Quim. Nova, Vol. 34, No. 9, 1618-1628, 2011
Revisão
SULFETOS VOLATILIZÁVEIS POR ACIDIFICAÇÃO E METAIS EXTRAÍDOS SIMULTANEAMENTE NA
AVALIAÇÃO DE SEDIMENTOS DE ÁGUA DOCE
Enelton Fagnani* e José Roberto Guimarães
Departamento de Saneamento e Ambiente, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de
Campinas, CP 6021, 13083-852 Campinas - SP, Brasil
Antonio Aparecido Mozeto e Pedro Sérgio Fadini
Departamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, CP 676, 13560-970 São Carlos - SP, Brasil
Recebido em 1/9/10; aceito em 16/5/11; publicado na web em 29/6/11
ACID VOLATILE SULFIDES AND SIMULTANEOUSLY EXTRACTED METALS IN THE ASSESSMENT OF FRESHWATER
SEDIMENTS. This paper discusses the historical and methodological fundaments of the dynamics and quantification of acid volatile
sulfides (AVS) and simultaneously extracted metals (SEM) in aquatic sediments. It also discusses the SEM/AVS relationship, which
involves several controversial aspects such as sulfide stability, sulfide-organic matter interaction, and the inability to predict the
toxicity of organic compounds in the environment. This relationship is an important tool for the inference of metal bioavailability.
The use of ecotoxicological tests with target organisms regulated by international standards is also a relevant aspect.
Keywords: acid volatile sulfides; simultaneously extracted metals; freshwater sediments.
INTRODUÇÃO
Com o avanço da ciência e da industrialização, houve uma alteração muito grande no fluxo de elementos químicos entre os principais
compartimentos naturais: hidrosfera, atmosfera, litosfera, biosfera e
a antroposfera.1 A indústria da transformação, a construção civil, a
demanda energética, a consequente extração de recursos minerais e a
intensificação da produção de alimentos são exemplos de atividades
que causam grandes impactos ao ambiente, caracterizando a influência
antropogênica no planeta. Os ciclos biogeoquímicos de muitos metais
ainda não foram amplamente elucidados, carecendo de pesquisas no
sentido de explicar quais as implicações em se perturbar um compartimento ocasionando mobilizações e transporte de espécies químicas
antes naturalmente armazenadas de forma estável, com consequentes
modificações nos tempos de residência e alterações nos padrões de
interações de tais metais com a biosfera.
Neste sentido, estudos de especiação aliados a testes de toxicidade
revelam que a quantificação da concentração total de metais existentes em determinado meio não é o melhor indicador de potencial
tóxico, já que o fator biodisponibilidade não pode ser estimado por
esta variável. Podem ocorrer situações em que um compartimento
natural apresente altos teores totais de determinado metal, mas todo
ele esteja indisponível para ser incorporado à biota, enquanto que,
em outras situações, concentrações mais baixas do mesmo metal são
mais deletérias aos seres vivos, dada a sua facilidade de se incorporar
aos tecidos, causando intoxicações e podendo levar a sérias injúrias.2-5
CARACTERÍSTICAS E IMPORTÂNCIA DOS
SEDIMENTOS
Dentre todos os compartimentos naturais, os sedimentos dos corpos aquáticos se destacam pela sua complexidade e pela capacidade
de concentrar e armazenar substâncias potencialmente tóxicas, sendo
*e-mail: enelton@fec.unicamp.br
que mesmo após o encerramento das atividades-fonte de determinado processo impactante, e mesmo que a água atenda aos padrões
de qualidade, os sedimentos ainda podem se manter contaminados,
promovendo processos de bioacumulação por muito tempo.6
Segundo a rede mundial de sedimentos, SedNet, o sedimento é
uma parte essencial, integral e dinâmica das bacias de rios, estuários
e águas costeiras. Muitos sedimentos são derivados do intemperismo
e erosão de minerais e solos e contêm também material orgânico. Os
sedimentos tendem a ser transportados, sendo que em algumas áreas
onde a velocidade do escoamento da água diminui, ocorre a formação
de depósitos. Esta sedimentação também ocorre nas áreas alagáveis,
nos reservatórios e nos lagos. No caso da foz de rios, há ainda o depósito de material em regiões estuarinas e no leito oceânico. Apresentam
ainda um valor ecológico, pois abrigam diferentes formas de vida,
suprindo-as com nutrientes e fazendo o mesmo, indiretamente, com
toda a cadeia alimentar.7
Os sedimentos podem ser formados por carbonatos, hidróxidos,
silicatos, sulfetos, fosfatos e material orgânico, em diferentes estágios
de cristalização, estequiometria ou hidratação. Adicionalmente, os
metais aparecem geralmente na forma solúvel e, quando insolúveis,
na forma de óxidos, adsorbatos ou imobilizados em matéria orgânica.8
Além da matéria orgânica dissolvida ou particulada, os óxihidróxidos de ferro (Fe) e de manganês (Mn), os carbonatos e os
sulfetos são as principais fases ligantes de metais nos sedimentos,
além da fração particulada mais fina, capaz de realizar adsorção.9
Em ambientes anaeróbios, os sulfetos praticamente governam a especiação, biodisponibilidade e toxicidade dos metais. Desse modo,
mesmo em ambientes muito impactados por efluentes domésticos e
industriais, não será verificada uma toxicidade relativa a metais, se
a concentração de sulfetos for bastante elevada.10-12
A formação dos sulfetos se dá em ambientes anaeróbios, pela ação
de bactérias redutoras de sulfato (BRS), na presença de substâncias
orgânicas, sejam elas de origem natural ou antropogênica. Esses
micro-organismos têm a capacidade de mediar a transferência de
elétrons entre os doadores (matéria orgânica) e os receptores (sulfa-
Vol. 34, No. 9
Sulfetos volatilizáveis por acidificação
tos), oxidando os primeiros e reduzindo quimicamente os últimos.13
Pode-se dizer que é na diagênese anaeróbia da matéria orgânica,
acompanhada da redução do sulfato, que se formam os sulfetos de
ferro.14 O resultado desse processo é a mineralização parcial ou total
do carbono e a sulfidização dos sedimentos, formando predominantemente os sulfetos de ferro e manganês, dada a abundância natural
destes dois metais.15-17
Existe uma região ótima de formação dos sulfetos nos sedimentos,
que é intermediária entre a interface sedimento-água e as porções mais
profundas. Geralmente na superfície, verifica-se a presença de O2,
NO3-, Mn (IV) e Fe (III), que funcionam como receptores de elétrons
em detrimento ao SO42-, com consequente minimização da produção
de sulfeto. Em grandes profundidades, existe uma limitação em
função da restrição na difusão dos íons SO42-, o que implica em uma
menor disponibilidade deste substrato para a produção de sulfeto.17
Em ambientes fortemente influenciados por atividades antrópicas,
como reservatórios de água de regiões metropolitanas, podem ser observados comportamentos bastante peculiares, como a ocorrência de
concentrações consideráveis de sulfetos em porções sub-superficiais
do sedimento (2-4 cm), seguida de regiões pobres em sulfetos e uma
nova ocorrência dos sulfetos em porções mais profundas de tais
sedimentos (11-16 cm).18 Tal comportamento redox, nestes sedimentos impactados, pode ser atribuído às atividades bentônicas, que
criam dutos nos sedimentos e propiciam a difusão de água contendo
concentrações de oxigênio dissolvido relativamente maiores que os
valores pré-existentes na água intersticial.
A IMPORTÂNCIA DA MINERALIZAÇÃO DA MATÉRIA
ORGÂNICA NA PRODUÇÃO DE SULFETOS
Vários autores procuram apresentar modelos para explicar o tamponamento dos sedimentos aquáticos, principalmente os marinhos, sendo
comum o ponto de vista de que a matéria orgânica usada nas reações
químicas obedece à razão de Redfield, (CH2O)106(NH3)16(H3PO4), empiricamente definida a partir da observação da composição de diferentes
tipos de plâncton e águas coletadas em oceanos.19 A degradação que
ocorre na superfície dos sedimentos, a qual utiliza O2 e nitrato como
receptores de elétrons, causa uma leve diminuição do pH das águas intersticiais, para valores em torno de 5, com aumento na concentração de
CO2 como resultado da degradação da matéria orgânica e incrementos
nos valores de concentração de Ca2+ e alcalinidade, como consequência
da dissolução do CaCO3.20-23 Podem ser encontradas na literatura19,24 as
equações envolvendo os receptores de elétrons normalmente presentes
nos sedimentos, bem como as suas respectivas energias livre de Gibbs,
na degradação da “molécula de Redfield”.
