desejo de tentar fazer crescer o ténis em Portugal, é um dos meus maiores desejos”, garantiu, até admitindo que “há várias portas abertas” para quando a cabeça assentar e o merecido descanso tiver sido gozado.

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