Geraldo Girão Nery e Renato Macari
OS FLUIDOS DE PERFURAÇÃO USADOS NA INDÚSTRIA DA ÁGUA SUBTERRÂNEA E
SUA INFLUÊNCIA SOBRE OS PERFIS GEOFÍSICOS DE PRINCÍPIO ELÉTRICO
Geraldo Girão Nery1 e Renato Macari1
Recebido em 21/06/2004, aceito em 16/02/2005
RESUMO
Os fluidos de perfuração não controlam apenas as condições operacionais de perfuração. Também
influenciam nas leituras dos perfis geofísicos dependentes da propagação do campo elétrico. Nos poços perfurados para
explotação de água, a maioria dos fluidos é confeccionada a partir de materiais bentoníticos e poliméricos. Experiência de um
fabricante deste último produto mostrou diferença significativa na resistividade aparente de camadas permeáveis em dois
poços vizinhos - um perfurado com bentonita e o outro com polímero. Atribuíram tal comportamento apenas ao material
sólido componente do fluido usado.O presente trabalho mostra que tal conclusão não corresponde à realidade. Dados
coletados por seus autores sinalizam que as curvas elétricas convencionais (normais e laterais) são muito mais influenciadas
pela máxima profundidade radial atingida pelo filtrado do fluido de perfuração (invasão) do que pelo tipo de material sólido
nele usado. Fluidos poliméricos formam finos filmes impermeabilizantes nas paredes dos furos e apresentam pequenos
diâmetros de invasão. Por outro lado, os fluidos bentoníticos formam espessos rebocos impermeabilizantes e invadem
profundamente, influenciando de tal sorte as curvas elétricas fazendo com que elas registrem a resistividade da zona
lavada/invadida e não a verdadeira, parâmetro necessário para a quantificação dos sais dissolvidos totais.
Palavras – chave: perfilagem geofísica, curvas elétricas normais, fluido de perfuração
ABSTRACT
Drilling fluids not only control the well and improve drilling operations, they also affect the interpretation
of geophysical well logs which depend on the propagation of electrical field. In water wells, the drilling muds are mostly
made up of argillaceous or polymeric materials. In an experiment, logging two wells ten feet apart, one drilled with a
polymeric mud and the other with a bentonitic mud, a manufacturer of drilling fluids demonstrated that the same permeable
beds showed a significant difference in resistivity, and reached the conclusion that electrical logs are affected by the type of
materials composing the drilling fluid. This paper shows this conclusion to be erroneous. A large number of data gathered by
HYDROLOG clearly shows that resistivity differences between electrical curves are mostly function of the diameter of
invasion and not of the type of material used in the drilling fluid. Polymeric fluids form a thin filmcake associated with a
shallow invasion. On the other hand, bentonitic fluids create a thick mudcake associated with a deep invasion, and the
shallow and deep electrical penetration measurements usually record the same resistivity, that of the flushed/invaded zone.
Keywords: geophysical well logs, electrical curves, drilling fluid
INTRODUÇÃO
Os fluidos de perfuração tiveram suas
tecnologias desenvolvidas e ampliadas à
proporção em que as sondagens rotativas e rotopneumáticas atingiam grandes profundidades e
necessidades de controles paramétricos cada vez
mais rígidos.
No início, eles eram constituídos de águas de
rios, lagoas, mangues etc., com adição de algum
tipo de argila e/ou incorporação de partículas
resultantes do próprio ato de perfurar.
Posteriormente, produtos naturais ou sintéticos
foram acrescentados para que cada novo
problema operacional correspondesse a uma
solução adequada. Todavia, nem todos os
produtos utilizados pela indústria do petróleo são
adequados à indústria da água, dada a
possibilidade de ocorrência de subprodutos
decomposicionais que possam contaminar os
aqüíferos secionados e/ou o meio ambiente.
Contudo, não se deve imaginar que tais
fluidos sirvam apenas como um meio para
atingir-se, com rapidez e eficiência, a
profundidade final do furo. Deve-se levar,
também, em consideração, que dentre as suas
1
mais diversas propriedades algumas delas
interessam mais de perto à avaliação
exploratória de um poço, principalmente no que
diz respeito aos perfis geofísicos de princípios
físicos dependentes da propagação do campo
elétrico (perfis elétricos convencionais tais como,
normal curta, longa e lateral, respectivamente,
RSN ou R16, RLN ou R64 e RLAT ou R18’8”,
onde o R inicial sinaliza o tipo de sistema usado
na medição). A necessidade de um contato
galvânico entre os eletrodos dos perfis citados, é
suprida pela presença dos sólidos coloidais
orgânicos e inorgânicos (argilas, polímeros) e
eletrólitos, provenientes de sais presentes na água
de preparação e/ou introduzidos e incorporados
aos fluidos por contaminações durante as
sondagens.
A avaliação exploratória de um poço é
iniciada com a primeira amostra de calha
coletada e finalizada com os testes de produção,
após uma série de procedimentos intermediários,
tais como a perfilagem geofísica que registra as
características
petrofísicas
tipo
litologia,
resistividade, argilosidade, porosidade, retenção
específica, teor de sais dissolvidos totais etc..
HYDROLOG Serviços de Perfilagens Ltda (hydrolog.ggn@uol.com.br), (hydrolog@uol.com.br)
Águas Subterrâneas, v. 19, n.1, p. 49-60, 2005
49
Os fluidos de perfuração usados na indústria da água subterrânea e sua influência sobre os perfis geofísicos...