(CH2O)106(NH3)16(H3PO4) + 138 O2 →
→106 CO2 + 16 HNO3 + H3PO4 + 122 H2O
∆G0, = - 56.367,3 kJ mol-1
(CH2O)106(NH3)16(H3PO4) + 236 MnO2 + 472 H+ →
→236 Mn2+ + 106 CO2 + 8 N2 + H3PO4 + 366 H2O
∆G0, = - 54.600,3 kJ mol-1 (birnessita)
∆G0, = - 53.893,5 kJ mol-1 (nsutita)
∆G0, = - 51.596,4 kJ mol-1 (pirolusita)
(1)
(2)
(CH2O)106(NH3)16(H3PO4) + 94,4 HNO3 →
→ 106 CO2 + 55,2 N2 + H3PO4 + 177,2 H2O
∆G0, = - 53.540,1 kJ mol-1
(3)
(CH2O)106(NH3)16(H3PO4) + 84,8 HNO3 →
→106 CO2 + 42,4 N2 + 16 NH3 + H3PO4 + 148,4 H2O
∆G0, = - 48.592,5 kJ mol-1
(4)
1619
(CH2O)106(NH3)16(H3PO4) + 212 Fe2O3 (ou 424 FeOOH) +
848 H+ → 424 Fe2+ + 106 CO2 + + 16 NH3 + H3PO4 +
530 H2O (ou 742 H2O)
∆G0, = - 24.914,7 kJ mol-1 (hematita, Fe2O3)
∆G0, = - 23.501,1 kJ mol-1 (goethita limonítica, FeOOH)
(5)
(CH2O)106(NH3)16(H3PO4) + 53 SO42- →
→ 106 CO2 + 16 NH3 + 53 S2- + H3PO4 + 106 H2O
∆G0, = - 6.714,6 kJ mol-1
(6)
(CH2O)106(NH3)16(H3PO4) →
→ 53 CO2 + 53 CH4 + 16 NH3 + H3PO4
∆G0, = - 6.184,5 kJ mol-1
(7)
A decomposição da matéria orgânica em ambientes aquáticos
anaeróbios segue a sequência de hidrólise extracelular, fermentação e
respiração de CO2.25 A fermentação é uma das vias mais eficientes de
transformação microbiológica da matéria orgânica aquática sedimentar, fornecendo substrato para os subsequentes processos anóxicos,
responsáveis pela etapa final de degradação do carbono orgânico.26
Esta decomposição anaeróbia dos compostos orgânicos em
sedimentos, a qual utiliza em menor escala os óxi-hidróxidos de
ferro e manganês, e principalmente os sulfatos como receptores
de elétrons, é acompanhada de um aumento na alcalinidade com a
produção de HCO3–, HS–, HPO42–, FeS2, N-amoniacal e precipitação
de CaCO3, principalmente sob a forma de aragonita e calcita gerados
biogenicamente. O CO2 produzido nesta decomposição é o precursor
do ânion bicarbonato, principal responsável pela alcalinidade.20,21,23,27
É na etapa final de degradação da matéria orgânica que substâncias oxidantes, normalmente presentes em sedimentos eutróficos,
passam a ser relevantes. O consumo destes oxidantes se dá em função
da profundidade, seguindo uma ordem crescente de produção de
energia livre de Gibbs por mol de carbono orgânico oxidado, obedecendo à sequência: O2 > óxidos de Mn ~ nitratos > óxidos de Fe >
sulfatos. Independentemente do oxidante utilizado, CO2 será gerado
como um dos subprodutos.24
A mineralização de compostos orgânicos nos sedimentos chega a
ocorrer com uma eficiência até 30 vezes superior à via que emprega
o sulfato como receptor de elétrons.28,29 A oxidação por nitratos é
mais efetiva com respeito à matéria orgânica mais lábil, localizada
na superfície dos sedimentos de fundo, fornecendo alcalinidade pela
formação de CO2, além de N2 e água.26 Devido à natureza destes últimos compostos e das características da degradação anaeróbia, esses
processos terminais são mais lentos do que os primeiros.29
Após o consumo total destes receptores de elétrons, verifica-se a
mineralização estritamente anaeróbia da matéria orgânica via metanogênese, nas regiões mais profundas da matriz.25,26,29,30
Os principais substratos da metanogênese são os acetatos, CO2
e H2, que são convertidos a CH4 e CO2,31 por uma classe de microorganismos antigamente denominada como arqueobactérias, mas que
atualmente recebeu um domínio à parte, o Archaea, sendo os seus
integrantes chamados de arqueias, por não poderem ser enquadrados
no domínio Bacteria, tampouco no Eukarya, dadas as suas especificidades genéticas.32 As arqueias metanogênicas podem ser subdivididas
em dois grupos, as acetoclásticas e as hidrogenotróficas. As primeiras produzem metano e CO2 a partir da clivagem do ácido acético,
enquanto que as últimas consomem o H2 e o CO2 gerado em etapas
anteriores de degradação (acidogênese) formando metano e água.31
Nos sedimentos aquáticos, tanto a degradação aeróbia quanto a
anaeróbia da matéria orgânica produzem CO2 e outras substâncias
quimicamente reduzidas, dependendo do tipo de receptor de elétrons
empregado.33 Portanto, o dióxido de carbono produzido em todos os
níveis da degradação da matéria orgânica em sedimentos tem influ-
1620
Fagnani et al.
ência direta sobre a alcalinidade destes ambientes, sendo o carbono
inorgânico o mais forte sistema tamponante de águas naturais. 34
Apesar do pH e da alcalinidade estarem relacionados, eles podem
variar independentemente um do outro.20
O carbonato de cálcio, predominantemente sob a forma de
calcita, é encontrado na maioria dos sedimentos aquáticos naturais
e tem a sua solubilidade alterada em função da mineralização da
matéria orgânica, com consequente produção de CO2. Bicarbonato
é formado quando um excesso de CO2 dissolvido interage com a
calcita, segundo a reação:
CaCO3 + CO2 + H2O → 2 HCO3- + 2 Ca2+
(8)
Desta forma, há um aumento na alcalinidade das águas intersticiais decorrente da produção de CO2 que leva à formação dos bicarbonatos, dissolvendo parte do CaCO3 depositado.21
O sulfeto solúvel produzido pela redução do sulfato, concomitantemente à oxidação de carbono orgânico, é difícil de ser detectado por
conta da transformação dos óxi-hidróxidos de ferro sólidos em pirita
sólida (FeS2), notadamente em ambientes marinhos.23
8 Fe(OH)3 + 15 HS- + SO42- + 17 H+ → 8 FeS2 + 28 H2O
(9)
Dentro deste contexto, é possível ainda afirmar que, em sedimentos onde houver abundância de sulfato e escassez de matéria
orgânica, como os sedimentos marinhos, espera-se uma baixa concentração de sulfetos solúveis nas águas intersticiais, já que ocorrerá
pouca sulfidização, pela falta de matéria a ser oxidada, e os sulfetos
formados sofrerão precipitação.35 Em águas naturais, quando em
geral a concentração de sulfatos é mais baixa comparativamente à
de matéria orgânica, se observa que na ausência de outros agentes
oxidantes, a metanogênese é o processo predominante, já que haverá
quantidade suficiente de ácidos orgânicos voláteis provenientes da
etapa de acidogênese, que não sofreram oxidação pelos sulfatos e
estarão disponíveis para serem convertidos a metano.36
Na interface entre a região de redução de sulfatos e a região de
produção de metano, ocorrem dois fenômenos que podem ser distinguidos quanto ao fluxo de H2: a metanogênese direta e a oxidação
anaeróbia do metano (OAM), onde são propostos mecanismos de
metanogênese reversa, os quais não são plenamente conhecidos.
