www.fgks.org   »   [go: up one dir, main page]

Academia.eduAcademia.edu
Resenha: Iluminismo agora ILUMINISMO AGORA PINKER, S. O novo iluminismo: em defesa da razão, da ciência e do humanismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. 688 p. Gionatan Carlos Pacheco O novo livro de Steven Pinker, O novo iluminismo: em defesa da razão, da ciência e do humanismo, é uma obra de fôlego que transita em diversos assuntos, valendo-se de uma quantidade impressionante de gráficos estatísticos (75, mais precisamente) tanto com a finalidade de traçar um perfil histórico progressista, quanto de argumentar a favor de um otimismo para o futuro. O motor desse progresso seriam as ideias clássicas iluministas conjuntamente a ideias novas que permitem, de certa forma, apontarmos um novo iluminismo. As ideias novas, que Pinker assimila a um iluminismo novo, são o trio “entro, evo, info”. Mais claramente, as noções de entropia, evolução e informação. A segunda lei da termodinâmica, que afirma um conceito de entropia, ou desordem, é um fruto da física do século XIX que atribuímos a Ludwig Boltzmann. A entropia é um conceito que é aplicado para além da física, pois ele ser algo pensado não apenas como próximo da teoria da evolução (evo) e da explicação do surgimento da vida na biologia, psicólogos contemporâneos (Tooby, Cosmides e Barret) dissertaram sobre a ciência da mente em seu artigo de título A segunda lei da termodinâmica é a primeira lei da psicologia: ... (2003). Segundo Pinker, circulava na intelectualidade iluminista do século XVIII um conceito que se aproximava da noção de entropia: o conceito de conatus definido por Spinoza (GOLDSTEIN, 2006). De forma resumida, Spinoza define o conatus como o esforço que cada indivíduo possui para preservar sua ordem interna contra as vicissitudes (ou desordem) do seu exterior. O segundo elemento desse trio, a teoria darwiniana da evolução (datada de 1859), foi, obviamente, uma dinamite para o criacionismo e para uma noção de Deus como o mais habilidoso dos arquitetos. Ainda que vejamos insurgências contra ela, sua aceitação se difundiu amplamente e nunca foi tão aceita quanto atualmente é. O terceiro elemento, a informação, não é só um elemento tecnológico de difusão. O iluminismo foi impulsionado, claro, pela prensa de Gutenberg, e é natural que essa “atualização” do iluminismo se valha da explosão de informação que  Doutorado em Filosofia do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria. Mestrado e Graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Maria. E-mail: gionatan23@gmail.com. Sapere aude – Belo Horizonte, v. 10 – n. 20, p. 845-848, Jul./Dez. 2019 – ISSN: 2177-6342 845 presenciamos em nosso século. Mas, também, hoje sabemos mais sobre como os processos neuronais carregam informação, nossas máquinas estão cada vez mais “inteligentes”, nossas descobertas acerca da constituição do código genético (DNA) e os meios de divulgação científica fazem a ciência progredir coletivamente com uma facilidade nunca antes vista. O contrailuminista mor, segundo Pinker, é encarnado na figura do presidente Trump. Alguém que chama para si o papel de um líder forte, enquanto as instituições parecem fracas; alguém que simplifica com soluções grosseiras as medidas de segurança, enquanto os noticiários apavoram o povo; alguém que defende o resgate dos valores cristãos, enquanto o pessimismo intelectual está na moda. Pinker é claramente um americano democrata de direita. Nesse sentido nosso autor assume um viés acentuado. Por exemplo, ele compara o neoliberalismo de Botsuana e Chile com o comunismo Zimbábue e Venezuela, respectivamente. Sem arroubos ideológicos, nesse sentido também seriam comparáveis o neoliberalismo do Haiti e o do Brasil com o comunismo de Cuba e China, pois eram países, respectivamente, muito semelhantes economicamente antes do boom democrático. Não obstante, Pinker neste livro mostra, com gráficos e tudo, como a democracia está avançando no mundo, e o número de guerras civis diminuído. No sentido da segurança, aO novo iluminismo cumpre também operar uma defesa sobre as reações de outro livro de Pinker Os anjos bons da nossa natureza (2017). Resumidamente, neste livro anterior Pinker defende que a violência está diminuindo, ao contrário do que fazem crer os noticiários que seguem o lema “se tem sangue é notícia”. Para além de