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Mundo Iraque

Nerd polonês vira porta-voz involuntário do Estado Islâmico

Site criado por programador de 26 anos vira a maior arma de propaganda das atrocidades jihadistas na Síria e no Iraque

Jihadistas usam site JustPaste.it para divulgar imagens de execuções, decapitações, massacres e demonstrações de força
Foto: Reprodução/JustPaste.it
Jihadistas usam site JustPaste.it para divulgar imagens de execuções, decapitações, massacres e demonstrações de força Foto: Reprodução/JustPaste.it

RIO — Mariusz Zurawek é apenas mais um apaixonado pelo mundo dos algoritmos e códigos de programação. Aos 26 anos, nerd, louro, magro e um tanto tímido, leva uma vida pacata numa cidadezinha do Oeste da Polônia, tendo concluído há pouco o mestrado em Ciência da Computação. Administra um site de publicações on-line, sonhando em ser o próximo Sergei Brin, fundador do Google e sua maior fonte de inspiração. Filho exemplar de uma família de classe média polonesa, Zurawek não tem antecedentes criminais e seu interesse por geopolítica é nulo. Ou era. Em julho, um telefonema surpreendeu-o. Do outro lado da linha, havia um agente da unidade de contraterrorismo da Met, a polícia de Londres.

— Levei um susto. Pediram que eu removesse conteúdo do meu site, incluindo vídeos usados para convencer muçulmanos do Ocidente a se unir ao Estado Islâmico (EI), fotos e registros de execuções cometidas por combatentes do grupo e materiais que incitam à violência e glorificam as ações deles — lembra Zurawek.

Foi quando o jovem polonês se deu conta de que virou, involuntariamente, o mais eficiente porta-voz do grupo extremista que usa violência e barbárie para estabelecer um califado islâmico entre o Iraque e a Síria. Mesmo sem entender ou falar uma palavra em árabe, sua criação se transformou em uma poderosa arma de propaganda do EI. Com as grandes empresas de tecnologia como Twitter e Facebook perseguindo e fechando contas da organização nas redes sociais, o grupo descobriu no site de Zurawek uma maneira rápida de divulgar na internet as suas ações — através do JustPaste.it, um serviço gratuito onde qualquer um pode postar textos, fotos e vídeos on-line sem qualquer registro ou conhecimento técnico. A ferramenta, desenvolvida há quatro anos pelo então estudante polonês, caiu nas graças dos jihadistas, que a utilizam como sua principal plataforma de divulgação de imagens de execuções sumárias, decapitações, massacres e demonstrações de força.

— Criei o site inicialmente em polonês. Demorei três dias. Minha ideia era permitir que as pessoas pudessem compartilhar conteúdo de uma maneira simples, sem se registrar. Você pode fazer uploads com apenas dois cliques. Trabalhava nisso ocasionalmente, mas concluí o mestrado e venho trabalhando para melhorar o site e a interface dele em dispositivos móveis. Nunca pensei que terroristas fossem usar o meu serviço — diz o programador ao Globo A Mais, por telefone.


JustPaste.it foi desenvolvido há quatro anos pelo então estudante polonês Mariusz Zurawek
Foto: Reprodução/JustPaste.it
JustPaste.it foi desenvolvido há quatro anos pelo então estudante polonês Mariusz Zurawek Foto: Reprodução/JustPaste.it

De certa forma, Zurawek virou o queridinho dos radicais. Mas não se sabe por quanto tempo. Ele garantiu estar colaborando com a polícia do Reino Unido, cada vez mais envolvida em investigações sobre a atuação do Estado Islâmico, sobretudo depois que o algoz do jornalista americano James Foley, sequestrado e decapitado na Síria, revelou um sotaque britânico em um vídeo que chocou o planeta há dois dias.

— Eu me coloquei à disposição e disse que, se eles acharem material ilegal, podem sempre me mandar uma solicitação para remover. É bom colaborar, mas deixei claro que não vou retirar a plataforma do ar. Não sou criminoso, não infringi nenhuma lei. O site é só uma plataforma de publicação on-line, não podem culpar a plataforma. Ninguém culpa o Twitter ou o Facebook por posts considerados ilegais, não é? — argumenta.