Admite-se que um consórcio de micro-organismos Archaea e bactérias redutoras de sulfato propicie um fluxo exergônico de H2 , com
consumo de CH4 e SO42-.30,37-40
Reversão da metanogênese hidrogenotrófica:
CH4 + 2 H2O → CO2 + 4 H2 (Archaea)
(10)
SO42- + 4 H2 + H+ → HS- + 4 H2O (BRS)
(11)
SO42- + CH4 → HCO3- + HS- + H2O (processo global)
(12)
Formação de ácido acético por duas moléculas de metano:
Quim. Nova
CH3COO- + SO42- → 2 HCO3- + HS- (BRS)
(17)
CH4 + SO42- → HCO3- + HS- + H2O (processo global)
(18)
A hipótese de uma metilogênese, onde sulfetos metilados produzidos por organismos oxidantes de metano e Archaea redutores de
dióxido de carbono são transferidos às BRS, é outra proposta para a
OAM, porém, ainda incipiente e sem maiores esclarecimentos quanto
aos mecanismos.40,41
Algumas substâncias reduzidas, produzidas na oxidação do carbono, podem ser reoxidadas, absorvidas ou precipitadas em etapas
posteriores.20,30,31,33,36 O metano gasoso, devido a sua baixa solubilidade no meio líquido, atinge com facilidade a zona de redução de
sulfatos,35 sofrendo OAM.
Desta forma, é estabelecida uma competição pelo H2 produzido na
degradação da matéria orgânica em etapas fermentativas preliminares,
sendo que na presença de muito sulfato e pouco carbono a metanogênese seria prejudicada, uma vez que com altas concentrações de
carbono comparativamente aos sulfatos, a metanogênese não sofreria
competição pelo H2.
Da mesma forma que a matéria orgânica e os receptores de
elétrons apresentam uma difusão pela matriz no sentido superfície
– fundo, gerando reservatórios específicos destes oxidantes, os produtos mais voláteis resultantes da degradação da matéria orgânica,
como N2, NH3, H2, CH4 e CO2, apresentam uma difusão reversa, ou
seja, do fundo para a superfície, em função da sua solubilidade e
do pH, já que a amônia e o dióxido de carbono, por exemplo, apresentam maior ou menor afinidade com o meio líquido em função
da atividade hidrogeniônica. Assim, dentro do sedimento, as áreas
limítrofes dos reservatórios dos agentes oxidantes se tornam os
lugares onde se verificam reações reversas de destacada relevância,
como a já mencionada metanogênese reversa ou oxidação anaeróbia
do metano (OAM).
Com relação à geração de alcalinidade com a OAM, esta última
está intimamente ligada à produção de bicarbonato e bissulfeto,
aumentando a alcalinidade e elevando o pH para valores em torno
de 7,9.20,36
CH4 + SO42- → HCO3- + HS- + H2O
(19)
Além disso, pode-se verificar a liberação de fósforo e a metilação
do mercúrio inorgânico, aumentando sobremaneira o potencial tóxico
do sedimento.33
Em resumo, a mineralização aeróbia de matéria orgânica e a reoxidação anaeróbia de compostos reduzidos, como NH4+, Fe2+, Mn2+,
HS- e CH4, tendem a baixar o pH e solubilizar CaCO3. No limite entre
as regiões aeróbia-anaeróbia, o pH tende a um valor mínimo. Na
região anaeróbia, a redução dos sulfatos e a dissolução/precipitação
da calcita são os processos que mais influenciam no valor do pH, o
qual se mantém próximo da neutralidade. Na reoxidação anaeróbia
do metano por sulfato, o consumo deste último tende a aumentar
o pH, mas a produção de sulfeto e bicarbonato tende a diminuí-lo,
estabelecendo um equilíbrio com pH entre 6 – 8.20,22
2 CH4 + 2 H2O → CH3COOH + 4 H2 (Archaea)
(13)
LABILIDADE DOS SULFETOS DE FERRO
4 H2 + SO42- + H+ → HS- + 4 H2O (BRS)
(14)
CH4 + SO42- → HCO3- + HS- + H2O (processo global)
(15)
Em relação aos metais, a redução dos óxidos de ferro e manganês
proporciona um aumento na liberação destes elementos para as águas
intersticiais; no caso de seus respectivos sulfatos, há uma diminuição
na concentração dos metais solúveis devido à formação de sulfetos
pouco solúveis. Consequentemente, quando há baixos teores de
matéria orgânica biodegradável nos sedimentos (limitante), a taxa
de conversão das substâncias oxidadas para reduzidas é menor.42
Reversão da metanogênese acetoclástica
CH4 + HCO3- → CH3COO- + H2O (Archaea)
(16)
Vol. 34, No. 9
Sulfetos volatilizáveis por acidificação
Áreas de solo com características sulfato-ácidas, susceptíveis à
inundação e aos alagamentos por efeitos naturais de sazonalidade,
formam ambientes anaeróbios intermitentes onde há a redução dos
íons Fe (III) a Fe (II) com consequente aumento do pH, segundo a
reação:43
Fe8O8(OH)6SO4 + 22 H+ + 8 e- 8 Fe2+ + SO42- + 14 H2O
(20)
Froelich e colaboradores apresentam uma reação de degradação
da matéria orgânica de Redfield com redução de ferro, a qual igualmente consome prótons (Equação 5).24
As bactérias redutoras de ferro oxidam a matéria orgânica mais
lábil como os acetatos. Esse ambiente também facilita a formação
de sulfetos.43 Além disso, um aumento de pH por si já é responsável
pelo aumento na adsorção dos metais nas partículas mais finas do sedimento, devido à diminuição na concorrência pelos sítios de ligação,
entre H+ e os cátions metálicos.44 Não só o pH é um indicador das
condições ótimas para a produção de sulfetos, mas também o potencial redox (EH), sendo que a partir de valores menores do que – 120
mV já se tem um fator que propicia a redução de sulfato a sulfeto.12
Os sulfetos de ferro podem se apresentar sob as mais diferentes
composições químicas e estruturais, dependendo da sua idade e do
local onde se encontram, intercambiando-se com o passar do tempo.
As espécies mais lábeis, provenientes de recente formação, são predominantemente a mackinawita (FeS, tetragonal) e a greigita (Fe3S4); a
espécie mais estável formada apenas por Fe e S é a pirita, abundante
em regiões de atividade vulcânica e hidrotermal. A labilidade da mackinawita é dada pela facilidade em se deslocar o elemento ferro do
composto, substituindo-o por outro capaz de formar um sulfeto mais
estável, imobilizando-o sob essa forma e liberando cátions Fe para o
ambiente.45 Essa fonte de sulfetos reativos, se em maior quantidade
com relação aos metais de transição presentes, pode imobilizar estes
últimos na forma sólida, diminuindo drasticamente a sua toxicidade.46
Apesar de pouco mencionado, o ferro em excesso nos sedimentos
também apresenta potencial tóxico às macrófitas aquáticas, causando
pontos necróticos em folhas e formação de placas ferruginosas nas
raízes, matando-as prematuramente.47
SULFETOS VOLATILIZÁVEIS POR ACIDIFICAÇÃO E
METAIS EXTRAÍDOS SIMULTANEAMENTE – BREVE
HISTÓRICO
A partir da década de 1990, vários estudos começaram a ser
conduzidos com o objetivo de se avaliar a toxicidade de substâncias
orgânicas não iônicas nos sedimentos,48 além da função dos sulfetos
na imobilização e biodisponibilização de metais potencialmente
tóxicos nessa mesma matriz.49-51
Uma atenção especial começou a ser dispensada à determinação
dos sulfetos de ferro lábeis no sedimento, fase esta responsável por
ser a fonte de sulfeto para a complexação dos demais metais com
potencial contaminante. Estipulou-se então, para efeitos operacionais,
uma classe chamada acid volatile sulfide (AVS) que são aqueles
sulfetos capazes de se transformar em ácido sulfídrico (H2S) e serem
liberados do sedimento na forma gasosa, mediante acidificação do
meio com ácido clorídrico (HCl) na concentração final de 1 mol L-1
e a frio, sob purga de gás inerte.52 O material restante desta extração
é filtrado em membranas com porosidade de 0,45 µm e se realiza, na
fase líquida, a quantificação dos metais de interesse, caracterizando
uma outra classe de espécies, chamada de simultaneously extracted
metals (SEM). Acredita-se que aqueles metais ligados à fase sulfeto,
bem como os adsorvidos em óxidos de ferro ou em carbono orgânico
particulado são extraídos nesse processo.15,50,52
Tanto o AVS quanto o SEM ganharam várias traduções em portu-
1621
guês, sendo consagradas pelo uso aquelas que recebem a denominação
de sulfetos volatilizáveis por acidificação (SVA) e metais extraídos
simultaneamente (MES), respectivamente. Essa extração mais branda,
assim como outros tipos de extração sequencial relatados na literatura,
não é capaz de recuperar os metais ligados às estruturas de silicato
e às formas geoquímicas ou minerais mais recalcitrantes da matriz,
apresentando por isso uma boa indicação da biodisponibilidade destes
metais às populações bentônicas4. No entanto, existem controvérsias
neste sentido, uma vez que as espécies químicas que encerram os SVA,
bem como os seus estados geomorfológicos, variam dependendo do
histórico da matriz. Assim, sedimentos que apresentem tanto valores
de concentração de SVA quanto de MES próximos podem apresentar
toxicidades distintas, com respeito a metais, dada a complexidade e
diversidade das interações sulfetos-metais existentes nos compostos
aos quais os organismos bentônicos são expostos.