Algumas
dessas
propriedades
resultam
diretamente da leitura dos perfis, enquanto que
outras necessitam do suporte laboratorial (macro
e microscópico) das amostras de calha e/ou
testemunhos, no que se convencionou chamar de
correlação rocha x perfil. Além do mais, os perfis
geofísicos também são usados para comparar
padrões de curvas entre poços, visando
mapeamentos de estruturas e/ou extensão areal de
camadas permoporosas.
Portanto, no que se refere aos procedimentos
essenciais para uma perfeita avaliação, de modo a
proporcionar um meio físico realista para as
operações de perfilagens, é essencial que se
mantenha o fluido de perfuração dentro dos
parâmetros estabelecidos para cada projeto
específico, controlando-se: (1) a reologia
necessária para o transporte do material triturado
pela broca até a superfície para análise litológica,
(2) os processos de filtração (visando minimizar a
invasão radial das camadas permeáveis pelos
sólidos e pela fase contínua do fluido) e da
espessura do reboco (visando furos calibrados),
(3) a hidratação de argilas expansivas presentes e,
(4) as pressões de sub-superfície, por meio da
densidade adequada à estabilidade do furo.
MATERIAIS USADOS NOS FLUIDOS DE
PERFURAÇÃO
Os principais produtos usados na perfuração
de poços para água são as argilas esmectíticas
beneficiadas e polímeros naturais ou sintéticos.
Argilas - caracterizam-se pela predominância
de partículas de tamanho menor que 0,004 mm
com proporções diferenciadas de argilominerais e
outros minerais. Por outro lado, os folhelhos,
eventualmente incorporados aos fluidos de
perfuração, são constituídos de pelos menos 60%
de argilominerais (YAALON, 1962).
Os
argilominerais
esmectita
(montmorilonita), atapulgita, ilita e caolinita
podem ser usados em fluidos de perfuração.
Porém, estes três últimos, além da esmectita
policatiônica, não apresentam as mesmas
propriedades
da
esmectita
sódica
(montmorilonita), no aspecto referente à geração
de viscosidade, controle de filtrado e reboco e,
principalmente, em atuar como agente
tixotrópico. Desta forma, a montmorilonita é
beneficiada industrialmente e denominada
bentonita, constituindo-se no principal insumo de
origem mineral utilizado em fluidos de
perfuração para poços de água (PEREIRA,
2001).
Quando secos, os argilominerais apresentam
cargas elétricas nas superfícies de suas micro-
50
placas constituintes, as quais governam suas
atividades
eletroquímicas,
conferindo-lhes
características de atração e repulsão por
moléculas eletricamente não balanceadas ou íons.
Quando em contato com a água as cargas
periféricas adsorvem as moléculas bipolares de
água (hidratam-se) e, principalmente cátions do
meio aquoso, difundem-se em um processo
denominado de troca de cátions, formando um
meio condutor que favorece o contato galvânico
dos eletrodos dos perfis elétricos convencionais
com as camadas adjacentes.
Os fluidos bentoníticos, chamados de alto
teor de sólidos tem forte tendência a flocular
devido à incorporação de sólidos durante a
sondagem, na dependência do pH e na
possibilidade de contaminação por Ca e Mg.
Com teores de sólidos superiores a 5%, em
termos de peso, advindos da incorporação e
contaminações acima de 80 ppm de Ca e Mg, a
floculação pode ocorrer em graus diversos, com a
separação
em
duas
fases,
elevando
substancialmente o processo de filtração e a
espessura do reboco. Durante a floculação o
arranjo das plaquetas de argila toma a forma de
um castelo de cartas, favorecendo a livre
circulação de água. O reboco também é muito
mais permeável (PEREIRA, 2001).
GIRÃO NERY (1989), usando fluidos à base
de bentonita e folhelhos naturais triturados da
formação São Sebastião, demonstrou que seus
efluentes (filtrados) tanto podem reter como
liberar sais, na dependência da concentração da
água usada na confecção dos mesmos. Quanto
mais salina a água do fluido maior a retenção de
sais pelos argilominerais presentes. Quanto mais
diluída, maior a liberação de sais. Esta liberação
ou retenção de sais estaria diretamente
relacionada à filtração osmótica que se estabelece
entre as diferentes concentrações dos macros e
microporos entre as plaquetas dos argilominerais.
O equilíbrio entre a retenção e a liberação indica
o teor da salinidade das águas adsorvidas aos
argilominerais,
parâmetro
exigido
nas
interpretações avançadas dos perfis geofísicos da
indústria do petróleo.
Polímeros - são moléculas alongadas,
constituídas de cadeias de carbonos com
unidades menores (monômeros), idênticas e
repetidas. Podem ter origem natural, natural
modificada ou sintética. Quando naturais, tipo
amido ou celulose, são insolúveis e formam
soluções não iônicas e, portanto, não conduzem a
corrente elétrica. Os polímeros naturais podem
ser
industrialmente
modificados
para
polieletrólitos que se dissolvem em água
Águas Subterrâneas, v. 19, n 1, p. 49-60, 2005
Geraldo Girão Nery e Renato Macari
formando poliíons e íons neutralizados por cargas
opostas.
A
efetividade
dos
polímeros
modificados
depende
de
sua
pureza,
comprimento de sua cadeia (peso molecular),
grau e uniformidade de substituição, a qual deve
expor o maior número de cargas elétricas
possíveis para capturar o máximo de cargas livres
distribuídas no meio em que estão solubilizados.
Estas propriedades também se atribuem aos
polímeros sintéticos, que ainda podem ter peso
molecular e quantidade de cargas dezenas de
vezes maiores que os naturais modificados.