análise de fatos, Pinker discorre acerca da relação da violência com a ausência de estado em um judiciário lento, bem como programas de reabilitação de jovens. Sobre o pessimismo filosófico, Pinker faz eco a Arthur Herman, que aponta a presença dos “profetas do apocalipse” na condição de “astros do currículo de ciências humanas” como “Nietzsche, Arthur Schopenhauer, Martin Heidegger, Theodor Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Jean-Paul Sartre, Frantz Fanon, Michel Foucault, Edward Said, Cornel West e um coro de ecopessimistas” (p. 59). Tal pessimismo, nesses três âmbitos, se deveria em parte ao esquecimento das dimensões do progresso humano e do esvaziamento de significado de conceitos centrais como democracia, moral e o próprio progresso. Por outro lado, com uma visão científica - materialista até - do mundo, parece que são frustradas as buscas por razões de viver. Em O novo iluminismo Pinker passa sobre uma diversidade impressionante de assuntos, sempre operando um resgate histórico munido de gráficos e números. Há fatos surpreendentes, que nos farão pôr um pé atrás para com os noticiários. Sobre o terrorismo, por Sapere aude – Belo Horizonte, v. 10 – n. 20, p. 845-848, Jul./Dez. 2019 – ISSN: 2177-6342 846 Resenha: Iluminismo agora exemplo, nos últimos anos morreram mais americanos por queda de raio do que por ataques terroristas; ou ainda, um americano tem 350 vezes mais chances de sofrer um homicídio “normal” do que em um ataque terrorista (figuras do cap. 12). Sobre igualdade de direitos, conhecimento, qualidade de vida, até mesmo felicidade, Pinker fornece números com potencial de deixar qualquer um otimista. Nesse livro há também uma discussão aprofundada acerca de recursos energéticos, emissão de CO², e saídas para impasses climáticos. Nessa discussão há uma crítica aos “verdes” e uma a um ecopragmatismo. Sobre este tópico o resgate histórico é particularmente interessante, pois Pinker mostra que o surgimento e desenvolvimento da agricultura estão relacionados com o surgimento das religiões, na chamada era Axial, na qual houve um “surto de energia”. Para o presente, a defesa de Pinker é sobre a energia nuclear, que seria a mais limpa e que cada vez está se tornando mais segura. Esta também estaria sofrendo um bombardeamento midiático, fazendo os programas regredirem. Enfim, muita coisa mudou desde os iluministas do século XVIII. Fomos da teoria newtoniana à relatividade einsteiniana e mais recentemente aos avanços da física quântica. Surgiram várias disciplinas e áreas de conhecimento, como a computação, a psicologia e a neurociência. Do século XVIII até os nossos dias a “expectativa de vida em todo o mundo aumentou de trinta para 71 anos e, nos países mais afortunados, para 81” (p. 382). Hoje a população mundial tem um índice de alfabetização de 83%; no início do século XIX era 12%. Volta e meia, é claro, damos alguns passo para trás, mas temos o bastante para acreditar que a marcha do rumo do mundo vai para frente. A filosofia tem um papel fundamental, pois por mais que avançamos cientificamente “a ciência nunca será adequada para abordar as grandes questões existenciais da vida, da morte, do amor, da solidão, da perda, da honra, da justiça cósmica e da esperança metafísica” (p. 502). Podemos avançar em, além de estabelecer, difundir uma moral secular. Isso deve ser mais fácil em um mundo no qual a maioria é alfabetizada e não está morrendo de fome; então, segundo Pinker, o mundo está cada vez mais propício a isso. De fato, “a atração das ideias reacionárias é perene, e é preciso fazer sempre a defesa da razão, da ciência, do humanismo e do progresso” (p. 527). REFERÊNCIAS BARRETT, C. H.; COSMIDES, L.; TOOBY, John. The second law of thermodynamics is the first law of psychology: evolutionary developmental psychology and the theory of tandem, Sapere aude – Belo Horizonte, v. 10 – n. 20, p. 845-848, Jul./Dez. 2019 – ISSN: 2177-6342 847 coordinated inheritances: Comment on Lickliter and Honeycutt. Psychological Bulletin, v. 129, n. 6, p. 858-865, 2003. GOLDSTEIN, R. N. Betraying Spinoza: the renegade jew who gave us modernity. Nova York: Nextbook/Schocken, 2006. 320 p. PINKER, S. Anjos bons de nossa natureza. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. 1088 p. Sapere aude – Belo Horizonte, v. 10 – n. 20, p. 845-848, Jul./Dez. 2019 – ISSN: 2177-6342 848