Di Toro e colaboradores49 foram pioneiros na aplicação da metodologia dos SVA para qualidade de sedimentos. Eles avaliaram
o potencial tóxico de alguns sedimentos aquáticos contendo SVA,
após a dopagem com cádmio e exposição, em ambiente controlado,
de duas espécies de anfípodos, que são microcrustáceos marinhos.
Os sulfetos presentes em amostras-controle dopadas com cádmio,
nas quais não estão presentes os organismos-alvo, foram convertidos
a H2S pela adição de HCl a frio, arrastados via purga com N2 e borbulhados em um primeiro frasco lavador contendo solução de biftalato
de potássio, com pH igual a 4, visando a retenção de cloretos. Ainda
em linha no sistema, o H2S emergente do primeiro frasco lavador foi
conduzido a dois frascos lavadores posicionados em série e preenchidos com uma solução de nitrato de prata. Os sulfetos volatilizados
foram precipitados na forma de Ag2S. Este procedimento permitiu
tanto a quantificação dos SVA, quanto da concentração de cádmio
disponibilizada.
Três importantes constatações foram feitas neste trabalho: na
primeira, em um sistema sem organismos, foi observado que após
adições sucessivas de uma solução de cádmio ao sistema sedimento
– água do mar – ocorria um aumento na concentração do metal no
sedimento, enquanto que na água intersticial a concentração deste
metal permanecia abaixo do limite de detecção.
Após um número elevado de adições, percebeu-se que a concentração do metal na água aumentava de forma rápida, enquanto que no
sedimento permanecia praticamente inalterada, mostrando que havia
sorção de cádmio pelo sedimento e que o metal só começava a se acumular na água intersticial após uma saturação da fase sólida sulfídica.
A segunda constatação ocorreu ao se tentar a quantificação potenciométrica dos sulfetos no sistema. Neste procedimento, antes de
se atingir a saturação da fase sólida, verificou-se que os sinais para
o analito estavam abaixo do limite de detecção da técnica. Porém,
após as adições de cloreto de cádmio, percebeu-se a formação de um
fino sólido amarelo de CdS na superfície. Esta observação sugere que
o sulfeto, antes na forma de FeS sólido, passa para a forma de CdS
sólido, após uma reação de deslocamento, dada a menor solubilidade
do último comparativamente ao primeiro. Uma titulação comprovou
facilmente esta hipótese.
Finalmente, a terceira constatação do estudo ocorreu durante
a realização de testes de avaliação da toxicidade de amostras de
três diferentes sedimentos condicionados em água do mar, os quais
receberam uma quantidade conhecida dos organismos-alvo. Em tais
sedimentos foi observado que, quando a concentração molar dos
SVA era inferior à de cádmio extraído simultaneamente, se verificava toxicidade crônica aos organismos-alvo, ao passo que quando a
concentração molar de SVA era predominante sobre a do metal, não
se verificava toxicidade crônica. Este estudo também sugeriu que
seria possível estender para outros metais de interesse ambiental as
observações por eles relatadas utilizando-se Cd.
1622
Fagnani et al.
Muitos metais podem formar sulfetos insolúveis em condições
anaeróbias, mas pelo uso, ocorrência e potencial de contaminação
foram eleitos níquel (Ni), zinco (Zn), cádmio (Cd), chumbo (Pb) e
cobre (Cu) como os principais metais responsáveis pela toxicidade
de sedimentos. Em estudos específicos, mercúrio (Hg), prata (Ag)
e cromo (Cr) podem também ser avaliados, além do semi-metal
arsênio (As).9,51
Métodos de determinação de SVA e MES
A coleta das amostras é determinante na qualidade do resultado
final. Devem ser minimizadas as perdas de sulfeto, seja por volatilização ou por exposição prolongada ao ar, o que ocasionaria a
ocorrência de oxidações.
A montagem originalmente concebida e amplamente utilizada até
hoje para se quantificar MES e SVA consiste de um sistema extrator de
purga-e-aprisionamento (purge and trap) onde se submete a amostra
de sedimento a um ataque de HCl a frio, sob purga de gás inerte mais
agitação mecânica, produzindo H2S que é recolhido em uma solução
de retenção de sulfetos, a qual pode ter a sua composição variada em
função do método de quantificação de sulfeto escolhido.52 Gravimetria
com íons prata,53 espectrofotometria pelo método do azul de metileno54-56 ou, ainda, a determinação potenciométrica usando eletrodo íon
seletivo (EIS)57,58 são os métodos mais citados na literatura.
Há variações no método de extração, as quais podem seguir o
mesmo princípio do original59 ou utilizar a técnica dos filmes finos.58,60
Na Figura 1, pode ser visto um esquema de montagem para o
sistema extrator de SVA e MES, utilizado para estudos de potencial
tóxico de sedimentos na bacia do Rio Jundiaí - SP.61
Quim. Nova
da análise dos SVA, após a mesma ser filtrada em membrana com
porosidade de 0,45 µm. Os teores dos cinco metais de interesse são
comumente quantificados por técnicas de espectrometria atômica,
como absorção atômica por chama ou forno de grafite, ou emissão
atômica por plasma indutivamente acoplado.
Tanto os valores de SVA quanto os de MES são expressos em base
seca, mas analisados em base úmida, de onde decorre a necessidade
de uma etapa adicional de determinação da umidade da matriz, ou
a chamada perda por evaporação forçada (PEF), que se dá em uma
estufa a 103-105 oC até massa constante. Esta determinação segue
um procedimento análogo ao que é empregado na determinação de
sólidos totais (ST), presentes em amostras de caráter ambiental e
sanitário. Secagens a temperaturas mais baixas (60 oC) podem ser
mais conservativas com relação às características da amostra, mas
levarão mais tempo para serem processadas.62
A relação matemática entre SVA e MES
Como os cinco metais classicamente estudados em abordagens
que envolvem associações com sulfeto, que são o Cd, Cu, Ni, Pb e Zn,
se apresentam todos sob a forma divalente nos sedimentos (cátions de
carga elétrica 2+), e os sulfetos são igualmente divalentes (ânions de
carga elétrica 2-), se realiza um balanço de massas entre a quantidade
de sulfetos lábeis existentes e disponíveis para complexação e a soma
da quantidade dos metais potencialmente tóxicos, resultando em um
critério para a qualidade do sedimento, que matematicamente pode
ser escrito como:9
(21)
Figura 1. Representação esquemática do sistema extrator para SVA e MES.