Pelo fato de os polímeros naturais
modificados ou sintéticos possuírem cargas
elétricas periféricas, quando são imersos em água
e solubilizados, formam uma estrutura de rede
microscópica capaz de gerar a característica de
viscosidade e ainda serem condutores elétricos,
isto é, com características similares às argilas. Os
fluidos poliméricos, com teores de sólidos
menores que 5%, inibem o processo de
floculação pela minimização do problema da
circulação de água e do reboco, tal como
observado nos fluidos bentoníticos. Estudos
demonstram que em fluidos aditivados ocorre a
floculação em algumas situações (teor > 5% e pH
> 7,8), mas o estado é de floculado-gel. Neste
estado o fluido não apresenta textura homogênea
e, mesmo assim, a quantidade de água livre é
muito menor (PEREIRA, 2001).
O
MEIO
AMBIENTE
DE
UMA
FERRAMENTA DE PERFILAGEM
Durante a perfuração de um poço tubular o
diferencial de pressão entre o fluido (Pm) e a
formação ou camada (Pf), desde que Pm>Pf, é o
responsável por pressionar o fluido contra a
superfície permoporosa das paredes das camadas
perfuradas. Este diferencial origina um processo
de filtração, denominado de invasão, constando
de duas etapas distintas: (1) a invasão do filtrado
(parte líquida do fluido de perfuração)
juntamente com alguns sólidos, na porção inicial
do envoltório, sendo a fase contínua do fluido a
que mais avança e, (2) a retenção das partículas
sólidas que se depositam na parede do furo
formando um reboco, nos fluidos com bentonita,
ou um filme, nos fluidos com polímero
(PEREIRA, 2001).
Radialmente, a invasão origina várias zonas
fluidas (Figura 1), circunvizinhas ao furo, as
quais devem ser levadas em consideração na
avaliação de todo e qualquer tipo de perfil
geofísico. Na primeira destas zonas, a lavada, o
filtrado invasor predomina devido à expulsão
quase total do fluido pré-existente (empurrado
Águas Subterrâneas, v. 19, n.1, p. 49-60, 2005
para mais internamente da camada), misturado
com o fluido residual adsorvido aos grãos
(retenção específica em hidrogeologia e saturação
de água irredutível no petróleo). Segue-se uma
zona invadida, transitória e de espessura variável,
onde ocorre uma difusão entre o filtrado invasor
e o fluido intersticial original. A última e a mais
profunda, a zona virgem ou verdadeira, encontrase livre da influência do filtrado invasor contendo
somente o fluido original. Sendo o fluido
saturante monofásico (água intersticial), a
resistividades desta zona é convencionada de Ro.
Sendo o fluido saturante trifásico (água, gás e/ou
petróleo), a resistividade desta zona é
convencionada de Rt. Portanto, a zona virgem é a
desejável para a investigação dos perfis de
resistividade.
Denomina-se de diâmetro de invasão (Di) o
diâmetro relativo à máxima penetração do
filtrado em uma camada. O diâmetro de invasão
está relacionado de modo complexo com fatores
intrínsecos às camadas, tais como a
permeabilidade e a porosidade e, extrínsecos,
como o tempo de perfuração (portanto, maior
número de manobras e conseqüentes raspagens
do reboco) e a diferença de pressão entre o fluido
de perfuração e a da camada em si. Experiências
têm demonstrado que o reboco produzido pelas
lamas bentoníticas, ou o filme das lamas
poliméricas diferem entre si no que diz respeito
ao formato, tamanho e capacidade de hidratação
das partículas envolvidas no processo. Os
rebocos das lamas bentoníticas são mais espessos
(da ordem de fração de polegadas) que os filmes
poliméricos. Quanto mais espesso o reboco,
maior a filtração, maior a perda de água para as
camadas, maior o diâmetro de invasão.
Uma propriedade altamente desejável nos fluido
de perfuração é a de impermeabilização das
paredes dos furos (pela deposição do reboco ou
filme) e a menor liberação de filtrado para as
camadas, de modo a evitar uma invasão muito
profunda, o que irá prejudicar não somente a
perfilagem em si, mas também favorecer danos
nas formações permoporosas, prejudicando a
recuperação posterior do fluido a explorar (água
ou hidrocarbonetos).
De acordo com a Lei Experimental de ARCHIE
(1942), a resistividade de uma rocha isenta de
elementos condutivos outros que não a água
intersticial, pode ser determinada por meio da
seguinte relação:
Ro =
a . Rw
φ m
51
Os fluidos de perfuração usados na indústria da água subterrânea e sua influência sobre os perfis geofísicos...
onde, φ é a porosidade, Ro é a resistividade da
zona virgem, totalmente saturada com água
intersticial (i.é, sem nenhuma influência do
filtrado), e Rw é a resistividade da água original
que satura os poros da camada. Os coeficientes a
e m são parâmetros influenciados pela geometria
porosa da rocha. Em outras
resistividade de uma rocha é
proporcional à qualidade (Rw) e
proporcional à quantidade ( φ ) da
em seus poros.
palavras, a
diretamente
inversamente
água contida
Avanço do material fino do fluido de perfuração
Avanço do filtrado do fluido de perfuração
FILME
ou
REBOCO
FOLHELHO SUPERIOR
ZONA
LAVADA+INVADIDA
(Rxo)
Influência do filtrado (Rmf)
ZONA VIRGEM
(Ro)
Influência da água intersticial (Rw)
CPP
RSN
DIR
FOLHELHO INFERIOR
FURO
RAIO DE INVASÃO
(Di / 2)
Figura 1 – Ilustração mostrando a relação entre o Raio de Invasão (Di/2) em uma camada
permoporosa (CPP) e a profundidade radial de investigação das curvas RSN (seta
pontilhada) e DIR (seta tracejada). O contato entre as zonas lavada/invadida (de
resistividade Rxo) e a zona virgem (de resistividade Ro) não é abrupto, conforme a
figura parece demonstrar, mas sim, transicional. Rxo é mais influenciada pela presença
do filtrado (de resistividade = Rmf) enquanto que Ro, pela água intersticial (de
resistividade = Rw). Rxo e Ro serão diferentes sempre que Rmf for diferente de Rw.