Mas o polonês não esconde que está assustado. Ele não se importa em revelar seu nome e sobrenome, mas prefere que a cidade onde mora não seja identificada e tampouco concordou em ceder uma foto à reportagem. O programador conta que administra o JustPaste.it de casa, de um laptop na escrivaninha de seu quarto, sozinho. Agora, com a popularidade repentina do site nos últimos dois meses, quando as ações do EI ganharam força com a tomada da cidade iraquiana de Mossul, às vezes pede ajuda ao irmão para monitorar o que está sendo postado e remover rapidamente conteúdo impróprio. Virou uma espécie de refém de seu próprio projeto.

— Se continuar crescendo assim, vou ter que pedir ajuda. Estou tentando verificar o tempo todo o que está sendo postado para retirar qualquer coisa que possa ser propaganda terrorista, mas o volume é grande. Não que eu ache tudo isso perigoso, mas é um pouco assustador. O que eu posso fazer? Me esconder em casa? Não se pode permitir que terroristas consigam seu objetivo, que é te aterrorizar. Acredito que seja importante revelar meu nome para que as pessoas saibam que eu não estou fazendo nada de errado. Não tenho motivos para ter medo.

Os esforços dele parecem em vão. Imagens postadas há cerca de duas semanas pelo Estado Islâmico do massacre de mais de 500 prisioneiros da minoria yazidi, por exemplo, ainda podem ser encontradas no ar. Segundo o Google Analytics, o JustPaste.it tem 10 milhões de page views por mês, sendo 2,5 milhões de visitantes únicos. Muitos vêm do Oriente Médio. Mas Zurawek diz não ter mecanismos para identificar com exatidão os responsáveis pelas postagens: a única informação que retém é o endereço IP, o que não ajuda na localização dos usuários.


Estado Islâmico usa violência e barbárie para estabelecer um califado entre o Iraque e a Síria
Foto: Reprodução/JustPaste.it
Estado Islâmico usa violência e barbárie para estabelecer um califado entre o Iraque e a Síria Foto: Reprodução/JustPaste.it

— Deixei isso claro à polícia de Londres. Não tenho como rastrear esses IP’s. Se uma pessoa hoje quer ser anônima na internet, não há nada que se possa fazer. Ela tem recursos sofisticados para isso, de proxies ao Tor — explica Zurawek, referindo-se ao software livre que permite a navegação anônima na rede.

O programador ainda não ganhou um tostão com sua empreitada. Ele mesmo paga pela hospedagem, feita por três servidores alugados com o maior data center da Alemanha, o Hetzener, e utiliza um provedor de fornecimento de conteúdo (CDN) para ajudar a carregar as páginas mais rapidamente em locais distantes, como a Síria e o Brasil. Cada post comporta até 10 megabytes de conteúdo, armazenado por tempo indeterminado. E o material só pode ser encontrado on-line caso o usuário compartilhe o link de acesso ou caso chegue à página das notas mais populares, uma espécie de “trending topics” do JustPaste.it, assim como o do Twitter.

No início do ano, Zurawek fora alertado por um jornalista sírio que o site vinha sendo usado como fonte para a coleta de material sobre a guerra civil. À época, achou apenas curioso. E, se ele diz não saber exatamente como o JustPaste.it foi encontrado pelos extremistas, é capaz de apostar no motivo de seu sucesso junto ao Estado Islâmico.

— É tudo fácil de usar. Como a interface é muito simples, não tem anúncios, não tem widgets, o site abre facilmente até em lugares onde a conexão com a internet é muito lenta, como a Síria. Isso os atrai — arrisca.

Toda essa simplicidade do processo expõe, mais uma vez, o velho dilema do admirável mundo novo da tecnologia: a responsabilidade por conteúdos colocados on-line. Assim como os gigantes Google, Twitter e Facebook, pequenos programadores também se veem confrontados com dilemas éticos sobre a liberdade na web e a necessidade de algum tipo de regulamentação que assegure liberdade e privacidade, sem permitir que a internet se transforme num abrigo de criminosos. O polonês garante que não vai tirar a página do ar. Pelo contrário. Além de inglês, ele já pensa em expandi-la com versões em alemão, francês, russo, árabe e até português.

— Quero fazer disso uma empresa capaz de se manter a longo prazo e permitir o compartilhamento de informações. É uma ferramenta útil. O fato de o Estado Islâmico estar usando meu site para postar conteúdo serve para conscientizar e alertar contra esse tipo de problema. Governos devem achar uma solução política para o que se passa na Síria e no Iraque, mas sem inibir liberdades na web — avalia.

(*) Reportagem publicada na revista vespertina para tablets O Globo A Mais