(1) entrada do gás de purga no sistema; (2) seringa para injeção de HCl no
septo posicionado na linha de gás; (3) balão de extração; (4) conexão entre
o balão de extração e o frasco lavador, por onde fluirá o H2S recém-gerado;
(5) frasco lavador contendo tampão básico antioxidante, responsável por reter
os sulfetos; (6) saída do sistema para o ambiente; (7) agitador magnético
É muito comum encontrar na literatura a recomendação da
utilização de dois frascos absorvedores em série. Contudo, a
experiência destes autores mostra que não é detectado sulfeto em
um segundo frasco absorvedor quando este é instalado, e que a
utilização de um único frasco, conforme apresentado na Figura 1,
propicia a obtenção de valores adequados de recuperação. Desta
forma, a partir do momento em que esteja disponível um conjunto
de dados históricos que atestem o bom desempenho do sistema de
extração, torna-se recomendável a operação com apenas um frasco
de retenção de H2S, economizando reagentes e gerando menor
quantidade de resíduos.
Independentemente dos sulfetos, os MES são determinados
tomando-se a solução ácida da lixiviação dos sedimentos, restante
Se tanto os MES quanto os SVA são expressos na mesma unidade de concentração, convencionalmente µmol g-1, pode-se dizer
que, quando a razão MES/SVA é ≤ 1,0, há predominância ou no
mínimo equivalência da fase sulfeto sobre a fase metal e, dada a alta
afinidade entre elas, é de se esperar que todos esses metais estejam
imobilizados sob a forma de sulfeto metálico sólido no sedimento,
tornando-se não disponíveis à biota. Desta forma, se espera que as
concentrações de metais nas águas intersticiais da matriz não atinjam
níveis deletérios aos seres vivos e que não exista toxicidade devido
aos metais, nesse caso.9
Porém, se a razão MES/SVA é > 1,0 há grande chance, tanto do
sedimento quanto da sua água intersticial apresentarem valores de
concentração de metais em patamares capazes de causar toxicidade
aos organismos a ele associados.
Atualmente, a maioria dos autores prefere expressar essa relação
não mais como uma razão, e sim como uma subtração, de modo que
a expressão se torna:
(22)
Neste caso, quando MES – SVA ≤ 0, não se espera toxicidade por
parte dos metais; se MES – SVA > 0, são esperados efeitos agudos
sobre a biota.9,10,49,52
Expressar a relação entre MES e SVA como uma razão apresenta
duas desvantagens: a primeira diz respeito ao fato de que quando
valores muito baixos de sulfeto são comparados com valores relativamente altos de metais, o número resultante é extremamente alto e
não diz nada quanto à quantidade de metais que estaria disponível à
biota. Em segundo lugar, refinamentos do cálculo levando em conta
outras fases ligantes são difíceis de serem realizados.9
Em suma, quando os sulfetos superarem estequiometricamente
Vol. 34, No. 9
Sulfetos volatilizáveis por acidificação
os metais, provavelmente estes últimos estarão apresentando concentrações dentro de níveis seguros para a biota, tanto no sedimento
quanto na água intersticial. Caso contrário, os metais poderão
representar riscos significativos, caso não exista outra fase ligante
controlando a sua biodisponibilização. Os óxidos e hidróxidos de
ferro e manganês dificilmente existem em ambientes anaeróbios e
fortemente sulfídricos, mais profundos, o que limita a importância
destas espécies químicas às primeiras camadas do sedimento. Neste
contexto, a matéria orgânica passa a ter grande relevância, já que
depois dos sulfetos, ela é a principal fase ligante dos metais e está
presente mesmo em ambientes anaeróbicos. Por esta razão, principalmente nos casos em que se tem MES > SVA, é que se adiciona
uma variável à expressão, tornando-a:9
(23)
sendo que fOC corresponde à fração percentual em massa de carbono
orgânico presente no sedimento.
Sedimentos que apresentam uma concentração de MES superior
à dos SVA, ainda assim podem não apresentar toxicidade à biota, se
o carbono orgânico presente for capaz de atenuar ou mesmo cancelar
esses efeitos via complexação, tornando os metais não biodisponíveis.
Quando esse excesso de MES normalizado pelo carbono orgânico apresentar valores menores do que 130 µmol gOC-1, considera-se
que há baixo risco de toxicidade devido aos metais estudados. Se
os valores normalizados estiverem na faixa entre 130-3000 µmol
gOC-1, pode haver toxicidade à biota. Por fim, para valores maiores
do que 3000 µmol gOC-1, efeitos biológicos adversos, como redução
no crescimento, na reprodução e no tempo de vida, são esperados.63
Outra vantagem em se expressar a relação entre MES e SVA como
uma diferença é que se pode saber quanto de sulfeto cada metal irá
demandar para o controle da sua biodisponibilidade. Pela avaliação
da magnitude das constantes dos produtos de solubilidade dos referidos sulfetos, é possível estimar qual metal será primeiramente
imobilizado, bem como se poderá haver deslocamentos.64 A ordem
de solubilidade dos sulfetos metálicos de interesse ambiental é: FeS
> NiS > ZnS > CdS > PbS > CuS.54 Os sulfetos de níquel (millerita –
NiS, heazlewoodita – Ni2S3 e vaesita – NiS2), cobre (covellita – CuS e
calcocita – Cu2S) e mercúrio (cinábrio – HgS)62-65 não são destruídos
pela extração dos SVA, empregando-se HCl a frio: a recuperação
destes metais enquanto MES se deve à detecção daquele estoque
que se encontra interagido com outra fase ligante, como a matéria
orgânica, por exemplo.9
Mecanismos de interação metal – sedimento
Existem matrizes em que se pode identificar a presença de vários
metais potencialmente tóxicos, como Cu, Zn, Pb, Ni e Cd, ocorrendo
ao mesmo tempo, com alta correlação entre si, revelando um tipo de
contaminação advinda de fontes múltiplas, pela variedade de metais,
mas com um comportamento diagenético similar. Em outros termos,
há respostas físico-químicas equivalentes destes elementos quanto aos
fenômenos de dissolução, precipitação, recristalização, compactação
etc., nos processos deposicionais, durante e após a litificação.66 Por
outro lado, há estudos mais específicos onde se avalia a relação entre
a presença concomitante de sulfetos e de metais menos comuns como,
por exemplo, o rênio (Re), já que este também apresenta a tendência
de formar um sulfeto sólido estável (rheniita, ReS2).67 Contudo, via de
regra, além dos cinco metais mais comuns já relatados, os que mais
aparecem como objeto de estudo ambiental são a prata, o cromo e o
mercúrio. Alguns detalhes sobre esses elementos serão aqui descritos.
1623
A prata (Ag), para ser admitida no cálculo dos MES, deve ter a
sua concentração dividida à metade, por uma razão estequiométrica,
já que o sólido formado tem a fórmula Ag2S. Devido a seu baixo valor
da constante do produto de solubilidade (5,5x10-51), o critério para
se avaliar prata no sedimento é meramente qualitativo: onde houver
quantidades mensuráveis de sulfeto lábil, admite-se que não existe
prata disponível em quantidades importantes para causar toxicidade. A prata só poderá ser novamente biodisponiblilizada a partir da
oxidação dos sulfetos ou, quando baixíssimas quantidades de Ag(I)
são adsorvidas em FeS e se deparam com altas concentrações de
mercaptanas, formando-se tiolatos de prata com pequena cadeia,
solúveis e passíveis de assimilação pelas células.68
Para efeitos de biorremediação de solos, íons prata podem ser
utilizados para deslocar todos os cinco metais de seus respectivos
sulfetos, liberando-os para serem lixiviados em meio ácido e separados da matriz sólida. O efeito da prata não é meramente de agente
deslocador de equilíbrio químico, mas age também como catalisador
de processos bioquímicos realizados por bactérias ativas no ciclo
biogeoquímico do enxofre e do ferro.69
Por analogia, se a presença de sulfetos pode ser utilizada como
indicador de quantidades seguras de prata, já que a sua solubilidade
nessa situação seria de 2,2 x 10-17 mol L-1, a mesma regra deveria
valer para o mercúrio, que apresenta uma constante do produto de
solubilidade igual a 1,6 x 10-54 e solubilidade de 1,6 x 10-27 mol L-1,
que é dez ordens de magnitude menor do que a da prata. No entanto, o mercúrio, um metal que apresenta um ciclo biogeoquímico
complexo,70-73 apresenta particularidades que tornam esta avaliação
bastante intrincada.