Em camadas com invasão nula ou impermeável ou ainda quando Rmf = Rw, Rxo
tenderá a Ro.
Segundo LIMA et al. (2001), o fenômeno da
condução elétrica em um meio granular poroso é
ocasionado, primariamente, pelo transporte de
íons dissolvidos em seus eletrólitos porosos e,
também, pelo deslocamento e difusão dos cátions
adsorvidos nas paredes de seus poros. Em
condições úmidas tais cátions adsorvidos
desenvolvem uma nuvem ou uma dupla camada
nas proximidades das interfaces sólida-líquida.
Quando as águas intersticiais são salinas, a
contribuição devida à dupla camada torna-se
constante. Para tais situações equações semiempíricas foram desenvolvidas e aplicadas com
sucesso WAXMAN; SMITS (1968), CLAVIER
et al. (1984) e LIMA; DALCIN (1995). Nas
condições de aqüíferos com água doce a lei de
ARCHIE (1942) falha em sua aplicação
(ALGER; HARRISON, 1989), necessitando de
52
uma correção em função da resistividade das
argilas (RSH) sobre e sotopostas à camada em
estudo e seu volume (VSH) determinado pela
curva dos Raios Gama.
Como ARCHIE (1942) trabalhou com rochas
sabidamente granulares e isentas de argila, e não
tenha mencionado o tipo de porosidade de suas
amostras (total, efetiva, fissural etc), presume-se
que ela seja referente às águas interporosas
interligadas, no caso a porosidade efetiva (LIMA
et al., 2005).
O COMPORTAMENTO ELÉTRICO DOS
FLUIDOS DE PERFURAÇÃO
A
qualidade
dos
perfis
elétricos
convencionais (RSN, RLN e RLAT) fica bastante
comprometida quando se usa água relativamente
salinizada (condutiva) nos fluidos de perfuração,
Águas Subterrâneas, v. 19, n 1, p. 49-60, 2005
Geraldo Girão Nery e Renato Macari
pela dificuldade natural que a corrente elétrica
terá para penetrar nas camadas mais resistivas.
Logo após a saída do eletrodo emissor, as linhas
de corrente tendem a ficar confinadas dentro da
coluna de fluido, pouco ou nada investigando a
zona lavada/invadida e muito menos a zona
virgem. A qualidade dos referidos perfis também
fica comprometida quando se usa água pouco
salinizada (resistiva) devido a coluna isolante,
que envolve o eletrodo emissor, não permitir a
penetração da corrente nas camadas.
Para uma correta avaliação, usando-se os
perfis elétricos convencionais, o fluido de
perfuração não deve ser nem totalmente isolante
nem condutivo para (1) favorecer o contato
galvânico entre os eletrodos e as camadas, (2)
possibilitar as linhas de corrente sairem
radialmente dos eletrodos sem distorções e, (3)
registrar valores realistas de resistividades.
Deve-se adiantar que ambas as situações
(fluidos diluídos ou concentrados) tornam-se
ainda mais críticas quando os furos têm
diâmetros da ordem de 4 ou mais vezes o
diâmetro dos sensores das ferramentas usadas
(SCHLUMBERGER,1989).
É importante frisar que os perfis de
princípios elétricos puros, ou convencionais,
desde há muito não são usados pela indústria do
petróleo substituídos que foram pelos perfis do
tipo Indução 6FF40. Simplificadamente, este
perfil consta de três pares de bobinas, onde uma
bobina transmissora principal dista 40 polegadas
de uma receptora principal. A transmissora é
ativada por uma corrente alternada de freqüência
constante, emitindo um campo magnético
primário de formato de um toróide (sólido gerado
pela rotação de uma superfície plana fechada em
torno de um eixo que não lhe seja secante), em
direção às camadas circunvizinhas. Por sua vez,
este campo interage com as camadas dando
origem a um campo secundário diretamente
proporcional à condutividade das mesmas. O
Indução registra a força eletromotriz que atua
sobre a bobina receptora, transformando-a em
valores de resistividade.
Os campos magnéticos, quer primário quer
secundário, não são distorsivos como o campo
elétrico, mesmo nas condições adversas de até
30.000 ppm de salinidade do fluido de perfuração
(SCHLUMBERGER, 1989), incomum na
indústria da água. Quanto menos condutivo o
meio que envolve as bobinas (fluido a base de
água doce ou óleo), mais profunda será a
investigação da curva de Indução dentro da zona
virgem, isto é, ela tenderá registrar Ro e não Rxo.
Como na indústria da água o fluido de perfuração
Águas Subterrâneas, v. 19, n.1, p. 49-60, 2005
tem por base as águas superficiais, este deveria
ser o perfil usado para eliminar problemas desta
natureza.
OBJETIVO DO TRABALHO
A necessidade básica da perfilagem geofísica,
para a indústria da água, está na definição das
camadas permoporosas (para tanto são usadas as
curvas de Raios Gama e do Potencial
Espontâneo) e no cálculo da resistividade da água
intersticial das camadas (Rw).