O mercúrio presente nos sedimentos pode se ligar a sulfetos, à matéria orgânica, ou ainda a compostos orgânicos sulfurados, migrando
entre essas fases, em função das condições ambientais. A tendência
do mercúrio é de se concentrar mais nos sedimentos do que na coluna de água, mesmo em locais onde haja maior oxigenação, ficando
claro que, neste caso, outras fases ligantes além daquela representada
pelos sulfetos apresentam papel relevante na sua imobilização.74 Um
excesso de sulfetos pode levar à biodisponibilização do mercúrio,
originalmente sob a forma de cinábrio (HgS), tornando-o acessível à
biota, em função da formação dos polissulfetos Hg(HS2-) ou Hg(S22-),
e não como Hg2+.75-77
As condições mais apropriadas para se formar os sulfetos e
imobilizar o mercúrio são as mesmas capazes de promover a sua
metilação, transformando-o em sua espécie mais tóxica, o metilmercúrio (CH3Hg+).78
Com relação ao cromo (Cr), não é possível a formação de um
sulfeto de cromo no ambiente.79 Tal espécie química é obtida apenas
em condições especiais, associadas à manufatura do aço, como resultado da mistura de reagentes no estado sólido, em temperaturas
elevadas.80 A química do cromo no ambiente se restringe às suas duas
principais espécies, Cr (VI) e Cr (III). O Cr (VI) é o estado altamente
oxidado, mais solúvel e comprovadamente tóxico e cancerígeno,81
havendo vários estudos que comprovam seus efeitos sobre os seres
vivos. Por sua vez, o Cr (III) é uma espécie de baixa solubilidade e
de efeito tóxico duvidoso. Nos artigos onde é relatada a toxicidade
do cromo, a espécie Cr (III) é citada como relativamente segura e
estável, do ponto de vista ambiental.82
No ambiente, os sulfetos lábeis têm a capacidade de, facilmente, reduzir o Cr (VI) a Cr (III), formando enxofre elementar
e Cr(OH)3, sendo esse último considerado não tóxico, de acordo
com o entendimento vigente. Portanto, os SVA também regulam a
biodisponibilidade do cromo, não pela formação de sulfetos insolúveis, mas pela redução química deste a um estado de oxidação
que leva à formação de hidróxido pouco solúvel.55,83 Os minerais
ferrosos são capazes de catalisar a redução do Cr (VI) pelos sul-
1624
Fagnani et al.
fetos, em uma reação de segunda ordem. A mesma ação redutora
pode ser atribuída ao enxofre elementar formado e que atua em
etapas mais tardias, onde as nanopartículas do enxofre elementar,
produzidas pela própria reação, adsorvem os sulfetos e aumentam
a sua eficiência na promoção da redução química do cromo. Assim,
só quando uma quantidade razoável de enxofre for produzida é que
esse efeito começará a ser importante.84
Admite-se ainda que, sob condições anóxicas e em meios ricos
em matéria orgânica, propícios à formação dos SVA, a forma Cr
(VI) é termodinamicamente instável, esperando-se encontrar apenas
a forma Cr (III).81,85 A reoxidação do Cr (III) a Cr (VI) só é possível
em condições especiais, onde haja grande oxigenação, H2O2, Fe e Mn
geralmente na forma de óxidos jovens e amorfos, além de pequenas
quantidades de matéria orgânica, numa cinética bastante lenta.86 Uma
grande quantidade de matéria orgânica inviabilizaria o processo,
mesmo em ambientes bastante oxidantes, pois esta complexaria o Cr
(III) inibindo uma possível oxidação para o estado VI.81
Substâncias orgânicas liberadas pelo sistema radicular da vegetação, em sedimentos de áreas alagadas, formam um ambiente redutor,
podendo facilitar a conversão do sulfato a sulfeto, propiciando a
redução do Cr (VI) a Cr (III).87
As condições ambientais nas quais se verifica a formação de SVA,
são as mesmas que fazem com que o cromo seja encontrado na forma
de espécies químicas de Cr (III).
IMPORTÂNCIA DOS ENSAIOS DE TOXICIDADE
As determinações químicas de sulfetos, metais e matéria orgânica, principalmente naqueles casos onde foi levantada a hipótese de
contaminação das águas intersticiais, carecem de confirmação biológica para um diagnóstico mais preciso e correto. Além de análises
químicas, ensaios de toxicidade com organismos vivos devem ser
realizados para se obter informações mais precisas sobre o grau de
impactação da matriz. É recomendável levar em conta não somente a
especiação do contaminante, mas também o tipo de organismo-alvo
que está sendo usado no estudo. Dieta, particularidades morfológicas,
estágio na cadeia alimentar, modo e profundidade de obtenção de
alimento são variáveis a serem consideradas.88
Os ensaios de toxicidade são realizados em águas e sedimentos,
sempre se escolhendo espécies animais e vegetais que sejam bastante sensíveis às alterações do meio, bem como obtenham energia
necessária para a manutenção do seu metabolismo a partir deste.
Neste contexto, possíveis contaminantes têm o seu efeito deletério
avaliado. Os testes podem ser de conotação aguda ou crônica, fornecendo importantes informações quanto ao risco ambiental a que
se está sujeito, bem como balizando tomadas de decisão no sentido
de conservação ou remediação de áreas impactadas.
Os referidos ensaios também apresentam algumas fontes de incertezas: a escolha de organismos teste que não interajam de forma
adequada com a matriz, pode levar a desvios do método. Da mesma
forma, a característica peculiar de alguns organismos bentônicos no
que diz respeito a concentrar mais do que apenas um metal, pode
causar anomalias nos resultados obtidos, com relação àqueles que
bioacumulam um único metal. Os hábitos alimentares dos organismos
empregados nos testes de toxicidade também são importantes. Um
exemplo provém dos organismos filtradores que se alimentam de
partículas de sedimento, que podem liberar metais em contato com
a acidez do seu trato intestinal, ocasionando tanto toxicidade como
má formação fisiológica.
Assim sendo, os estudos de toxicidade mais conclusivos acerca
do potencial tóxico de uma matriz são aqueles realizados com mais
do que apenas uma espécie de organismo-alvo.89 Outra questão é a
adaptação destes organismos à contaminação: processos de bioirri-
Quim. Nova
gação daqueles indivíduos que constroem tubos intercomunicantes,
entre as fases sedimento – água, podem amenizar o potencial tóxico
do sedimento, tornando-os adaptáveis ao meio.9 Há ainda organismos
que desenvolvem mecanismos enzimáticos específicos de desintoxicação para se defender dos efeitos dos sulfetos.13
Os sulfetos livres isoladamente podem também apresentar alta
toxicidade, mesmo para as bactérias redutoras de sulfato (BRS), que
suportam quantidades limitadas de seu próprio produto metabólico.
A toxicidade devido aos metais e aos sulfetos, portanto, merece ser
considerada não somente de forma sinérgica, mas também de forma
independente.46
LIMITAÇÕES AO USO DO MÉTODO DE SVA E MES
Apesar de ser uma estratégia bastante útil, o uso de SVA – MES
na avaliação do potencial tóxico de sedimentos apresenta, como toda
técnica, algumas limitações.
Globalmente, um dos aspectos que mais chama a atenção com
relação ao uso de MES e SVA para se estimar a toxicidade, é que
apenas se considera o sulfeto como fase protetora e conservadora dos
sedimentos com respeito à toxicidade dos metais, mas pouco já foi
estudado sobre a relação inversa: a toxicidade dos sulfetos, a qual
não é desprezível, sendo controlada pela fase metálica.
Há três vertentes fundamentais a serem consideradas com
relação ao sulfeto no ambiente aquático: sua toxicidade natural, a
atenuação da toxicidade de metais pela sua presença e o efeito sobre
a toxicidade de outras substâncias, modificando o comportamento
dos organismos.
Os sulfetos livres apresentam uma toxicidade maior do que a da
amônia não ionizada, em termos de concentração (a USEPA estabelece o limite de 2 µg L-1 para H2S, enquanto que para NH3, é de 35 µg
L-1, quando se avalia a toxicidade em águas doces superficiais e águas
salinas).13 Contudo, estas comparações representam uma abordagem
complexa, pois podem apresentar variações em função da escolha
dos organismos teste que são utilizados. O ferro é classicamente o
seu principal ligante, mas o zinco também tem um papel relevante na
retenção dos sulfetos, já que o sulfeto de zinco, principalmente nas
camadas mais expostas do sedimento, é mais refratário à oxidação
do que o de ferro ou manganês, funcionando como um conservador
ou estabilizador de sulfetos.90
Seus efeitos nas macrófitas aquáticas consistem em decomposição
radicular, redução do crescimento e eventualmente a morte, nos casos
onde os valores de concentrações estiverem na faixa entre 10-1400
µmol L-1. Nos invertebrados, podem causar bloqueio da respiração
anaeróbia pela inibição da enzima citocromo C oxidase, na altura das
mitocôndrias, na faixa entre 0,7-33 µmol L-1.47
Apesar da concentração dos sulfetos em água doce ser tipicamente
menor do que em água salgada, a tolerância dos organismos que vivem
nos rios e lagos é igualmente inferior.13
A instrumentação utilizada na extração dos SVA deve passar
por constantes testes de recuperação, com o intuito de se verificar
vazamentos de H2S, que levam à obtenção de teores subestimados
de SVA. São esperadas recuperações da ordem de 87%53 a 91% ou
superior,56,91 dependendo da técnica de quantificação e da concentração do analito utilizado nestes ensaios.
O risco de oxidação dos sulfetos da amostra, quando esta já se
encontra no extrator, é menor do que no momento da coleta no campo.
Após a acidificação do sedimento, a oxidação do H2S liberado é lenta,
além de fortemente dependente da concentração de radicais hidroxila
(•OH), motivo pelo qual é possível sentir o seu odor no ambiente
até com certa persistência, ajudando na identificação de vazamentos.
Estudos em que se utiliza ar ao invés de nitrogênio como gás de arraste
confirmam essa hipótese, onde a espécie mais rapidamente oxidável,
Vol. 34, No. 9
Sulfetos volatilizáveis por acidificação
o íon bissulfeto (HS-) não está presente em quantidades apreciáveis
neste pH, e sim a espécie H2S dissolvida.56
Muita controvérsia está envolvida no universo dos SVA, tanto no
que se refere à forma de preparação da amostra quanto à interpretação
dos resultados. Cooper e Morse65 deixam claro que a análise de toxicidade a partir do procedimento para extração de SVA, usando HCl
6 mol L-1 a frio, poderia subestimar o potencial tóxico dessa matriz,
já que os sulfetos de ferro, cádmio, chumbo e zinco são solúveis e
disponibilizados por esse ataque ácido, mas o mesmo não ocorre
com os sulfetos de mercúrio, níquel e cobre, que necessitariam sofrer
digestão com ácido nítrico. Os autores sugerem, portanto, que não
só os SVA contribuiriam para a biodiponibilidade dos metais, mas
também os demais sulfetos.
Outros autores já consideram que, caso procedimentos mais
drásticos fossem utilizados na extração, haveria o risco de se extrair
aqueles metais presentes em formas mais insolúveis e menos lábeis,
em função da destruição oxidativa dos sulfetos a eles associados.
Isso acarretaria uma superestimação do teor de metais, mas sem a
quantificação dos sulfetos correspondentes, podendo resultar em um
alto valor teórico de toxicidade por metais, que na realidade não se
verificaria.9
Morse e Rickard46 destacam que os fatores controladores dos
teores de SVA presentes nos sedimentos podem sofrer influências
sazonais, geológicas, e morfológicas. Nos ambientes favoráveis à
formação dos SVA, chamados de regiões euxínicas, que são as águas
estagnadas, com pouca comunicação para outros corpos d’água,
concomitantemente anaeróbias e onde a presença de formas de vida
superiores é desfavorecida, os sulfetos se encontram próximos à
superfície dos sedimentos, numa faixa entre 4 e 6 cm, admitindo-se
que a 20 cm não mais se encontrariam os SVA. Além disso, pode-se
evidenciar o efeito da sazonalidade no inverno, onde a predominância
de baixas temperaturas ocasiona uma menor formação de sulfetos
e, portanto, diminui o efeito amenizador da toxicidade dos metais
por conta destes.
As variações sazonais na concentração dos sulfetos em regiões de
clima temperado16 é um fato que parece não ser claramente evidenciado em regiões tropicais, onde as temperaturas são mais elevadas e
apresentam menor amplitude entre as estações do ano.91 A contextualização dos resultados obtidos na relação MES – SVA deve, portanto,
levar em conta a sazonalidade, já que predominantemente na literatura
se verifica que nas estações mais quentes há uma maior produção dos
SVA, devido principalmente ao metabolismo das BRS, responsáveis
pela sulfidização dos sedimentos.92 A quantidade de carbono orgânico
que é produzida (produção primária), tanto em ambiente aeróbio
quanto anaeróbio, afeta a produção dos sulfetos. Portanto, a área de
estudo deve ser investigada em diferentes épocas do ano, para uma
maior certeza do potencial tóxico frente à complexação de metais.15
Na Tabela 1 podem ser vistos valores típicos de SVA e MES em
sedimentos aquáticos brasileiros.61,93-98
Na Tabela 2 são apresentados valores típicos de SVA e MES
encontrados em diferentes partes do mundo, em locais sob as mais
diversas influências antrópicas.14,57,66,99-101
Com relação ainda à mineralogia, Morse e Rickard46 afirmam
que a dinâmica química dos SVA é de difícil entendimento, já que
sua constituição pode ser bastante variada. São sólidos compostos
predominantemente por sulfetos de ferro, como a mackinawita (FeS
tetragonal), greigita (Fe3S4 cúbico), troilita (FeS hexagonal), pirrotitas
(Fe1-xS hexagonal), pirita (FeS2 cúbico) e marcasita (FeS2 ortorrômbico), com destaque para os dois primeiros. Embora a toxicidade de
sedimentos contendo metais e sulfetos seja diminuída na presença de
SVA, esse efeito é temporário. Como a concentração dos metais é em
nível de traço, mesmo para ambientes contaminados, o que realmente
acontece é que, ao invés da formação direta do sulfeto metálico,
1625
Tabela 1. Valores típicos de SVA e MES em sedimentos aquáticos brasileiros
Local
SVA (µmol g-1)
MES (µmol g-1)
Ref.
4,3-17,2
0,3-0,5
93
Mangue – Baía de Guanabara
(RJ) (área impactada)
0,07-18,79
0,167
94
Estuário – Baía de Guanabara
(RJ) (área impactada)
4,04-18,4
5,31-6,42
95
Reservatório - Rio Grande
(SP) (área impactada)
0,74-80,83
32,92
96
Mangue - Baía de Camamu
(BA) (área preservada)
23,57
4,31
97
Rio Irai (PR)
(área de baixo impacto)
11,0
---
98
Jusante ETE - Rio Iguaçu
(PR) (área impactada)
570,5
---
98
Foz - Rio Jundiaí (SP)
(área impactada)
7,80-9,77
2,78-3,73
61
Várzea - Rio Jundiaí (SP)
(área impactada)
2,74-5,51
1,55-2,66
61
Foz - Ribeirão Piraí (SP)
(área de baixo impacto)
1,90-3,70
1,11-1,69
61
Estuário - Rio Sergipe
(SE) (área impactada)
ocorre a adsorção e/ou coprecipitação na formação da mackinawita.
Quando a mackinawita, com o passar do tempo, se transforma em
pirita, esses metais adsorvidos e/ou enclausurados são novamente
disponibilizados para o meio líquido, principalmente em ambientes
marinhos e costeiros (como manguezais), onde a concentração de
enxofre é muito maior do que nos ambientes aquáticos continentais ou
de água doce. A remoção desses metais por parte da pirita varia com
a concentração destes, bem como sua afinidade com a nova matriz.
Portanto, embora seja relativamente simples medir SVA (sulfetos
metaestáveis), a interpretação dos resultados pode ser controversa.
Uma alternativa talvez fosse analisar a remoção realizada pela pirita,
sulfeto mais estável.