A maior ou menor diferença, visual ou
numérica, que possa ser observada entre duas
curvas resistivas, uma rasa como a RSN e uma
medianamente profunda como a RLN, ou mesmo
uma bem mais profunda como a DIR, não
implica necessariamente em uma maior ou menor
permeabilidade da camada, mas sim em uma
relação complexa entre o diâmetro de invasão e o
poder de penetração de cada uma das referidas
curvas (Figura 1). Assim, um bom fluido de
perfuração, para poder apresentar isenção na
avaliação das camadas, deve ter o seu volume de
filtrado, devida e constantemente controlado.
Caso contrário, os perfis de resistividade estarão
mapeando Rxo e não Ro.
Por analogia, a lei de ARCHIE (1942) pode
ser usada para definir, também, a resistividade da
zona lavada/invadida (Rxo), isto é:
Rxo =
a . Rmf
φ m
Em outras palavras, Rxo é função da
resistividade do filtrado invasor (Rmf) enquanto
que Ro é função da resistividade da água
intersticial (Rw). Por sua vez, Rw depende do
teor de sais dissolvidos totais (SDT), segundo
relações hiperbólicas definidas por GIRÃO
NERY (1996, 2000):
SDT =
b
,
Rw c
onde
Rw =
φ m . Ro
a
Os dados obtidos a partir dos perfis geofísicos,
desde que bem controlados qualitativamente:
resistividade verdadeira da rocha (Ro) e a
porosidade ( φ ), tornam possível o cálculo de
Rw e, por conseqüência, do SDT. Os parâmetros
a e m devem, preferentemente, resultar de
estudos laboratoriais de correlação rocha x
perfil, enquanto que a porosidade ( φ ) deve ser
corrigida pelo efeito da argilosidade, definida
com o uso dos perfis de Raios Gama, Potencial
Espontâneo e outros.
53
Os fluidos de perfuração usados na indústria da água subterrânea e sua influência sobre os perfis geofísicos...
Ora, se uma camada está profundamente
invadida, as resistividades lidas pelas curvas
elétricas convencionais (RSN e RLN) sofrerão
influência maior do filtrado invasor (Rmf) do que
da água intersticial (Rw), expulsa pela invasão;
isto é, elas tenderão a ler Rxo. Portanto, não é
muito aconselhável o uso indiscriminado de tais
curvas nos cálculos quantitativos, uma vez que
sendo distorsivas, na presença de fluidos de
perfuração isolantes e/ou condutivos, a sua
penetração radial de investigação estará
comprometida. Por outro lado, a curva de
indução profunda 6FF40 (DIR - “Deep Induction
Resistivity”), tenderá registrar a Ro, conforme
pode ser observado na figura 1.
STOTT; SMITH (1974), afirmaram que as
curvas elétricas são afetadas pela diferença de
resistividade entre os fluidos do furo e do
aqüífero. Ilustraram (Figura 2) tal afirmativa
usando duas curvas elétricas (que, devido à data
do trabalho e por falta de maiores informações,
acredita-se ser de arranjo normal com uma
separação não convencional de 0,25 pés ou 7,6
cm entre eletrodos), realizadas em dois furos
separados por 10 pés (3 m).
Figura 2 – Curvas de resistividade registradas em dois poços vizinhos, distantes 10 pés,
perfurados com fluidos distintos, mostrando diferenças marcantes defronte a
camadas permeáveis, atribuídas exclusivamente ao tipo de fluido. Adaptado de
STOTT; SMITH (1974)
Observa-se na figura 2, que as curvas de
resistividade registradas na camada de argila
azul, superior e impermeável, entre 36 e 90 pés
de profundidade, apresentam coerente e
igualmente cerca de 60 ohm.pé (a unidade
convencionada em perfilagem é o ohm.m). Na
camada de areia grosseira e cascalho, alaranjada
e intermediária, entre 90 e 120 pés, a
resistividade lida no furo com bentonita (curva
54
cheia) é da ordem de 200 ohm.pé, enquanto que a
do furo com polímero (curva tracejada) registra o
dobro daquele valor. Igual comportamento pode
ser observado na areia média rosa inferior, entre
137 e 190 pés, com 200 e 300 ohm.pé,
respectivamente. Os autores justificaram tais
fatos dizendo que “o uso da bentonita faz com
que a resistividade do fluido de perfuração seja,
usualmente, menor do que a água doce do
Águas Subterrâneas, v. 19, n 1, p. 49-60, 2005
Geraldo Girão Nery e Renato Macari
aqüífero. Por outro lado, fluidos orgânicos
exibem
maiores
resistividades
que
os
bentoníticos”.
O presente trabalho teve como objetivo
verificar se a presença de polímeros nos fluidos
de perfuração poderia ocasionar comportamento
elétrico diferenciado, em relação aos fluidos de
perfuração bentoníticos sabidamente condutores.
Diversos tipos de polímeros estão à
disposição dos perfuradores, quer para a
perfuração de poços para a água, quer para o
petróleo. Para evitar implicações comerciais
usou-se o termo genérico polímero.
METODOLOGIA USADA
As empresas prestadoras de serviço de
perfilagem preenchem um cabeçalho que
identificam cada furo por seus dados de natureza
geográfica, topográfica, da perfuração em si e do
fluido de perfuração. Alguns desses dados têm
utilidade nos cálculos interpretativos, entre eles a
resistividade do filtrado (Rmf) medida à
temperatura ambiente. Ressalve-se que todos os
dados contidos nos cabeçalhos, principalmente
aqueles relacionados às características do fluido
de perfuração (tipo, densidade, viscosidade etc.),
são fornecidos pelos perfuradores ou seus
representantes no canteiro da obra. As
companhias de perfilagem não têm como atestar
ou contestar suas veracidades, restando-lhes
apenas medir a resistividade das amostras
entregues e registrá-las como tal.
Analisou-se neste trabalho, a partir do banco
de dados da HYDROLOG, um total de 355
medidas de Rmf, sendo 162 de amostras
provenientes de fluidos de perfuração ditos como
poliméricos e de 193 ditos bentoníticos. As
amostras dos filtrados foram medidas com um
resistivímetro de fabricação Schlumberger,
modelo EMT, com quatro eletrodos (A-M-N-B),
número de série 1393, com precisão nominal
absoluta de 0,001 Ohm.m e relativa variando
entre 0,5 e 1% no intervalo analisado. Para fins
de comparação, todas resistividades medidas
Águas Subterrâneas, v. 19, n.1, p. 49-60, 2005
foram convertidas para a temperatura padrão de
25 oC.
A figura 3 ilustra graficamente os resultados
das medidas das resistividades dos filtrados e a
tabela 1 um resumo estatístico. Os fluidos
bentoníticos apresentaram valores máximos um
pouco menores que os poliméricos. Demais
resultados mostraram diferenças mínimas sem
afastamentos significativos. As resistividades dos
filtrados gerados por ambos os tipos de fluidos de
perfuração tiveram um comportamento elétrico
similar, independentes do tipo de material
presente e sim da resistividade da água usada na
sua confecção. Como seria de esperar, quanto
mais diluída a água usada, maior o valor de Rmf,
quanto mais concentrada ou salinizada, menor o
Rmf.
CORRELAÇÃO
ENTRE
POÇOS
DISTANTES
Com
base
no
comportamento
das
resistividades das 355 amostras de filtrados,
escolheu-se quatro poços localizados na região
metropolitana de São Paulo, capital, para fins de
constatação dos resultados obtidos. As curvas de
resistividade apresentam razoável a ótima
correlação, enquanto que os Raios Gama foram
prejudicados pela litologia predominante de
diamictitos
e
conglomerados
polimíticos
imaturos, dispersos em matriz lamítica a arenosa.
Localmente, ocorrem corpos arenosos, mal
selecionados, de pequena espessura em meio a
sedimentos sílticos argilosos.
Definiu-se, em cada poço, três intervalos
(superior, médio e inferior) com base no aspecto
das curvas de resistividade. O intervalo médio
destaca-se pela predominância argilosa (ambas as
curvas apresentam baixos valores), enquanto que
os intervalos superior e inferior destacam-se pela
predominância arenosa (altas resistividades). As
figuras 4 e 5 e as tabelas 2 e 3 mostram os poços
estudados identificados por seus respectivos
Rmfs e tipos de fluido de perfuração.
55
Os fluidos de perfuração usados na indústria da água subterrânea e sua influência sobre os perfis geofísicos...
50
Rmf (Ohm.m a 25 °C)
BENTONITA
n = 193
Máximo = 35
Mínimo = 3
Média = 14
Mediana = 13
Desvio = 6
CMC
n = 162
Máximo = 44
Mínimo = 2
Média = 13
Mediana = 13
Desvio = 6
45
40
35
30
25
20
15
10
5
193
187
181
175
169
163
157
151
145
139
133
127
121
115
109
97
103
91
85
79
73
67
61
55
49
43
37
31
25
19
7
13
1
0
Número de medidas realizadas
Figura 3 - Resultados das medidas das resistividades de filtrados (Rmf) em 162 amostras de fluidos
de perfuração, relatados como poliméricos e 193 de fluidos relatados como bentoníticos.
A esquerda da figura situam-se os fluidos condutivos e a direita, os resistivos. Os
valores de Rmf mostram comportamentos similares, independentes do tipo material
presente, mas sim da resistividade da água usada na confecção do fluido de perfuração.
Tabela 1 - Estatística dos resultados das leituras das 355 amostras de filtrados (Rmf) de fluidos de
perfuração (banco de dados da HYDROLOG), mostrados na figura 3. Os valores em
negrito estão expressos em ohm.m a 25 ºC.
ESTATÍSTICA
FLUIDO DE PERFURAÇÃO FLUIDO DE PERFURAÇÃO
COM POLÍMERO
COM BENTONITA
Medidas Realizadas
162
193
Leituras Máximas
44
35
Leituras Mínimas
2
3
Leituras Médias
13
14
Leituras Medianas
13
13
Desvio Padrão
6
6
O poço 2, com polímero, apresenta valores
medianos da DIR consistentemente mais altos
que no poço 1, com bentonita. Pelo fato de os
fluidos com polímero proporcionarem invasões
rasas, a DIR é muito mais influenciada pelo
fluido original do aqüífero e não pelo filtrado
invasor tendendo, portanto, a Ro. Mesmo que
ambas as curvas sofram influência de Ro,
todavia, como a DIR é o produto de uma
ferramenta de princípio elétrico magnético não
distorsivo, ela é numericamente mais confiável
que a elétrica RSN, para uso nos cálculos de
SDT. Por outro lado o poço 1, com bentonita,
56
muito embora tenha um Rmf mais resistivo,
apresenta consistentemente valores de DIR e
RSN menores que no poço 2. Este fato sinaliza a
maior condutividade dada pela bentonita, em
comparação com o polímero, e justifica a
possibilidade da tendência de ambas as curvas
estarem lendo Rxo. Nestes casos, os valores
calculados para SDT serão irreais.
Igual comportamento resistivo pode ser
observado na figura 5 e tabela 3. Chama-se a
atenção para os valores aproximados entre as
resistividades dos filtrados dos poços 3 e 4.