Com relação aos MES, a quantificação dos metais, tanto em
sedimentos quanto em águas intersticiais, deve ser feita obedecendo
a rigorosos critérios analíticos de qualidade, respeitando-se as figuras
de mérito de cada técnica. Em escala nacional, mesmo laboratórios
certificados não necessariamente mostram proficiência neste tipo de
análise, sabidamente em água, mas também com prováveis falhas
para outros tipos de matrizes mais complexas.102
Outras fontes de contaminação que não os metais ficam fora
desta análise que utiliza os parâmetros MES e SVA.6 Os testes de
toxicidade podem chamar a atenção para esse aspecto, em situações
onde não se espera potencial tóxico para a matriz (MES < SVA),
mas esta é verificada mesmo assim, denotando a presença de outros
agentes que o modelo não contempla.103 Além disso, o modelo é muito
bom para prever toxicidade aguda, mas não contempla os possíveis
efeitos causados por bioacumulação.104 As transições de fase sólida
dos sulfetos de ferro, que de mackinawita e greigita passam a pirita,
podem causar uma redisponibilização dos metais coprecipitados nessa
reorganização estrutural,51 mas não necessariamente, já que outras
fases ligantes podem ser formadas nessas novas condições.5,66 Efeitos
antagônicos, aditivos ou sinérgicos, bem como a biomagnificação,
não são contemplados pelo modelo.9
CRITÉRIOS DA QUALIDADE DE SEDIMENTOS
A classificação da qualidade dos sedimentos preconizada pela
USEPA baseia-se na quantificação dos MES e SVA nos sedimentos,
1626
Fagnani et al.
Tabela 2. Valores típicos de SVA e MES em sedimentos aquáticos ao redor
do mundo
Local
SVA (µmol g-1)
MÊS (µmol g-1)
Ref.
Baía Jinzhou, mar Bohai
(China) (fundição)
3,0-126
2,9-374
14
Porto Belledune, baía Chaleur (Canadá) (fundição, fab.
fertilizantes)
5,5-102
1,9-18,4
14
Enseada Foundry, foz rio
Hudson (EUA) (fab. baterias)
0,40-64,6
0,20-779
14
Riacho Bear, Porto de Baltimore (EUA) (doméstico e
industrial)
0,40-304
0,64-31,0
14
Pântano salgado, baía Buzzards (EUA) (metalurgia)
0,44-419
0,73-31,8
14
Lago Steilacoom, Washington (EUA) (uso de algicidas
– Cu)
0,02-5,65
0,60-3,91
14
Hidrobacia Keweenaw,
Michigan (EUA) (mineração
de Cu)
0,006-11,6
0,36-174
14
Riacho Turkey, Missouri
(EUA) (refugo de mineração)
28,1-78,2
47,6-94,5
14
Baixo Rio Missouri (EUA)
(doméstico e industrial)
2,2-20,2
0,40-2,14
57
Delta do Rio Zhu (China)
(densamente poluído)
0,72-59,01
0,99-26,86
66
Baía Portman (Espanha)
(refugo de mineração)
47,2-510,7
16,0-144
99
Riacho Trace, região de xisto
(EUA) (área preservada)
0,01-0,07
3,7-4,0
100
Riacho Begley, região de
xisto (EUA) (área preservada)
0,02-1,82
3,2-5,5
100
Riacho Cove, região de xisto
(EUA) (área preservada)
0,01-0,02
1,3-2,8
100
Riacho Mill, região de
calcário (EUA) (área preservada)
< 0,01
0,4-0,8
100
Rio Begej (Sérvia) (doméstico e industrial)
4,3-7,1
5,2-13,8
101
10,2-11,2
5,5-7,9
101
Rio Danúbio (Sérvia) (doméstico e industrial)
Quim. Nova
bem como metais disponíveis nas águas intersticiais. Os valores-guia
da qualidade dos sedimentos (VGQS) referem-se ao equilíbrio de
partição para a fase sólida, ao passo que para as águas intersticiais,
têm-se os valores-guias de qualidade dos sedimentos das unidades
tóxicas da água intersticial (VGUTAI).105
Uma combinação dos valores de MES, SVA e ensaios de toxicidade, resultam em três níveis qualitativos: aceitável (risco desprezível à
biota), incerto (possível risco à biota) e não aceitável (risco iminente
à biota, implicando na necessidade de remediações).9
Resumidamente, na Tabela 3 podem ser vistos os usos de SVA
e MES no que diz respeito aos valores-guia de qualidade dos sedimentos (VGQS).
Apesar de alguns insucessos no uso dos SVA e MES na avaliação da toxicidade de sedimentos, os casos em que essa ferramenta
foi útil e apropriada é muitas vezes maior. Além disso, atualmente
os estudos de toxicidade não avaliam somente essas duas variáveis,
mas também os VGUTAI e as frações metálicas fracamente ligadas,
confirmando os VGQS empíricos, compondo os níveis de causa-efeito
como threshold effects level (TEL), probable effects level (PEL) e
severe effects level (SEL), ou ainda o effects range low (ERL) e o
effects range medium (ERM).106
O método que utiliza os ensaios de toxicidade, aliados às análises
de MES, SVA e avaliação de água intersticial para se determinar
um critério de qualidade para sedimentos, apesar de bastante completo, pode apresentar algumas falhas. A coleta de amostra, etapa
sempre crítica e fundamental, seja de água ou de sedimentos, é uma
das principais fontes de erros. A perda do sulfeto por oxidação ou
mesmo volatilização no momento da amostragem é um evento que
merece atenção. Além disso, o acondicionamento e a preservação
das amostras devem ser feitos de forma criteriosa, para manutenção
do sulfeto.103
A própria natureza das amostras de caráter ambiental é sujeita a
variâncias naturais, fazendo com que as médias das concentrações
medidas de MES e SVA variem, podendo em alguns casos extremos
chegar a ordem de 30%.54
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudos que levem em consideração os parâmetros físicos
(granulometria), químicos (MES, SVA, matéria orgânica, demais
fases ligantes) e toxicológicos (testes de toxicidade), tanto na água
quanto nos sedimentos, podem não abranger todos os aspectos da
questão, mas podem mimetizar com sucesso ecossistemas aquáticos
naturais. A interação intercompartimentos é bastante complexa e
Tabela 3. VGQS baseados em determinações de SVA, MES e foc. Adaptada da ref. 9
Relação entre MES, SVA e fOC
Previsão de efeitos biológicos
baixo risco de efeitos biológicos adversos devido a Cd, Cu, Pb, Ni e Zn
podem haver efeitos biológicos adversos devido a Cd, Cu, Pb, Ni e Zn
efeitos biológicos adversos devido aCd, Cu, Pb, Ni e Zn são esperados
SVA > 0,0
não haverá efeitos biológicos adversos devido à Ag, Hg ou ao Cr
não é conclusiva quanto à toxicidade do Cr
Vol. 34, No. 9
Sulfetos volatilizáveis por acidificação
dinâmica, o que demanda vários estudos de confirmação e aprimoramento dos critérios de qualidade para águas e sedimentos. Além
de fenômenos naturais ou artificiais de ressuspensão das partículas,
normalmente motivadas por navegação e atividades aquáticas,
também os organismos bentônicos fazem da região superficial dos
sedimentos, chamada de zona biologicamente ativa, uma área de
mistura, podendo contribuir para com os fluxos na interface sedimento/coluna d’água. Processos de dragagem de sedimentos expõem
o material a um ambiente oxidante, propiciando a transformação de
sulfetos em sulfatos, num processo que leva à geração de um meio
ácido, aumentando a disponibilidade de alguns metais. No Brasil
já há uma legislação vigente específica a esse respeito que utiliza
os VGQS empíricos (TEL e PEL para ambientes de águas doces e
ERL e ERM para águas salinas e salobras) não havendo uso ainda
para o VGUTAI. No âmbito federal podem ser citadas a Resolução
CONAMA No. 344/2004,107 que estabelece as diretrizes gerais e os
procedimentos mínimos para a avaliação do material a ser dragado
em águas jurisdicionais brasileiras, e dá outras providências, e
também a Resolução CONAMA No. 357/2005,108 que estabelece
que, quando a metodologia analítica disponível for insuficiente para
quantificar as concentrações das espécies químicas de interesse em
águas, os sedimentos e/ou biota poderão ser investigados.
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