Águas Subterrâneas, v. 19, n 1, p. 49-60, 2005
Geraldo Girão Nery e Renato Macari
Poço 1
Fluido de Perfuração = BENTONITA
Rmf = 13,4 ohm.m a 25 °C
Poço 2
Fluido de Perfuração = POLÍMERO
Rmf = 9 ohm.m a 25 °C
Figura 4 - Poço 1 distante 3 km do poço 2, ambos perfurados com fluidos distintos. As altas
resistividades do poço 2 (à direita), com fluido de perfuração polimérico, resultam de uma
invasão rasa e, portanto, com maior influência da zona virgem (Ro), muito embora seu
Rmf seja mais condutivo. Os valores da DIR e RSN do poço 1 (à esquerda) são
consistentemente inferiores ao do poço 2, demonstrando a maior influência da invasão e
condutividade da bentonita.
Tabela 2 – Estatística das curvas mostradas na figura 4, correspondendo
aos poços 1 e 2
POÇO 1
LAMA BENTONITA
Rmf = 13,4 ohm.m a 25 °C
POÇO 2
LAMA POLÍMERO
Rmf = 9 ohm.m a 25 °C
INTV. SUPERIOR = 20,5 - 56,5 m
INTV. SUPERIOR = 15 – 63 m
DIR
247,26
5,10
30,16
16,46
DIR
1.248,92
81,18
108,21
29,66
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
SN
57,67
6,72
16,65
12,87
INTV. MÉDIO = 56,6 – 71 m
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
DIR
5,90
4,26
4,75
4,71
RSN
10,18
4,06
7,20
7,14
INTV. INFERIOR = 71,1 m - PF
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
DIR
12.458,68
6,17
127,66
15,29
Águas Subterrâneas, v. 19, n.1, p. 49-60, 2005
GR
33,92
5,72
13,96
11,99
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
SN
215,55
10,03
46,07
25,3
INTV. MÉDIO = 63,1 – 94 m
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
DIR
30,7
5,35
17,2
17,84
RSN
215,55
7,63
33,89
15,07
INTV. INFERIOR = 94,1 m - PF
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
DIR
23.110,35
29,51
192,7
45,86
SN
318,48
24,94
60,49
39,68
57
Os fluidos de perfuração usados na indústria da água subterrânea e sua influência sobre os perfis geofísicos...
Poço 3
Fluido de Perfuração = BENTONITA
Rmf = 12,8 ohm.m a 25 °C
Poço 4
Fluido de Perfuração = BENTONITA
Rmf = 15,0 ohm.m a 25 °C
Figura 5 – Poço 3 distante 1,5 km do poço 4, ambos também perfurados com fluidos distintos. As
altas resistividades do poço (4 à direita), com fluido de perfuração polimérico, resultam
de uma invasão rasa e, portanto, com maior influência da zona virgem (Ro), muito
embora ambos Rmf sejam aproximados. Os valores da DIR e RSN do poço 3 são
consistentemente inferiores ao do poço 4, demonstrando a maior influência da invasão
e condutividade da bentonita.
Tabela 3 – Estatística das curvas mostradas na figura 5, correspondendo
aos poços 3 e 4.
POÇO 1
LAMA BENTONITA
Rmf = 13,4 ohm.m a 25 °C
POÇO 2
LAMA POLÍMERO
Rmf = 9 ohm.m a 25 °C
INTV. SUPERIOR = 10 - 58,1 m
INTV. SUPERIOR = 15 – 63 m
DIR
461,48
3,74
55,20
18,44
DIR
10.236,89
4,02
380,89
50,65
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
SN
245,11
4,87
43,00
23,39
INTV. MÉDIO = 58,1 - 110,2 m
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
RSN
9,62
4,87
6,29
6,13
INTV. MÉDIO = 42,4 - 80,2 m
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
DIR
9,86
3,91
5,30
10,82
RSN
14,77
3,91
6,61
6,17
INTV. INFERIOR = 110,3 m - PF
INTV. INFERIOR = 80,3 m - PF
DIR
58,44
4,78
11,04
8,31
DIR
20.336,04
4,48
87,42
10,82
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
58
DIR
7,21
4,10
5,46
5,40
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
SN
332,98
11,28
93,65
44,57
GR
43,00
6,00
10,27
8,24
Máximo
Mínimo
Média
Mediana
SN
32,65
5,52
12,81
9,77
Águas Subterrâneas, v. 19, n 1, p. 49-60, 2005
Geraldo Girão Nery e Renato Macari
Estes exemplos podem ser considerados bem
mais significativos que o de STOTT; SMITH
(1974.), porquanto foram obtidos em poços
distintos, perfurados por empresas também
distintas e separados por distâncias que
inviabilizam a interferência dos filtrados entre
eles. O poço 1 dista 3 km do poço 2 e o poço 3
está a 1,5 km do poço 4.
CONCLUSÃO
analisou
apenas
o
Este
trabalho
comportamento elétrico de um total de 355
fluidos de perfuração sobre as curvas Normal
Curta (RSN ou R16) e a Indução 6FF40 (DIR) e
não o hidráulico ou hidrodinâmico.
Durante a perfuração, o fluido deve ser
freqüentemente
monitorado
em
suas
características filtrantes para que não venha
produzir rebocos (ou filmes) espessos e/ou
grandes diâmetros de invasão. Quanto mais
espesso o reboco, maior a quantidade de filtrado
fornecida para as camadas e, por conseqüência,
maior a espessura radial da zona lavada/invadida.
Ocorrendo grandes invasões, as curvas de
diferentes profundidades de investigação
registrarão valores diferentes, a não ser em
camadas impermeáveis ou quando Rmf = Rw.
Como não foram encontradas evidências, nos
dados analisados, de características elétricas
capazes de modificar sensivelmente o
comportamento dos filtrados, quer dos fluidos
com bentonita, quer com polímeros naturais
modificados e/ou sintéticos, acredita-se que
quaisquer diferenças entre a RSN e a DIR devam
ser creditadas a fatores outros, tais como a
presença de uma maior ou menor invasão radial
do filtrado (Di) e ao princípio físico de medição
(elétrico ou indutivo) dessas curvas.
No entender dos autores, com base nos
resultados obtidos, as diferenças de resistividades
têm origem nas diferenças entre as profundidades
de invasão dos fluidos de perfuração com
bentonita ou polímero. Os fluidos bentoníticos
invadem mais profundamente que os poliméricos,
daí as leituras consistentemente, mais baixas das
resistividades SN e DIR (pela maior influência da
zona lavada/invadida) dos furos perfurados com
bentonita, fatos estes que podem vir a produzir
cálculos incorretos de Rw e SDT.
O ideal, portanto, seria que durante a
perfuração dos poços para água, houvesse um
rigoroso controle da perda de água dos fluidos de
perfuração, visando não somente a estabilização
dos furos e demais propriedades reológicas, mas
principalmente a minimização dos diâmetros de
invasão, dando preferência aos fluidos
poliméricos. Aliado a tal precaução evitar usar,
dadas as situações adversas apontadas, as curvas
elétricas convencionais (RSN, RLN e RLAT) nos
cálculos quantitativos porquanto elas deixam de
representar a realidade, trocando-as por curvas de
caráter eletromagnético (Indução 6FF40), não
distorsivas em fluidos pouco condutivos, como os
são na pesquisa da água subterrânea.
Os perfis geofísicos, na dependência dos
conhecimentos da geologia da área e dos
princípios físicos de cada curva usada, são os
registros mais confiáveis para a identificação dos
potenciais aqüíferos, indicando o correto
posicionamento dos filtros. O custo inicial
aparentemente alto de uma perfilagem geofísica e
o conseqüente prolongamento da vida útil do
poço podem ser traduzidos pelo menor custo final
do metro cúbico da água produzida.
AGRADECIMENTOS
Os autores expressam seus melhores
agradecimentos ao diretor da SYSTEM MUD,
Dr. Eugênio Pereira, pela leitura crítica e
sugestões relativas aos fluidos de perfuração.
REFERÊNCIAS
ALGER, R. P.; HARRISON, C. W. Improved
fresh water assessement in sand aquifers utilizing
geophysical well logs, In: The Log Analyst,
30(1), 31-44, 1989
ARCHIE, G.A. The electrical resistivity log as an
aid
in
determining
some
reservoir
Petroleum
characteristics,
Journal
of
Tecnology, jan, TP 1422, 1942.
CLAVIER, C.; COATES, G.; DUMANOIR, J.
Theoretical and experimental bases for the dual
water model for the interpretation of shaly sands,
In: Soc. Pet. Eng. Jour., 4, pp 153-168, 1984
Águas Subterrâneas, v. 19, n.1, p. 49-60, 2005
GIRÃO NERY, G. Estudo da eficiência na
filtração osmótica da bentonita e folhelhos
triturados da formação Candeias, bacia do
Recôncavo, Bahia, Brasil, 1989, dissertação de
mestrado - UFBA.
GIRÃO NERY, G. Equações hiperbólicas
relacionando Rw com SDT: Determinação da
qualidade da água subterrânea através dos perfis
geofísicos. In. Anais do Cong. Bras. de Água
Subterrâneas, Salvador, 1994.
GIRÃO NERY, G. Perfilagem Geofísica
Aplicada à Água Subterrânea, Capítulo 10, in:
59
Os fluidos de perfuração usados na indústria da água subterrânea e sua influência sobre os perfis geofísicos...
FEITOSA,
F.A.C;
MANOEL
Fo.,
J.
Hidrogeologia, Conceitos e Aplicações, CPRM,
2000
LIMA, O. A. L.; G. G. NERY; CLENNELL, M.
B. Interpretation of resistivity log in fresh-water
aquifers, In: Anais 7th Intern. Cong. SBGf, TS
16, pp 1496-99, 1991.
LIMA, A. O. L.; DALCIN, C. L. R. Application
of a new shaly sand model for interpretating
resistivity and dielectric log measurements. In:
The Log Analyst, 36(2), 29-41, 1995.
LIMA, A. O. L; CLENNELL, M. B.; GIRÁO
NERY, G; NIWAS, S. A volumetric approach for
the resistivity response of fresh water shaly
sandstone. Aprovada para publicação In:
Geophysics, jan 2005.
PEREIRA, E. Fluidos de Perfuração: O Uso de
Inibidores de Argila como Solução dos
Problemas de Sondagem. In: Anais Encontro
Nacional de Perfuradores de Poços, Recife,
2001
60
SCHLUMBERGER. Schlumberger Educational
Services, Log Interpretation Charts e Principles /
Applications, 1989
STOTT, G. A, SMITH, A. L. Organic Polymer
Drilling Fluids,
American Society of
Agricultural Engineers, Winter Meeting, paper
74-2520., 1974
SYSTEMMUD. Química dos Polímeros – Parte
III, divulgação na Internet, com direitos
reservados
da
systemmud.com.br/atualidade_fluido_cia_01.htm
., 2001
WAXMAN. M. H.; SMITS, L. J. M. Electrical
Condutivities in oil-bearing shaly sands. In: Soc.
Pet. Eng. Jour., 243, pp 107-122, 1968
YAALON, D.H. Mineral composition of average
shales. Clay mineralogy Bull., v.5: 31-36, 1962
Águas Subterrâneas, v. 19, n 1, p. 49-60, 2005